Em França, neste ano lectivo, no exame nacional de francês de candidatos ao bac (bacharelado) saiu um texto para comentar retirado do livro “Jours de colère” (Gallimard), de uma escritora premiada, Sylvie Germain.
Sylvie Germain foi, de facto, a principal visada e, ao que se refere em notícias publicadas, de modo particularmente violento. Ouvida, disse:
“… pessoalmente não me sinto preocupada. Estou, porém, bastante preocupada com o sintoma que revela. É grave que os alunos que chegam ao final da escolaridade demonstrem tanta imaturidade e desprezo pela língua, pelo esforço de reflexão assim como pela imaginação e também tão pouca curiosidade e abertura de espírito. O trecho destinado a análise não era delirante, o vocabulário era acessível, mas alguns alunos, contentam-se com um vocabulário tão reduzido, rico apenas em insultos e invectivas, que qualquer escrita um pouco elaborada constitui para eles um desafio, um ultraje.”
Disse também a escritora:
“não sinto raiva, só desolação diante de tanta cegueira e falta de questionamento (se eles não passarem no teste de francês será, segundo eles, por causa do meu texto… não por falta de trabalho e reflexão), da sua grosseira rejeição da cultura que lhes é proporcionada no ensino secundário. Querem diplomas sem nenhum esforço, proclamam-se vítimas e elegem como perseguidores aqueles mesmos que eles insultam e ameaçam. Em que adultos se tornarão?”
E acrescentou:
“Tudo isso é tão absurdo quanto angustiante (…) Só posso desejar aos alunos que aprendam a ler, que se esforcem por pensar por si mesmos, que amem as palavras, e também que avaliem o seu peso, significado preciso e as possíveis consequências quando as utilizam.”
Os adultos, responsáveis pela sua educação, fazem-lhes crer que sim, que eles são o centro do universo, que devem seguir os seus interesses, necessidades, espontaneidades, que podem pautar-se pelas suas emoções e perseguir a felicidade (que felicidade?), põem-lhes nas mãos instrumentos programados ao milímetro para reagirem aos mais leves estímulos, nomeadamente aos que contrariam as suas vontades, que de forma pré-definida se lhes incutem. Isto está entranhado no espaço mediático (que se tornou o espaço público de convivência), familiar e, mesmo, escolar.
Os comportamentos dos mais novos que nos inquietam (e, por isso, são notícia) constituem o “sintoma” de que a escritora fala, não são causa.
A causa somos nós, adultos, que manipulamos conscientemente para obtermos proveitos (e muitos o fazem de modo altamente especializado), que nos demitimos (cada vez mais o fazem, vencidos que se sentem), ou nos alheamos (sob o pretexto de não ser assunto nosso, outros que o tratem) da sua educação.
Acontece que não há volta a dar: como adultos, somos todos, sem excepção, responsáveis pela novas gerações. Os desvios, os erros que agora estamos a cometer têm consequências óbvias no futuro: serão os adultos que não educámos devidamente que ficarão no mundo. Isto também é notado pela escritora.
Para prevenir casos como este, alguém avançou uma solução: por uma questão de segurança, não escolher textos de autores vivos para exames.
Um penso rápido numa ferida aberta que sangra cada vez mais!
Se formos por aí, o título da obra em causa torna-se proverbial: outros “dias de cólera” chegarão!
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Texto baseado sobretudo em notícias do jornal Le Figaro. As imagens foram recolhidas nas mesmas fontes:
-https://etudiant.lefigaro.fr/article/l-ecrivain-sylvie-germain-victime-d-un-torrent-d-insultes-sur-les-reseaux-sociaux-apres-l-ecrit-du-bac-de-francais_dac6f9b4-f076-11ec-83d6-f149b8e320dc/
1 comentário:
O relativismo está a conduzir o mundo livre capitalista para um estado de anomia, no sentido de que as regras e objetivos, em que se baseia a vida em sociedade, estão a morrer por todo lado. Os franceses podem ter muito orgulho na sua ética republicana, mas se não fossem os poucos princípios morais da religião católica, que ainda persistem, o sentimento de desorientação e perda de identidade seria ainda maior entre a população.
A OCDE, com a conivência de muitos governos ocidentais, incluindo os chamados bons alunos, como é o caso do Governo da República Portuguesa, impõe políticas de facto consumado aos professores, como são a escola inclusiva e flexível, qualificações que mais não querem dizer que no liceu vale tudo, arrebentando assim com a possibilidade de os estudantes terem à saída da escolaridade obrigatória pelo menos um mínimo de formação cívica que de alguma forma colmatasse a inexistência absoluta de formação escolar.
Enquanto não surgem novos valores credíveis, a minha proposta, para Portugal, vai no sentido de regressarmos à Reforma Veiga Simão, com as imprescindíveis atualizações curriculares na área das novas tecnologias. Continuar no modelo anglo-saxónico das ciências da educação vai conduzir-nos ao caos.
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