sábado, 25 de junho de 2022

O "MAIA" E A PERDA DO FOCO DA EDUCAÇÃO

Sei que há, em instituições de ensino superior e em escolas públicas, grandes entusiastas do Projeto de Monitorização Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica (MAIA), tutelado pelo Ministério da Educação. Ao que percebo, os entusiastas são os seus mentores e replicadores oficiais, não os professores que o aplicam.

Estes, a menos que esteja muito enganada no juízo que faço, tendem a ser críticos do projecto: dos seus fundamentos, da sua metodologia e dos resultados a que conduz (ver, por exemplo, aqui). Uns explicam-no abertamente, outros em círculos restritos. Há ainda outros que, na dúvida, mantêm reserva.

De qualquer maneira, estando numa escola que se tenha voluntariado para a sua aplicação, é muito difícil aos professores, mesmo que estejam conscientes da falta de sentido educativo do que fazem, dos erros pedagógicos que replicam, das consequências nefastas que daí advêm, deixarem de participar no turbilhão inexplicável de critérios, grelhas, registos... que o processo em causa implica.

Turbilhão que, focado na obsessão de avaliar, a todo o momento, todos em relação a tudo, com base numa técnica, supostamente objectiva, faz perder o verdadeiro foco da educação: o aperfeiçoamento humano. Falo de uma perfeição que, na educação escolar, tenta conseguir-se através do conhecimento académico e da estimulação de capacidades do educando, subordinados ao respeito pelos valores éticos.

O foco da educação é este e não pode deixar de o ser, não pode ser outro. Por uma razão simples, que devia ser evidente: só através da aprendizagem da humanidade cada ser humano tem possibilidade de se tornar verdadeiramente humano. Desistir de tal fim é desistir de cada ser humano e da humanidade

Digo isto de outro modo: o foco da educação não é, não pode ser a recolha de uma torrente de dados, obtidos através de manifestações de comportamentos directamente observáveis (voltamos, desvirtuando, ao behaviorismo clássico, tão criticado por aqueles que o usam!). A obtenção de alguns dados relativos à aprendizagem tem uma função instrumental de apoio à decisão, no quadro das funções social e pedagógica da avaliação (destas duas funções deixei registo aqui).

Uma vez que o MAIA desvia o rumo da educação para o que não é educativo (para o que é meramente instrumental), o seu futuro só pode ser a extinção!

7 comentários:

Anónimo disse...

A perversidade do MAIA e projetos quejandos está em desautorizar o professor, particularmente no que se refere à sua função de avaliador dos alunos. Se o professor classificar um aluno, com nota positiva e elevada, do género Satisfaz Bastante, apenas com base em critérios justos e exequíveis, os sequazes do Maia, mesmo que não cheguem ao extremo de bater palmas, não deixarão de dar prazerosamente a sua anuência, porém, se no gozo da sua autonomia pedagógica, o professor classificar com justiça um aluno com negativa, ainda que muito próxima do Satisfaz, sujeita-se a ser alvo da ira, de um ou dois colegas apaniguados do Maia, e se não apresentar ali, e imediatamente, as grelhas feitas, ao longo do ano letivo, com o registo, escrito e por extenso, de todas observações e conclusões, ao longo de todos os dias do ano letivo, no que se refere ao perfil evidenciado pelo aluno enquanto cidadão democrático, ao seu desempenho no domínio da melhoria das aprendizagens e às atitudes e comportamentos próprios e impróprios exibidos em contexto da sala de aula, só lhe resta alterar, expeditamente, o Não Satisfaz para um Satisfaz ou um Satisfaz Bastante. O novo lema é: Para cima, todos os santos ajudam!
Ou há moralidade, ou a flexibilidade é para todos!

Helena Damião disse...

Caro Leitor Anónimo, a questão da autoridade que coloca é central na educação, incluindo a escolar. Voltei a ela e hei-de escrever neste blogue um apontamento derivado do meu estudo. Autoridade, vem de "autor", o professor tem autoridade porque é autor: sabe e organiza o saber para o levar aos alunos. Podemos dizer que há professores... sim, há sempre excepções a que nos agarrarmos, mas é o princípio (e não a excepção) que temos de acautelar. E o princípio é: um professor tem obrigação de saber (do conteúdo, de filosofia, de pedagogia, de didáctica...) e, portanto, como adulto educado tem autoridade para educar quem ainda não é adulto nem educado ao seu nível. Esse é o foco... a avaliação é um meio (importantíssimo, reconheço) para orientar o processo e atribuir diplomas... não é a essência. Cordialmente. MHD

Rui Ferreira disse...

A cegueira que deriva da vaidade, para além de refém da distribuição de benefícios, encontra na agenda do poder de quem manda o seu melhor aliado. A luta é, pois, desigual. Muito desigual. Mas, mesmo com todo esse poder, jamais estarão preparados para derrotar o saber. Dura é mais tempo. Não seria drama algum se daí não resultassem danos colaterais. E logo naquilo que mais importa à Educação, os Alunos.
Como têm a consciência disso, contra-atacam exibindo uma narrativa que ignora o saber. Um exemplo: na página 27 do Relatório “Para uma Avaliação Pedagógica: Dinâmicas e Processos de Formação o Projeto MAIA (2019-2020)”, datado de dezembro de 2020 (https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/ficheiros/relatorio_projeto_maia.pdf), pode ler-se: “Aderiram ao Projeto MAIA 88 dos 91 CFAE existentes no país. Trata-se de uma adesão esmagadora e que traduz uma assinalável sintonia entre as políticas públicas de educação e os atores que, de algum modo, têm responsabilidades na sua materialização”.
Primeiro, as direções dos CFAE são lugares políticos, daí que 88 em 91 (gosto da palavra “esmagadora”) mais parecer uma derrota do que uma vitória.
Segundo, o argumento de autoridade cinge-se ao facto de serem muitos a fazê-lo. A assertividade tem que ver com o MÉTODO e não com a dimensão do nepotismo.
Terceiro, com esta incumbência será se todo incorreto dizer que os CFAE têm responsabilidades na sua materialização, antes, têm responsabilidades na deformação dos professores.

Anónimo disse...

Cara Professora Helena Damião,
Os professores das escolas secundárias vivem quotidianamente com o descalabro a que chegou a educação em Portugal. No entanto, os políticos recusam-se a encarar de frente o problema, que se situa ao nível da qualidade do ensino, proferindo grandes frases, como "a geração mais bem preparada de sempre", na vã tentativa de esconderem o clima de indisciplina, violência, desprezo pelo saber e desautorização científica e pedagógica dos professores que se vive nas escolas públicas. Já no que toca à quantidade, com a imposição de uma escolaridade obrigatória até aos dezoito anos de idade, mesmo que não sirva para mais nada do que manter os alunos encerrados no recinto escolar, "para que não andem na rua a consumir e traficar droga", como ouvi dizer, mais do que uma vez, na sala dos professores e na internet, estamos muito bem!
A desvalorização do conhecimento e qualificações académicas, resultante da massificação do ensino sem qualidade, levou ao desprestígio da escola e do estatuto socioeconómico dos professores. Os professores veem-se sem autoridade para educar os os alunos e portanto não podem avaliá-los devidamente.
Atualmente, os políticos já nem sequer dizem que é necessário reforçar a autoridade dos professores...
As escolas e o ensino só precisam que o seu baixo nível baixe ainda mais!

Helena Damião disse...

Estimado Leitor Anónimo,
Presumo que seja professor do ensino secundário. A situação que bem descreve está também no ensino básico e chegou ao ensino universitário.
O descalabro da educação lamentavelmente também não é só em Portugal (e se fosse só em Portugal já era suficientemente mau).
Não basta ter uma escola aberta, é preciso que ela eduque, que lhe seja permitido educar… Ora, é isso que os directores e professores são, por diversos meios, impedidos de fazer.
Mais tempo de escolaridade pode positivo ou negativo… dependo os fins que se pretendam alcançar e da seriedade com que se procurem concretizar. Doze anos numa escola que não educa tem os resultados que vemos.
A escola, na verdade, não serve para evitar que os miúdos “andem na rua a consumir e traficar droga". “Serve”, isso sim, para ensinar e aprender o que não se aprende em mais lado algum.
Quanto à autoridade, que decorre do saber profissional, ela é condição básica para educar. É tão óbvio! Tão óbvio que somos levados a perguntar se aos responsáveis políticos nunca lhes passou isso pela cabeça.
Cordialmente,
MHDamião

Helena Damião disse...

Prezado Rui Ferreira,
A passagem que refere desse Relatório fez-me lembrar passagens de documentos que li sobre a implantação do Projecto de Autonomia e Flexibilidade Curricular. A retórica é a seguinte: o que “propomos” é tão bom, que as escolas, os centros, os directores, os professores aderem de imediato e quando começam a trabalhar com o que “propomos” dizem maravilhas!
Ora, os CFAE (entidade que, em primeira instância, é incumbida a formação contínua de professores), nas circunstâncias actuais, não têm margem, como é seu dever, para criar um plano de formação derivado das necessidades efectivas dos professores que a ele estão ligados.
Durante anos e anos sem financiamento, conseguiram assegurar a formação a que os professores, por lei têm direito e que, também por lei, a sua avaliação exige. Não era a melhor? Por certo que não, era a possível, muito dependente, de resto, de quem com eles colaborou.
Conheço bem, tal como o Rui Ferreira, o histórico e a vida dos CFAE, tenho acompanhado esta “reorientação da formação” e… digo-lhe, não queria estar na pele de um director. As pressões para implementar os pacotes da “inclusão”, da “cidadania e emoções” da “flexibilidade” e do “MAIA, agora com outra designação” são fortes e persistentes, ainda que possam não ser directas.
Penso que chegámos a uma situação limite: com as políticas vigentes, e não apenas em Portugal, deseducamos os nossos alunos e deformamos os nossos professores.
Cordialmente,
MHDamião

Rui Ferreira disse...

“A situação que bem descreve está também no ensino básico e chegou ao ensino universitário.”
Palavras sábias.
Na qualidade de professor auxiliar convidado na UTAD foi-me enviado um mail a sugerir que me inscrevesse nas “Jornadas Interinstitucionais de Inovação Pedagógica”. De modo a equacionar a participação fui ver: https://www.jornadasidp.pt/. Desisti. Não me inscrevi.
Na 1.ª Edição (2020), por exemplo, uma das comunicações, “JOGOS E LEITURA COLABORATIVA: ESTRATÉGIAS PARA A PROMOÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES”, foi proferida por Carlos Jalali, Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Oxford, sendo, também, Professor Associado na Universidade de Aveiro, onde dirige o mestrado em Ciência Política e o programa doutoral UA-UBI em Ciência Política.
Tal figura abriu da seguinte forma: “Mario Vargas Llosa escreveu que “a vida não é só diversão, mas também drama, dor, mistério e frustração”. Invertendo a máxima de Vargas Llosa, a aprendizagem não é só drama, dor, mistério e frustração. Talvez possa (também) ser diversão. Nesta formação, iremos explorar quatro mecanismos que visam envolver os estudantes mais ativamente no processo de aprendizagem: o uso de jogos (gamification); o uso de tecnologia na sala de aulas; o uso da tecnologia fora da sala de aulas; e as discussões orientadas entre pares”.
Ora bem, nem sei por onde começar! O douto senhor, cuja formação de base é Ciência Política, é visto no meio académico com capacidade de ensinar os professores cuja formação de base é a Pedagogia. Se gozar da propriedade comutativa como na adição, o senhor ensina-me o que não sabe, eu vou ensiná-lo naquilo que não sei (política) e o resultado será o mesmo. Duvido que o senhor conheça, sequer, a etimologia da palavra “pedagogia”, ou mesmo do “aprender”, já para não falar das variáveis de eficácia pedagógica. Mas o mais curioso nem será isso, certamente, será o facto de ter o topete de pretender acrescentar a diversão ao ensaio do prémio nobel da literatura peruano.

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