Novo texto de Eugénio Lisboa:
Vou confessar uma dificuldade minha, que era, provavelmente, um defeito horroroso: quando lia a maior parte dos textos ditos literários que por aí se publicam, sentia a maior dificuldade em penetrar no sentido de tudo aquilo. Eu leio fluentemente o português, o francês, o inglês e o castelhano. Já sobre o tarde, tentei aprender, com Jorge de Sena, o volapuque, que era a língua em que ele falava, em Creta, com o minotauro. Lembram-se? Jorge de Sena era um homem extremamente generoso e estava sempre pronto a ajudar, mas a verdade é que já não teve vida suficiente, para me indicar livros e dicionários que me permitissem dominar decentemente o volapuque. E foi pena, já vos digo porquê.
Durante muito tempo, bati com a cabeça nos tais textos literários (sobretudo os de crítica literária) e senti-me completamente perdido. Aquelas palavras não casavam bem umas com as outras. Aquelas longas e compactas interpretações de textos poéticos ou em prosa deixavam-me o cérebro e os olhos enviesados. Ali havia coisa. Que diabo, sempre me considerei um homem normal, com uma inteligência não abaixo da média. Fiz até estudos bastante bem classificados e tenho uma biblioteca bem recheada e bem visitada. Mas a leitura da nossa crítica literária derrotava-me. Lia sem dificuldade os grandes textos ingleses, americanos, espanhóis, franceses (não todos), mas, quando tentava entrar na conversa lusíada, era um inferno. Desesperadamente, tentei saber porquê. Mexi, remexi, esgaravatei, falei com amigos, fiz tudo quanto era humanamente possível, para compreender o que se passava. Sejamos humanos: ninguém gosta de passar por asno, no meio de mentes consabidamente brilhantes! Até que um dia, inesperadamente, gloriosamente, a luz condescendeu em descer até mim, E compreendi! A solução do problema era extremamente simples e por isso me iludira tanto tempo. Eu andava a ler volapuque, convencido de que estava a ler português! De aí a evidente dificuldade. Tudo se resumia, pois, a aprender volapuque e logo aqueles textos se tornariam transparentes como cristal.
Como não gosto de ficar com as minhas grandes descobertas, só para mim, aqui vos deixo a luminosa conclusão a que cheguei. Suponho que, só por timidez e vergonha, nunca confessastes as vossas dificuldades, diante da crítica literária lusíada. É simples: por qualquer obscura razão, ela é redigida em volapuque. Vamos, pois, todos, apender volapuque!
Eugénio Lisboa
1 comentário:
O Eugénio Lisboa está aqui, neste texto, a evidenciar um problema com que sempre me deparei quando um texto literário, fosse na escola pelo professor, fosse num pasquim por encomenda, fosse na TV por alguma razão especial, fosse numa tertúlia supostamente intelectual e crítica e não simplesmente ideológica e religiosa, ou anti-religiosa, fosse numa "cerimónia" de consagração por alguma confraria de apaniguados e devotos admiradores de santidades e de ídolos, era submetido à maior tortura possível e inimaginável, até ser inevitável que confessasse tudo o que os torturadores pretendiam.
A partir de certa altura, não sei explicar porquê, o texto era o menos importante, ninguém precisava de o ler, ou nem sequer o lia, porque o clímax, esse, estava reservado para o momento dos torturadores nos dizerem aquilo que o autor não quis ou foi incapaz de nos dizer, mas a que eles tiveram acesso pela tal via da tortura.
Enviar um comentário