terça-feira, 24 de junho de 2008

Basta de exames fáceis, dizem eles!


Nas entrevistas que se fazem aos alunos à saída dos exames nacionais, sejam elas para a televisão ou para os jornais, ressalta uma coisa surpreendente: a maioria, não arriscando escrever a esmagadora maioria, acha-os fáceis ou muito fáceis; e, mesmo, os que reconhecem não ter estudado ou ter estudado pouco, acham-nos acessíveis.

Este estranho "fenómeno" pode ter inúmeras explicações mais ou menos delirantes: uma é que, sem se darem conta, os jornalistas escolhem os alunos mais aplicados e conscientes; outra é que os alunos estudam muitíssimo e conseguem aceder a um grau de excelência que sustenta a confiança que evidenciam; outra é que o seu optimismo aumenta na mesma proporção do pessimismo dos professores…

Há outra explicação em que algumas associações de professores e especialistas teimam: os exames são, de facto, fáceis. Melhor: são cada vez mais fáceis. E porquê? Para se obterem resultados “agradáveis” e, assim, acreditarmos que a qualidade do nosso sistema de ensino melhora, quando, na verdade, piora. Eu própria, sempre que analiso um exame nacional, tendo a corroborá-la. Mas a tutela desmente-a sistematica e veementemente, alegando que provém de vozes suspeitas, que denotam má vontade, vozes que procuram uma conspiração onde reina a transparência. É certo que os argumentos de que a tutela se socorre não constam da docimologia (estranha palavra que significa estudo dos exames), mas admito que pode guiar-se por outra lógica, ainda que não vislumbre qual. Devo assinalar que este cenário não é exclusivo do nosso país, está bem identificado e caracterizado na literatura internacional.

O que eu de maneira alguma esperava e, certamente, a tutela também não, era que os próprios alunos adoptassem a última explicação que referi e, mais, dissessem "basta". Pelo que ouvi a vários entrevistados, não querem exames que defraudem as suas expectativas; querem exames que meçam o que efectivamente estudam.

Considerando que nos documentos macro-curriculares se frisa a importância de se atender às necessidades, motivações e interesses dos alunos, talvez seja legítimo concretizar esse propósito e rever a exigência dos exames nacionais, como eles, afinal, solicitam.

9 comentários:

C. Alexandra disse...

Se há coisa que os alunos detestam é estudar com dedicação e depois chegar ao exame e não sair praticamente nada do que estudaram (matérias dos programas).

Assim como muitos alunos também não gostam particularmente de, apesar de terem tido um esforço maior do que os colegas, os colegas terem tido iguais ou superiores resultados.

A tutela falhou na análise destes pormenores porque a tutela na realidade desconhece os vários tipos de alunos. A tutela está tão afastada dos alunos, num mundo à parte, que nem sabe quais são as motivações dos alunos.

lpf disse...

A pergunta que coloco é: qual a finalidade de um exame?

Na minha humilde opiniao se a finalidade for filtrar ou diferenciar, entao realmente os exames devem ter diversos niveis de dificuldade de modo a se conseguir avaliar a disparidade de conhecimento dos alunos. Tambem se a finalidade de um exame for desafiar o aluno a transceder-se ou motiva-lo a superar a sua capicade de raciocinio, entao os exames deverão ter uma grande componente de dificuldade elevada. Em ambos os casos ira haver uma clara distincao entre os alunos como é normalmente apreciado por aqueles que se esforcaram e levaram o exame como um desafio.

Por outro lado se a finalidade de um exame for validar que o conhecimento transmitido nas aulas e pelos manuais escolares foi adiquirido e intrepertado pelos alunos, entao este deve ser simples e directo focando no que é realmente importante e essencial na materia. Avalia assim a atencao na aula e o estudo do programa sem com isso tentar diferenciar os que o fizeram acima do essencial nem motivando ou desafiando para uma superacao do empenho pessoal.

Como tal, na visao de um mero filosofo, concluo que os exames devem tender para provas mais simples e directas vulgarmente ditas como faceis. Julgo que a escola é para todos e tem como funcao distribuir conhecimento e nao distinguir classes ou pessoas. Aqueles que desejam desafios deverao faze-lo atraves de provas especificas para tal, como as olimpiadas ou outros concursos. A motivacao para a excelencia é bem-vinda mas devera ser focada aqueles que o desejam e nao imposta como regra discriminatoria para o acesso a mais conhecimento.

Adoro desafios e exijo a excelencia para mim mas nao para os outros.

JSA disse...

Eu vejo um exame como sendo o meio de avaliar o que o aluno aprendeu e como forma de testar a excelência de alguns. Assim, um exame deve ter uma parte simples, relativamente fácil mas curta, para motivar um aluno, uma parte um pouco mais complexa mas de dificuldade média para avaliar correctamente os conhecimentos adquiridos e duas outras partes, uma mais complexa e uma, eventualmente com uma única questão, bastante complexa, para distinguir o nível dos alunos.

Dentro disto, estava agora a dar uma espreitadela à prova de física-química A do 12º ano e fiquei verdadeiramente pasmado quando li as constantes e o formulário fornecido. Dele constavam:
- a constante "g" com o valor de 10 m s-2. Não só a mim me era exigido saber que o valor era 9,81, mas ninguém aceitaria que eu escrevesse "m s-2", exigindo pelo menos um pontozinho entre as unidades "m.s-2".
- constantes de Avogadro, velocidade da luz, produto iónico da água e volume molar de um gás. Tudo isto eram constantes que se assumiam ter de ser conhecidas.
- Conversão de temperatura entre ºC e K
- massa volúmica (e colocam a massa volúmica como sendo o mesmo que densidade, quando esta, segudo aprendi, é a primeira dividida pela massa volúmica da água, sendo que não terá unidades)
- concentração (molar e mássica)
- reção entre concentração de H3O+ e pH
- 1a lei da termodinâmica
- trabalho realizado por uma força
- energia potencial gravítica
- lei da gravitação universal
- cálculo de uma força
- equações de movimento unidimensional e circular
- comprimento de onda

Pode ser que esteja a exagerar em alguns casos, mas lembro-me distintamente de não ter acesso a estes dados sequer para testes regulares do 10º ao 12º ano. Hoje em dia pedem-lhes que façam o exame final do secundário com estas fórmulas todas (e os problemas parecem-me simples, mas podem ser já os anos de experiência a falar). Lembro-me também que um dos critérios de correcção das provas específicas que fiz em 93 passavam precisamente por escrever correctamente as fórmulas (valia um mísero ponto, mas valia para alguma coisa). Hoje em dia isso é dado.

Se isto não é falta de exigência, não sei o que será.

Armando Quintas disse...

Os exames surgiram porque se percebeu que a avaliação internas das escolas fracassa completamente. São provas ad oc de triagem dos alunos, cujo sistema deveria ser interno, dispensando os exames.
Concordo plenamente com a existencia de exames, permitem distinguir quem sabe e estuda de quem não sabe e não estudo. Mas concordo que devem formular perguntas válidas de serem respondidas, não contendo erros, e expurgados de linguagem obscura do eduques, quando esta exista.
Pena é que a outra parte da nota, por vezes a que tem mais peso, seja a avaliação interna nos moldes em que continua a ser feita.
Sabe-se plenamente que a media não tem relação directa com as capacidades e conhecimentos dos alunos, e isto é valido tanto para o secundário como para o ensino superior.
Agora a questão fundamental do post: porque caa vez mais faceis se tornam os exames nacionais?
Eu só encontro uma resposta: para serem extintos mais tarde ou mais cedo, porque são uma chatice e dão muito trabalho ao ministério da (des)educação e são dos poucos elementos avaliadores de forma democrática e justa, como tal o eduques instalado nesse nefasto ministério tem que destruir tudo o que siginifique rigor e exigencia.
Não vejo outra resposta possivel.

Jorge Cavaco disse...

Lamentavelmente o ensino em Portugal não é nada (resume-se a uma aglomerado de matéria sem continuidade no tempo, e muitas vezes pouca utilidade). E sim a culpa não é apenas da tutela, mas também dos próprios professores que não sabem transmitir os seus conhecimentos ( que nem sempre parecem ter), os próprios professores nem sabem formar docentes, entramos num ciclo viciado. Como poderemos sair disto. O ensino em Portugal está condenado ao fracasso completo. {MCK}

Tiago Caliço disse...

Cara Helena Damião,
As categorias 'fácil' e 'difícil', quando aplicadas a exames, são docimológicas? Se sim, funcionam de modo binário, ou como extremos de um contínuo?
Se forem extremos de um contínuo, como garantimos que identificámos com rigor onde nesse contínuo se encontra a dificuldade do exame? Com que procedimentos sistemáticos e teoricamente fundamentados, para que outros, nas mesmas circunstâncias, possam chegar à mesma conclusão?
Mas talvez a pergunta mais importante seja outra. Independentemente da dificuldade 'absoluta' do teste, que evidências temos e com que racionais teóricos as cotejamos que 'esta' dificuldade não é adequada ao(s) uso(s) do teste? E se não ‘esta’, como estabelecemos uma outra? A ‘correcta’?

Melhores cumprimentos,

Tiago Caliço

purpurina disse...

concordo com lpf relativamente à finalidade de um exame, e aproveito para convidar quem queira a espreitar a interessante discussão que se vai desenrolando aqui (post, linque e comentários) e que foca dois aspectos que já foram abordados no de rerum natura anteriormente: os resultados do pisa e o (ineficaz) sistema de retenções.

cumprimentos a todos

Rui Curado Silva disse...

Cara Helena Damião,

poderia desenvolver mais a seguinte passagem:

"Devo assinalar que este cenário não é exclusivo do nosso país, está bem identificado e caracterizado na literatura internacional."

fiquei curioso. Confesso que estou farto de ler conversa fiada sobre o assunto e se há trabalhos que identificam e caracterizam o problema, o melhor é ler esses trabalhos e tirar deles conclusões mais precisas.

Anónimo disse...

Olá. O meu nome é Daniela e estou a repetir os exames pela segunda vez. O ano passado não consegui entrar pois os exames desceram a minha média, que até nem era má de todo. Gostaria de lhe fazer uma pergunta: com o facilitismo dos exames deste ano será que a média subirá ainda mais do que o ano passado?! Economia já está a rondar os 16, 17 valores. Será que este ano a média ficará próxima de Medicina?

Acho que foi injusto, na minha situação, ter trabalhado 3 anos durante o secundário para uma boa média e os exames baixarem-na.

danielaborralho@hotmail.com

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