Tanto quanto sei, a primeira escola ligada a empresas que se apresentou "sem professores, sem aquisição de conhecimento, sem graus académicos e sem atribuição de diplomas" foi a "Escola 42", ou simplesmente a "42". Sobre o assunto escrevi aqui em 2018.
Desde que foi criada, em 2013, em Paris, como "escola de referência internacional em programação", não tem parado de se replicar e chegou a Portugal em 2020, estando representada em Lisboa e no Porto.
É certo que se destina, em primeira instância, a jovens adultos "desfavorecidos", mas assenta num "conceito" que se tem alargado à "escolarização" de crianças e adolescentes "desfavorecidos" e "favorecidos". Ajusta-se o discurso, consoante se trate de uns ou de outros.
Recuperando notícias e entrevistas publicadas na comunicação social, ficamos a saber, através do depoimento de representantes e parceiros portugueses da escola, que o seu projecto revolucionário não se desvincula da matriz: assenta na figura de "responsabilidade social" e destina-se a "combater as desigualdades sociais", a promover a "integração". Pode considerar-se um dos "maiores aceleradores do elevador social em Portugal".
Aceita jovens talentosos e motivados que passem num processo de selecção, assemelhado a um jogo. Rejeita a "pedagogia tradicional": "não há professores, não há aulas, nem horários. Cada aluno constrói o plano curricular à sua medida". Aposta na aprendizagem cooperativa e no “aprender a aprender”. Os alunos são verdadeiramente autónomos.
Pauta-se, é certo, por um "alinhamento com as necessidades de mercado” e o seu financiamento é feito por mecenas que agem no mercado. Um dos seus maiores financiadores reconhece as vantagens deste tipo de escola para as próprias: o perfil de formando é talhado por elas e a elas retorna.
Explorar o pouco que disse acima levar-me-ia longe; de momento, quero sublinhar, na sequência de texto anterior, que apresentar uma escola
- sem professores e, portanto, sem encontro pedagógico,- sem plano de estudos,- sem aquisição de conhecimento escolar,- e, até, sem reconhecimento da aprendizagem,
tornou-se uma mais valia: funciona como estratégia de marketing e de aceitação social. A conotação destas ausências é positiva, a sua presença negativa. Eis a ideia de "educação escolar" que, em nome da igualdade, da inclusão e de outros bons propósitos, se está a generalizar pelo mundo e para todos.
6 comentários:
Se em qualquer situação, seja de bem estar, de violência, de maus tratos, de ambientes e de interações inteligentes, de paz ou de guerra, de contemplação ou ascetismo, de sonho ou de paixão, o ser humano, como máquina pensante que é, como máquina que discorre e analisa e conclui sobre o que sente e, metodologicamente ou nao, reverte o que pensa para a mesa da experiência, numa interação, ou controlo dos sentidos pela razão e da razão pelos sentidos, o problema da educação tem a ver sobretudo com os limites que são impostos pelo respeito devido ao educando, muito mais do que os que são devidos pelo educando ao educador. A responsabilidade do educador prrecede, em toda a linha, a do educando. Num primeiro momento, em que este nem sequer tem habilidades e capacidades de entendimento e de vontade e de liberdade, porque a máquina pensante humana é uma máquina biológica melindrosa e delicada, além de ser muito sensível (quanto à inteligência deixo o assunto para especialistas) está na roda viva de uma realidade que o antecede e o condiciona imenso. A evolução dessa máquina viva é ditada e determinada, em grande parte, por aqueles que a rodeiam e por aquilo que acontece. Gostar ou não das “propostas”, do “menu”, do “cardápio” de credos, disciplinas (o termo disciplina é muito interessante para estas minhas considerações gratuitas), possibilidades, expectativas, é fundamental, mas o que é decisivo é a oportunidade e a capacidade para alcançar o que, nesse horizonte de possibilidades, mais ou menos ilusórias, mais ou menos enganadoras, se deseja alcançar, sem detrimento dos motivos e das razões pelos quais se deseja.
A máquina pensante assemelha-se em tudo a um estômago triturador, cujos refluxos não dependem da vontade, por mais incómodos e indesejáveis que sejam. Mas, com ou sem refluxos, a máquina aprende sempre e aprende com tudo. Com ou sem educação, aprende. O problema está em saber o que deve aprender (se é que deve), na perspetiva da máquina, que merece todo o respeito, ainda que seja diferente de todas as outras, e na perspectiva das outras máquinas, que sabem o que lhe ensinar (se ela quiser e puder aprender, sem prejuízo daquilo que for seu desejo e sua vontade). Não basta ter uma mesa repleta de iguarias, é necessário apetite, vontade de comer, acto de comer e, a parte também complexa, sujeita a muitos percalços, de fazer a digestão, usar a energia e defecar.
Helena, gostaria de convida-la a visitar a 42 Lisboa. Temos um modelo de aprendizagem inteiramente baseado em projetos e na colaboração entre pares que, pelos seus resultados, levou esta escola a ser considerada uma das melhores do mundo em vários rankings. Acredito que, como pedagoga, gostará de conhecer a escola.
Cumprimentos,
Pedro Santa Clara (psc@42lisboa.com)
As escolas públicas, de matriz republicana e socialista, têm de se adaptar urgentemente aos novos ventos que sopram de além Pirinéus. Basta de mezinhas e emplastros, quais sejam a inclusão flexível na escola do sucesso obrigatório de todos os cidadãos nacionais, até aos dezoito anos de idade, o fim dos exames, a introdução dos DAC e demais medidas paliativas! É indisfarçável, a escola portuguesa está muito doente! O florescimento de novas propostas educativas, como a do 42, que vêm ocupar o espaço educativo esvaziado de sentido, o das EB1,2,3 +S, é facilmente explicado, por qualquer cidadão com sólida formação científica, pelo horror que o Mercado da Educação tem do vácuo. No entanto, se as massas docentes, constituídas por milhares e milhares de educadores de infância, professores primários e professores do liceu, para abreviar nomenclaturas, se unirem entre si, em camadas sobrepostas, e se se apropriarem rapidamente das novidades que estão a chegar com o Ensino por Rubricas, o alfa e o ómega do novo ministério da educação, as escolas S e EB1,2,3 + JI públicas verão um futuro risonho à sua frente, livres de grades e de grelhas, maiores que lençóis de cama de casal, que têm vindo a coartar a autonomia científica e pedagógica dos educadores de infância e dos seus colegas professores primários e professores do liceu.
P.S.: os educadores de infância e os professores primários são altamente prejudicados na carreira porque lecionam em regime de monodocência. Os professores do liceu são altamente beneficiados porque muitos deles frequentaram a universidade e quase nunca lecionam em regime de monodocência!
Ao que isto chegou!
Não será necessário, é mandar para essa escola um grupo de alunos aleatoriamente escolhidos das escolas do país e ver os resultados.
Prezado Rui Ferreira, esta escola é para maiores de 17 ou 18 anos (nuns sítios vi uma informação, noutros vi outra), portanto, são alunos que andaram nas escolas públicas do país. Sendo, ao que se consegue apurar, muitos os candidatos, os processo de selecção é exigente, só entrando, presumo, os melhores entre os melhores (nas competências pretendidas já se vê). Logo, parece ser a escola pública, que se tanto se critica, a conseguir que haja alunos que possam entrar nesta escola e em escolas congéneres..
Cumprimentos, MHDamião
Prezado Pedro Santa Clara, agradeço o convite. Como pedagoga há muito que conheço o modelo de aprendizagem que refere e exemplos da sua aplicação. Terei interesse em observar mais este exemplo.
Cumprimentos, MHDamião
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