segunda-feira, 13 de junho de 2022

As dimensões do Universo

 


Trecho (sem notas nem figuras) do «Pequeno livro da Cosmologia! de Lyman Page, professor de Astrofísica em Princeton,  que acaba de sair na Gradiva:

«Que tamanho tem o Universo? É mesmo muito, muito grande! Agora a sério: esta questão é profunda e há‑de levar‑nos ao coração da cosmologia. Mas, antes de explorarmos o seu significado, examinemos as distâncias com que nos deparamos correntemente. Em cosmologia, as distâncias são imensas. Para termos uma ideia, comecemos pelas nossas vizinhanças e alarguemos progressivamente o âmbito da nossa investigação. A Lua, que é considerada um corpo celeste próximo, está a cerca de 400 000 quilómetros de nós, distância esta que corresponde, aproximadamente, à quilometragem máxima de um automóvel em fim de vida. Com um automóvel muito bom, poder‑se‑ia pensar em conduzir até à Lua e, quem sabe, regressar. Se, no entanto, quisermos ir além da Lua, torna‑se pouco prático medir as distâncias em quilómetros. Dada a imensidão do Universo, é habitual medirmos as distâncias de outro modo — utilizando a luz. Podemos colocar a questão nos seguintes termos: quanto tempo demora a luz vinda de um determinado corpo celeste a chegar até nós? A velocidade da luz é uma constante da Natureza, pelo que este método é muito prático. A luz percorre 300 000 quilómetros num segundo, ou, por outras palavras, um segundo‑luz corresponde a uma distância de 300 000 quilómetros. De igual modo, em um pouco mais de 1,3 segundo a luz percorre 400 000 quilómetros. Por isso, em vez de exprimirmos as distâncias em quilómetros, podemos dizer que a Lua fica a cerca de 1,3 segundo‑luz da Terra. Repare‑se que estamos a usar palavras que dizem respeito ao tempo (segundo‑luz) para exprimir uma distância.

O Sol está, em média, a cerca de 150 milhões de quilómetros da Terra, o que corresponde a cerca de oito minutos‑luz. Como a velocidade da luz é a velocidade máxima a que é possível transmitir informação, só podemos tomar conhecimento de algo que se passa no Sol cerca de oito minutos mais tarde — o tempo que a luz proveniente do Sol demora a chegar até nós. Voltaremos a esta ideia, aplicando‑a à escala cósmica. 

A fotografia 2 é uma imagem de luz visível3 da Via Láctea obtida com uma câmara CCD. Se os nossos olhos fossem maiores e mais sensíveis, seria assim que a veríamos. As manchas escuras na imagem são devidas à presença de poeiras na galáxia, que obscurecem a luz das estrelas, do mesmo modo que as partículas de fumo obscurecem as chamas de uma fogueira. Em cosmologia, «poeira» quer dizer partículas microscópicas compostas por muitos materiais diferentes, entre os quais carbono, oxigénio e silício. A fotografia 3 mostra uma outra imagem da Via Láctea, desta feita obtida com o telescópio de infravermelhos Diffuse InfraRed Background Explorer4 (DIRBE), que é um dos três instrumentos instalados a bordo do satélite Cosmic Background Explorer (COBE). Ao contrário da fotografia 2, a fotografia 3 utiliza luz do «infravermelho longínquo», com comprimento de onda 100 mícrons. A radiação infravermelha dá‑nos informação acerca do calor emitido pelos objectos. Nesta imagem vê‑se principalmente o calor emitido pela Via Láctea — o seu «brilho térmico». Este calor provém da poeira espalhada pela galáxia, a mesma poeira que obscurece a luz das estrelas.

 Uma galáxia típica como a Via Láctea tem uma temperatura de aproximadamente 30 K. Quer isto dizer que não é muito quente, mas ainda irradia algum calor. Fazendo uma analogia algo livre, a manifestação mais perceptível de uma lâmpada de incandescência é a luz que emite (como na fotografia 2), porém ainda muito mais energia é por ela emitida sob a forma de calor, que sentimos, mas não conseguimos ver6. Se tocar numa lâmpada de incandescência, verificará que está quente. Talvez já tenha visto fotografias de infravermelhos de habitações, que mostram por onde se escapa o calor (normalmente pelas janelas). O calor que sentimos, vindo de um corpo a temperatura elevada, é principalmente radiação infravermelha.

 Demos mais um passo rumo ao cosmos. A nossa galáxia pertence ao «Grupo Local», um agrupamento de cerca de 50 galáxias que se pode ver na figura 1.2. O Grupo Local tem uma dimensão linear de cerca de seis milhões de anos‑luz. A Via Láctea é a segunda maior galáxia do grupo, a seguir a Andrómeda, mas as dimensões das galáxias variam bastante: enquanto Andrómeda tem cerca de um bilião de estrelas, as galáxias «anãs» mais pequenas ficam‑se pelas dezenas de milhões. A Grande Nuvem de Magalhães (fotografia 3 e figura 1.2) é uma pequena galáxia vizinha que orbita em torno da Via Láctea. As escalas de distâncias associadas a galáxias que orbitam em torno de outras galáxias são já bastante grandes, mas, como o nome indica, todas estas galáxias são ainda «locais». Embora não exista definição rigorosa da escala «cosmológica», tipicamente associamo‑la a distâncias da ordem dos 25 milhões de anos‑luz. As dimensões do Grupo Local são uma pequena fracção deste valor.

 A fotografia 4 é uma imagem espantosa. Foi obtida apontando o Telescópio Espacial Hubble na mesma direcção durante quase 300 horas, de modo a conseguir detectar a luz emitida por corpos celestes pouco brilhantes. Esta imagem, conhecida por Hubble Ultra Deep Field8, é de certo modo semelhante a uma exposição fotográfica de longa duração. Os corpos celestes mais longínquos que nela se podem ver encontram‑se a milhares de milhões de anos‑luz da Terra. A área coberta é cerca de 1/60 da área da Lua cheia. Mais rigorosamente: a Lua cheia tem uma largura angular de meio grau; se esticarmos o braço, veremos o nosso dedo mindinho com o dobro dessa largura angular, ou seja, aproximadamente um grau9. Para cobrir a totalidade do céu, precisaríamos de 200 000 Luas cheias. E o que é verdadeiramente extraordinário é que só uma pequena parte dos corpos celestes que vemos nesta imagem são estrelas.

 Determinar o número de galáxias nesta imagem é fácil: basta contá‑las. Poder‑se‑ia fazê‑lo à mão, se dispuséssemos de uma imagem de elevada resolução, mas é mais fácil utilizar computadores. A equipa do Hubble Ultra Deep Field encontrou cerca de 10 000 galáxias nesta imagem, o que quer dizer que em todo o céu haverá cerca de 100 mil milhões. Atente‑se bem no seguinte: observamos que o Universo contém um número finito de galáxias de tamanho médio. Podemos, portanto, afirmar que, no Universo observável, que é a parte do Universo acessível, pelo menos em princípio, à nossa observação, existem cerca de 100 mil milhões de galáxias, cada uma delas contendo cerca de 100 mil milhões de estrelas. Que estes números sejam tão próximos, não passa de coincidência.

 Acabámos de introduzir um conceito profundo: o de «Universo observável». Fizemos, igualmente, uma afirmação profunda: o Hubble Ultra Deep Field observou essencialmente todas as galáxias semelhantes à Via Láctea que existem numa dada direcção do espaço. Por outras palavras, com o Hubble Ultra Deep Field fomos o mais longe possível no que toca a contar corpos celestes. Para compreendermos estas ideias, necessitaremos, mais adiante, de perspectivar um universo que evolui no tempo, mas, para já, iremos continuar a pensar o Universo como uma vastidão infinita e estática que podemos explorar a nosso bel‑prazer.

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