domingo, 22 de junho de 2008

Continua a brincar!


Em 11 de Maio passado fez 90 anos que nasceu e em 15 de Fevereiro passado fez 20 anos que morreu. Falo do físico norte-americano Richard Feynman que na foto está a tocar bongo (aprendeu no Brasil). Em sua homenagem recupero uma minha recensão de um livro seu, "Uma tarde com o Sr. Feynman", que foi publicada no "Público" em 1992 e que republicada aqui fica à mercê dos motores de busca:

O físico Richard Feynman é uma espécie de herói dos estudantes e cientistas mais jovens. A Gradiva é a responsável entre nós por esse fenómeno de mediatização de um físico claramente acima da média, tanto no talento como na excentricidade. Conseguiu-o com os dois volumes auto-biográficos “Está a brincar Sr. Feynman” e “Nem sempre a brincar Sr. Feynman”, prosseguindo agora a apresentação do interessantíssimo personagem com uma pequena colectânea de duas conferências e duas entrevistas.

A primeira palestra é uma reflexão sobre o “Que é a ciência” feita perante uma audiência da Associação Americana de Professores de Ciências. Trata-se de um discurso muito pessoal, descontraído, divertido mesmo, sobre a ciência e o seu ensino. É Feynman “himself”, no seu melhor. Um cientista que se interroga sobre o que é a ciência fica tão atrapalhado como a centopeia de um poema infantil:

“Uma centopeia vivia feliz
até que um dia um sapo lhe disse, a brincar:
Com tantos pés, nunca te enganas, meu petiz?
Cheia de dúvidas de tanto pensar
caiu distraída numa vala
sem saber como marchar”.


Mas acaba, humildemente, por chegar a uma definição:

A ciência é a crença na ignorância dos peritos”.

A segunda palestra é solene e formal, pelo menos tanto quanto o autor consegue. Trata-se do discurso de aceitação do Prémio Nobel que, apesar de recheado de alguns pormenores técnicos, permite traçar a rota sinuosa de uma descoberta científica, terminando de uma forma comovente:

“Que aconteceu à velha teoria de que me enamorei na minha juventude? Bem, direi que se tornou uma velha dama, muito menos atraente, e, consequentemente, os jovens de hoje, ao vê-la, não estão dispostos a lutar pelo coração dela. Mas posso fazer aqui o melhor elogio que merece uma velha senhora: foi uma boa mãe, que deu a luz algumas belas crianças.”

A primeira entrevista é transcrita da revista “Engineering and Science” do California Institute of Technology. Tem o fascínio do discurso directo de um improvisador nato. A certa altura, quando Feynman defendia, de improviso, que nada se aprende com escritores ou artistas, emenda de repente a mão e diz, sem snobismo:

“Espere, retiro tudo o que acabo de dizer (...) Existem homens em todos os campos com quem consigo falar tão bem como com qualquer cientista”.

A entrevista final, que aparece depois de um poema de Feynman (muito mau; o grande físico fazia poemas maus e pintava quadros péssimos; com a arte dele nenhum artista aprenderia muito!), foi feita pela revista norte-americana de ciência e ficção científica “Omni”, pertencendo a uma excelente série de entrevistas que aquele magazine tem realizado.

Os quatro textos são leituras indispensáveis a feynmanianos convictos, a todos aqueles que gostariam de subscrever o pano erguido pelos seus estudantes diante do hospital onde Feynman morria de cancro: “Dick, we love you!

Feynman morreu mas as aventuras dele continuam em livro. Uma obra do seu amigo Ralph Leighton ainda não publicada entre nós, “Tuva or Bust” (Addison-Wesley, 1991) conta uma viagem de Feynman que nunca se chegou a realizar, a um pais ignoto da Ásia Central. A república de Tuva, independente entre as duas guerras e anexada pela União Soviética, distingue-se apenas por ser o centro geométrico da Ásia, ter impresso bonitos selos de correio em losango e possuir uma capital com um nome formado só por consoantes. Feynman aprendeu “tuvês”, a língua de Tuva, tentou por todos os meios ao alcance de um cidadão anónimo ir a esse canto dos confins do mundo, chegou a fundar a Liga dos Amigos de Tuva mas, entretanto, foi obrigado a despedir-se de uma vida intensamente vivida sem ter concretizado os seus planos de viagem. Feynmanianos: havemos de combinar uma excursão a Tuva!

Título: "Uma tarde com o Sr. Feynman"
Autor: Richard Feynman. Introdução, apresentação, notas e tradução de A. M. Nunes dos Santos e C. Auretta
Editor: Gradiva, 1992.

1 comentário:

João Pedro Ferrão disse...

Os seus desenhos não são maus de todo. Há alguns bem giros. :)

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