quarta-feira, 18 de junho de 2008

Ideias perigosas


No livro “Grandes Ideias Perigosas”, recentemente saído em Portugal, mais de uma centena de cientistas, desafiados pelo sítio “Edge” de John Brockman, o norte-americano “apóstolo da Terceira Cultura”, lançam outras ideias, tão ou mais perigosas do que as 23 ideias subjacentes às questões de Steven Pinker, por remarem de algum modo contra correntes maioritárias. Quer se concorde ou não com as respostas dadas, não há dúvida de que as questões são intelectualmente estimulantes. Pinker, além de ter redigido a Introdução, é um dos autores que apresentam as suas ideias perigosas favoritas. Trata-se no seu caso de uma generalização da questão 1: “Os grupos humanos podem diferir geneticamente nos seus talentos e temperamentos médios”.

Segundo ele, as diferenças entre géneros são “razoavelmente fortes”, ao passo que as diferenças raciais e étnicas “são-no bastante menos”. Lembro que 2005 o Reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, se viu obrigado a demitir-se por ter expresso, ainda que de forma suave, essa ideia. Apesar de Pinker e (poucos) outros o terem defendido, o clamor de indignação foi tremendo e talvez não tenha sido uma simples coincidência o facto de ter sido escolhida uma mulher para lhe suceder. A discussão foi muito ideológica e pouco científica. É sabido que estes assuntos têm uma incontornável carga ideológica. Mesmo assim não pude deixar de me admirar com a contestação feroz que o psiquiatra Pio de Abreu foi alvo por ter escrito, no seu livro “Quem nos Faz como Somos” (Dom Quixote, 2007), que os cérebros masculino e feminino são à partida diferentes. Pinker, que tem três dos seus livros traduzidos na Brasil e, salvo erro ou omissão, ainda nenhum traduzido em Portugal (a edição entre nós tem por vezes razões que a razão desconhece), conclui o seu depoimento sobre a sua ideia perigosa do seguinte modo:

“Mas a perspectiva de realizar testes genéticos para procurar diferenças entre grupos no campo das características psicológicas é, ao mesmo tempo, mais provável e mais incendiária [do que a clonagem de seres humanos], e a comunidade intelectual da actualidade está mal preparada para enfrentá-la”.

Perguntar não devia ofender, mas ainda ofende. No posfácio, o biólogo inglês Richard Dawkins interroga-se de uma forma que para muitos será radical sobre a perigosa questão da clonagem (a questão 23 de Pinker):

“Pergunto-me se, volvidos 60 anos da morte de Hitler, poderíamos ao menos aventurar-nos a perguntar qual é a diferença moral entre criar seres humanos com melhores capacidades musicais e obrigar uma criança a ter lições de música. Ou o porquê de ser razoável treinar corredores de velocidade e saltadores, mas não criá-los. Posso imaginar algumas respostas, e são boas; provavelmente acabariam por persuadir-me. Mas não terá chegado a altura de deixar de ter medo de colocar, sequer, a questão?”

Boa pergunta! Boa pergunta?

- John Brockman (coordenação), “Grandes Ideias Perigosas” (prefácio de Steven Pinker e posfácio de Richard Dawkins), Tinta da China, 2008.

3 comentários:

Rui leprechaun disse...

As diferenças entre géneros são "razoavelmente fortes", ao passo que as diferenças raciais e étnicas "são-no bastante menos".

Isto parece muito lógico e intuitivo, ou seja, é uma tradução da fisiologia a nível genético.

Do mesmo modo, a tal diferença nos cérebros masculino e feminino é também uma questão velhinha de séculos... ou milénios! Psicologias diferentes que se exprimem em cérebros que processam de forma diferente a informação, sendo que aqui até parece que é a mulher quem leva a palma, tudo somado e considerado.

Ou seja, onde está o motivo para a controvérsia, afinal?!

Já essa questão 23 pia bem mais fino, pelo menos no estado actual da engenharia genética, onde mesmo os OGM são duvidosos e em muitos aspectos.

Claro que a questão inicial seria logo se é possível criar um ser humano com determinadas capacidades, ou seja, qual a importância do determinismo genético, afinal?

Mas sim, a pergunta pode colocar-se, claro, Huxley já o fez há muito no "Admirável Mundo Novo". A resposta que deu foi pouco satisfatória e também seria preciso esperar mais algum tempo, afinal em 1º lugar tem ainda de se ver qual o resultado dessas experiências em plantas e animais.

Por fim, será mesmo que poderemos apressar ou orientar a evolução a nosso bel-prazer? Talvez, somos criadores, mas se a paciência é uma virtude, para já o melhor é fazer as tais bactérias que dão crude! :)

JSA disse...

As diferenças entre géneros têm uma resposta simples no campo da fisiologia. O simples facto de os corpos masculino e feminino produzirem diferentes quantidades de testosterona e estrogénio, por exemplo, afecta obviamente o cérebro de cada género. Isto anda tem de estranho.

Quanto às diferenças entre grupos raciais, é conhecido que os afro-americanos têm uma maior incidência de doenças cardíacas que os caucasianos (isto já depois de despistados para diferenças sociais e de educação).

Relativamente à clonagem, sou contra porque nada tem a ver com criar um novo "eu". Está-se a criar uma nova pessoa, da mesma forma que gémeos idênticos são pessoas diferentes. Quanto a melhorar os genes das crianças, parece-me possível, dentro de determinados parâmetros. Suprimir a expressão de genes que causam doenças parece-me correcto (desde que se saiba ser possível fazer isso sem contra-indicações). Já a criação ou implantação de genes para melhorar características parece-me incorrecto.

Ruben David Azevedo disse...

é inegavel que há diferenças. A verdade é que não há um ser humano igual a outro, uns têm inevitavelmente mais capacidades e outros menos, e sem dúvida que as mulheres têm um cérebro diferentes dos homens.. não vejo qual a novidade ou questão ética que se levanta aqui.. a Igualdade é um erro, uma abstração e um ideal. A única igualdade que pode existir é nas oportunidades para todos serem o que podem ser, e sobretudo a igualdade na compreensão total da diferença.

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