sexta-feira, 31 de outubro de 2008

ATÉ QUE A CASA CAIA


Já saiu no passado dia 28 um artigo de Helena Matos na sua coluna de opinião no jornal "Público". Mas vale a pena recordar o que ela escreveu, sob o título que está em cima, republicando aqui um excerto da sua crónica:

"Nos últimos anos, nos ensinos básicos e secundário, institucionalizou-se uma espécie de loucura pedagógica. As disciplinas onde se transmitem saberes foram perdendo importância. Se eram difíceis, tornavam-se fáceis ou dispensáveis, como agora se viu com a Matemática. Simultaneamente todos os dias se repetia (e repete!) que os conteúdos têm de ser apelativos, pois supostamente o ensino deve ser lúdico e os alunos devem aprender sem esforço. À conta desta política de promoção do sucesso, entra-se em Engenharia sem ter estudado Matemática e a disciplina de Química corre o risco de desaparecer no ensino secundário porque os alunos não a escolhem. Idem para o Latim e para a Filosofia. Adeus equações, declinações e pensamento racional. Estuda-se um bocadinho de Psicologia e o resultado é o mesmo. Uma vez na faculdade, logo se vê. E se os engenheiros ainda vão estudando Matemática durante o curso - embora não a suficiente, porque mais de metade dos licenciados pelos 316 cursos de Engenharia existentes em Portugal chumbam no exame que a Ordem dos Engenheiros exige para o exercício da profissão - no caso dos antigos cursos de Letras, transformados cada vez mais numa versão literária das antropologias e sociologias, corre-se o risco de ver desaparecer os departamentos de Estudos Clássicos.

Noutras disciplinas, como a Física, baixou-se o nível de exigência nos exames nacionais de modo a que as estatísticas melhorassem. Mesmo nas línguas estrangeiras a opção pelo que se acha mais fácil pode levar a que se troque o francês pelo espanhol. A memorização tornou-se uma expressão maldita e arreigou-se a convicção de que o saber nasce das entranhas das crianças num fenómeno equivalente à intervenção do Espírito Santo que fez dos Apóstolos poliglotas. Os desaparecidos Trabalhos Manuais e Oficinais deram lugar às doutas tecnologias e áreas disto e daquilo, sendo que nestas disciplinas os alunos tanto podem levar o ano a fazer caixinhas de papel tipo pasteleiro, pintar cartazes para salvar a água, estudar, com detalhe, nas etiquetas da roupa a simbologia do torcer e lavar a seco, confeccionar bolos com pouco açúcar ou usar abundantemente as teclas "seleccionar-copiar-colar" da sala dos computadores. E para quê queimar as pestanas a estudar Química? Não existe, em alternativa, uma panóplia de disciplinas muito mais fáceis que, diz o "pedagoguês", desenvolvem "novas competências e dinâmicas de interactividade"? Quanto aos professores, sobretudo com o actual modelo de avaliação, é sem dúvida bem mais fácil e propiciador de sucesso na carreira ser "ensinante" de Área de Projecto, nas quais os alunos invariavelmente obtêm melhores resultados, do que meter mãos à tarefa de dar aulas de Física ou Matemática.

A degradação do ensino não começou com este Governo. O que este Governo trouxe de novo foi a capacidade de transformar essa degradação, que os anteriores procuravam negar, num sinal de modernidade e progresso. Entrar em Engenharia sem ter feito exame a Matemática deixa de ser uma aberração e passa a "inovação". Os conteúdos não contam, o que conta é o embrulho tecnológico com que chegam às mãos dos alunos. O Ministério da Educação há muito que vive num universo de ficção. O que Maria de Lurdes Rodrigues conseguiu foi que assumíssemos que essa ficção é do domínio do grotesco e que já não nos indignemos com isso."

Helena Matos

2 comentários:

joão boaventura disse...

Feito o diagnóstico do estado da D. Maria há 216 anos, sendo um dos médicos o que supostamente terá escrito "O reino da estupidez".

PERGUNTAS QUE FIZERAM OS MINISTROS E RESPOSTAS QUE DERAM OS MÉDICOS ÁCERCA DO ESTADO DA SENHORA D. MARIA I

« 1.º pergunta. - Se a molestia dava esperança próxima de melhora ?
« 2.ª pergunta. - Se haverá demora no perfeito restabelecimento ?
« 3.ª pergunta. - Se é compatível com o restabelecimento alguma applicação de sua magestade aos negócios do governo ?
« 4ª pergunta - Se actualmente será prudente tocar a sua magestade nestas coisas sem risco de alterar o progresso do seu restabelecimento?
« Nós médicos abaixo-assinados em conferencia respondemos ao 1.º quesito negativamente. Ao 2.º affirmativamente, ao 3.º e 4.º negativamente. Paço de Queluz, em 10 de Fevereiro de 1792. – Dr. António José Pereira. – António Soares de Macedo Lobo. – Maurício José Alvares de Sá. – José Martins da Cunha Pessoa. – Feliciano António d’Almeida. – Francisco José Pereira. – Manuel Dias Baptista. – Ignacio Tamagnini. – José Alvares da Silva. – Manuel de Moraes Soares. – Joaquim Xavier da Silva. – José Vicente Borzão. – Dr. José Corrêa Picanço. – Francisco José de Aguiar. – José Pereira da Cruz. - Manuel Luiz Alves de Carvalho. – Francisco de Mello Franco. = José de Seabra da Silva.»

In
Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Classe de Sciencias Moraes, Politicas e Bellas-Lettras
Nova Série – Tomo III, Parte I
Lisboa, Typographia da Academia
M DCCC LXIII

Leonel Morgado disse...

Embora muito me preocupe no actual estado da educação, acho que por vezes não podemos arrasar tudo, a eito. A educação pré-reformas (e ainda me lembro de ter sido aluno do primário e preparatório, entre 1976 e 1982) era muitas vezes má! Professores de que os alunos tinham medo, pela violência ou antipatia impune. Colegas que iam desaparecendo todos os anos (hoje sei que é o "abandono escolar").
Professores que nem explicar sabiam. Tive uma de inglês que se virou para mim a perguntar, na primeira aula, "What's your name?", e não sabendo eu o que me estavam a dizer, só recebo um "então? nada?" e passa para o próximo colega, e a aula foi a ronda de todos nisto... As famosas "novas competências" ou "dinâmicas de interactividade" fazem falta. Fazem mesmo. Criticá-las é falhar o alvo... o que é preciso é perguntar porque é que tanta gente fala nestes chavões como se pudesse recomendar o seu uso, mas sem os perceber (por vezes, parecendo que não percebe de nada) e ainda assim tanta gente vai atrás... MAs, contudo, o sumo está certo: é óptimo ter uma área de projecto! Permite fazer coisas fantásticas. Mas porque é que se ataca a área de projecto, ou o estudo acompanhado, em vez de atacar o facto de existirem sem que grande parte dos professores delas soubesse tirar partido? De tal forma que agora são o resultado de hábitos (maus hábitos) instalados graças a esse desconhecimento? Tal como não basta distribuir computadores, é preciso ensinar a tirar partido deles no ensino, não basta criar "áreas", é preciso explicar, a quem vai trabalhar nelas, como delas tirar partido.
Ah, e já agora: os cursos superiores de engenharia só prescindem da matemática por desespero, já que sem ela não são reconhecidos pela ordem. E o "desespero" é a falta de alunos, que leva por vezes as instituições a atitudes de sobrevivência a curto prazo. Também aqui, o que se diz não bate bem com o que se pretende...
Em suma: sim à ideia geral deste artigo, mas não ao que se escreveu em concreto...

Torradas com toucinho

Por A. Galopim de Carvalho Provavelmente já havia torradeiras eléctricas, mas nós ainda as não conhecíamos, e a manteiga-de-vaca era um dos...