segunda-feira, 16 de junho de 2008

"DA CUNHA, MATEMÁTICO, POETA Y HEREJE"


Um salto à Feira do Livro de Madrid (ao lado da qual a Feira do Livro de Lisboa empalidece) permitiu-me encontrar, entre muitas obras interessantes, o livro com o título reproduzido em cima (Nivola, 2008).

Trata-se de uma biografia do matemático e escritor português do tempo das Luzes José Anastácio da Cunha (1744-1787). É seu autor Xenaro García Suárez, licenciado em Matemática pela Universidade de Santiago, doutor em Filosofia pela Universidade Complutense e professor de matemática no Instituto Álvaro Cunqueiro de Vigo, que já antes tinha feito uma edição crítica sobre os manuscritos matemáticos de Marx e um estudo sobre a obra matemática de Frei Martin Sarmiento (1695-1772), um sábio beneditino contemporâneo de Anastácio da Cunha (a página Wikipédia do português empalidece comparada com a do espanhol, nomeadamente do ponto de vista bibliográfico).

Anastácio da Cunha é relativamente bem conhecido entre nós, talvez mais nas comunidades de matemática e de história das ciências do que na comunidade de estudos literários. Tal não admira porque, juntamente com o Padre Monteiro da Rocha, Cunha é o nosso maior matemático do século XVIII. O Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra publicou, por altura do bicentenário da sua morte, uma edição facsimilada dos seus "Princípios Matemáticos", saído só postumamente (em 1790) e que conheceu duas traduções francesas logo no início do século XIX. Recentemente saiu um belo volume de facsimiles e comentários de documentos autógrafos encontrados no Arquivo de Braga: M. Elfrida Ralha, M. F. Estrada, M. do Céu Silva e A. Rodrigues (org.), José Anastácio da Cunha: O tempo, as ideias, a obra e… os inéditos, Arquivo Distrital de Braga/Centro de Matemática da Universidade do Minho/Centro de Matemática da Universidade do Porto, 2006. A "Obra Literária" de Cunha encontra-se facilmente (ed. M. L. Borralho e C. Marinho, Campo das Letras, 2 vols., 2001-2006); foi Fernando Pessoa quem disse que Cunha representa "a primeira luz do amanhecer da literatura portuguesa"). Mas julgo que está esgotado o romance de Aquilino Ribeiro, "Anastácio da Cunha: O Lente Penitenciado" (Bertrand, 1938), sobre os problemas que Cunha teve com a Inquisição.

O livro espanhol é o nº 35 de uma muito boa colecção de biografias matemáticas dirigida por António Pérez Sanz, professor do Centro Nacional de Informação e Comunicação Educativa do Ministério da Educação espanhol. Trata-se do primeiro matemático português a aparecer nesta colecção (espero que pelo menos Pedro Nunes venha também a aparecer!) e está muito bem numa colecção que começou com Arquimedes, Fermat e Newton (curiosamente não há ainda nenhum matemático espanhol...). Suárez soube de Anastácio da Cunha através de uma nota de pé de página de uma compilação do historiador de ciência I. Grattan-Guiness sobre cálculo infinitesimal (tradução espanhola, Alianza Editorial, 1984), em que atribuía prioridade ao matemático português relativamente à noção de diferencial de Cauchy. A partir daí estudou o assunto e passou a referir Cunha nas suas aulas. Escreve Suárez na apresentação do seu livro, o qual apesar de conter fórmulas é bastante acessível para quem tenha o mínimo de cultura científica:

"Em geral, a história da ciência portuguesa, incluindo a matemática, é completamente desconhecida em Espanha e, embora Portugal tenha também sofrido os rigores da tão conhecida entre nós intolerância eclesiástica, quando investida do poder temporal, houve, em determinados momentos, tentativas de incorporar o pensamento iluminado".

Eu diria que a história da ciência portuguesa é bastante desconhecida entre nós, pelo que não seria descabido traduzir este livro para português, aumentando o círculo dos seus leitores. E, principalmente, acrescentar-lhe outros livros, tanto eruditos como populares, escritos em português, sobre as vidas e obras dos nomes que foram maiores na nossa ciência.

Nota: A capa do livro usa o quadro "Condenado pela Inquisição", das colecções do Museu do Prado e que está reproduzido acima, do pintor espanhol Eugenio Lucas Velasquez (1817-1870). Mas há um erro: na capa, a imagem aparece invertida, com a esquerda e a direita trocadas. Só me apercebi disso quando encontrei o original...

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