terça-feira, 28 de setembro de 2021

“ Há que desconfiar dos métodos educativos que vendem uma aprendizagem fácil e rápida”


 

Acaba de ser publicada em Espanha a obra de Catherine L’ Ecuyer “ Conversaciones con mi maestra” (Esparsa, 2021), um ensaio em forma romanceada “que analisa as principais correntes educativas e procura esclarecer dúvidas de pais, professores e políticos”.

 


 

Numa entrevista conduzida por Nacho Meneses para o jornal El País, no dia 23 de Setembro de 2021 (aqui) a propósito deste último livro, a sua autora, Catherine L’Ecuyer, uma canadiana residente em Barcelona, investigadora doutorada em Educação e Psicologia, esclarece algumas questões e ideias erradas que circulam no presente, desfaz mitos sobre o que deve ser Educar e sobre o papel da escola e dos professores.

 

À pergunta sobre o que está a mais na educação de hoje, responde:

 

Os gurus. Aqueles que se apoderam do papel de divulgador científico, buscando a pedra filosofal pelo caminho mais curto e escapando ao exame da ciência. Os gurus são os que, a coberto da indústria tecnológica, se armam em vendedores de fumaça: didáctica populista, homeopatia educativa, neuromitos, tecnomitos... São criadores de tendências educativas, como se a educação fosse fruto de umas “modas”. Como as tendências primaveris do El Corte Inglés! São sofistas e demagogos, capazes de demonizar a aula magistral através de uma comunicação magistral e de arrancar uma ovação em público.

 

 Um professor que continue a basear o seu ensino em aulas magistrais é hoje um mau professor?

 

A aula magistral não faz sentido na etapa infantil, porque as crianças aprendem através de experiências sensoriais e de relações interpessoais e ainda não desenvolveram a capacidade de abstracção que lhes permite interiorizar uma explicação longa.... A instrução directa, adaptada a cada idade, é a chave.

Porque a criança não nasce sabendo, o educador é a chave. Os métodos de descoberta são importantes porque ajudam a interiorizar o aprendido, mas sempre e quando a criança tenha uma base prévia para poder avançar numa exploração minimamente guiada. Mesmo na etapa infantil, o jogo tem de ser semiestruturado para que haja um propósito inteligente da actividade. De contrário, a educação converter-se-á no reino do acaso. No caos não se aprende.

 

— Os conhecimentos são hoje tão importantes como sempre foram, ou deram lugar ao “aprender a aprender” e ao desenvolvimento de habilidades como o pensamento crítico, a criatividade ou o trabalho em equipa?

 

Há um dilema imaginário e mal colocado entre a educação “nova” e a “tradicional”. Todas essas habilidades são importantes, mas pergunta-se: pode-se pensar de forma crítica sem critérios nem certezas? Podemos ter critérios e certezas sem conhecimentos? Pode criar-se do nada? Pode-se partilhar conhecimentos sobre um tema num grupo no qual cada um dos membros não tem conhecimentos prévios sobre o assunto? Para investigar sobre um assunto é necessário um marco conceptual, um guia de trabalho.

 

 “aprender a aprender” aula invertida...não são tendências novas. A Educação Nova nasce no século XIX, como reacção à educação antiga que associava o bem com a imobilidade e o mal com movimento; assim a Educação Nova defendia a importância do movimento para que a aprendizagem seja activa; o problema dessa proposta é que não contempla a actividade interna, fruto da atenção e da concentração... é uma corrente que assenta como uma luva à indústria tecnológica.

Quando sobreestimulamos uma criança com montagens tecnológicas e com estímulos estridentes, entorpecemos o seu desejo de aprender e interferimos nele. Aprender é um processo lento e complexo: desconfiem de todos os métodos que vendem aprendizagem “fácil e rápida”

 

A política deve estar ao serviço da educação, não a educação ao serviço do projecto político do momento.

 

— Qual deve ser a prioridade da escola?

 

A escola e a universidade não podem reduzir-se a agências de preparação técnica e de colocação para o mundo do trabalho. Não podemos reduzir a educação a um adestramento em competências técnicas com o único fim de melhorar os indicadores de empregabilidade. As escolas e as universidades são templos do saber; nelas nos formamos como pessoas, aprendemos de onde viemos e compreendemos melhor a origem das leis do mundo em que vivemos. Aprendemos a pensar por nós mesmos, a apreciar a dimensão estética, a beleza... Aprendemos a ser. O verdadeiro valor do conhecimento não reside só na sua mera utilidade.

 

Cassilda (personagem do diálogo no livro) fala também de leitura. Perdeu-se hoje o hábito de fomentar a leitura desde os mais pequenos? 

 

Hoje opta-se pelo audiovisual em vez da leitura, assumindo a ideia de que a literatura é algo fastidioso e aborrecido. Assume-se que as crianças não são capazes de aspirar a mais, não contam com o desejo de conhecer, não desfrutam do que lêem. Mas perante o formato audiovisual, a mente da criança vai a reboque dos estímulos. Essa ideia é uma sentença de morte para os alunos culturalmente mais necessitados, que pertencem a famílias desfavorecidas nas quais há poucos livros, poucas conversas à mesa, poucas oportunidades... Nivelar por baixo não ajuda a alcançar a igualdade, pelo contrário, contribui para aumentar ainda mais o desnível cultural, social e económico.

 

A leitura ajuda a recuperar o prazer da concentração, que só é possível na intimidade, na quietude e na calma. A aprendizagem não se dá num ambiente de ruído, requer sossego e silêncio. Lemos ao nosso ritmo, modulando a velocidade, interiorizamos e compreendemos por nós mesmos. Isso é distinto da informação descomedida e nervosa que nos bombardeia, nos enfraquece e nos converte em presas irreflectidas.

 

Nesta obra, “Conversaciones con mi maestra”, explico quais as correntes educativas que existiram ao longo da história, como condicionam os métodos que se usam actualmente nas aulas e por que razão o principal factor da escolha de um colégio deve ser a sua filosofia educativa. A educação nunca é neutra.

3 comentários:

Rui Ferreira disse...

Assertividade e lucidez.
Muito bom o artigo.

Carlos Ricardo Soares disse...

A escola, tal como a conheço, era uma circunstância odiosa, tal como a catequese e a igreja, ainda que (ou mais ainda) a criança fosse promovida a estrela da companhia.
De tal modo colocava as crianças perante as suas incapacidades, dificuldades, limitações, mas sempre contracenadas com figurinos histriónicos elevados à categoria de exemplo e prova de que é possível, os outros conseguem, tu não.
O outro era, e continua a ser, a marca inatingível. Há sempre outros. Há sempre os melhores, que são os outros. E, por alguma razão, há sempre quem ache isto bem. O limite é Deus. Não existe, nunca existirá, porque Deus ficava estragado se fosse limitado.
Não existe limite quando o outro é o limite ao devolver que limite tem um nome “tu”, tu és o limite, o limite és tu.
E então, a escola, a catequese, a igreja, os modelos de pensamento, de organização social, de produção, de educação, de ensino, de justiça, de beleza, de santidade, de virtude, enfim, de valor, de sucesso, de realização, operam sobre a criança e exercem uma força que será tanto mais fantasmagórica e ilusória quanto mais ela se aperceber de que a realidade, a sua experiência, os seus sentidos, tendem a refutar as ideias de que é possível ou desejável que corresponda a algum modelo, ou personagem, que tampouco está gizado, que tampouco existe, que tampouco interessa, que nem sequer é humanamente razoável… E começa a perceber que, tal como as histórias da carochinha, é tudo um faz de conta. Há crianças que vivem num mundo faz de conta mais interessante, em que elas próprias fazem de conta e dão-se bem com isso. Outras nem tanto. E outras não. O faz de conta não é igual para as bruxas e para as criancinhas.
Depois, o faz de conta, que conta, e de que maneira, continua a ser um jogo que dificilmente o jovem recusará jogar, mesmo que saiba que é viciado e vai perder. Se sabe que vai ganhar, mesmo sabendo que é viciado, joga, porque não pode deixar de o fazer.
A ideia de que o que importa é participar não é ganhar, é bem verdadeira, porque quem ganha não se importa, quem perde é que tem de se importar.
Mesmo no desporto, o espírito desportivo está ao serviço de um resultado, de tal modo que não tens de saber jogar, ou de jogar bem, ou de jogar melhor, se souberes alcançar o resultado. E se não for o resultado do jogo, daquele jogo, que seja o resultado do teu jogo, no qual aquele é apenas um episódio, como uma manobra para despistar o adversário.
Mais tarde, já adultos, talvez peões de jogos cada vez mais complexos, talvez sonhando, ainda, quixotescamente, serão tanto mais a realização daquilo que para eles o ensino e a educação preparou, quanto menos tiverem a noção daquilo em que se tornaram.
Quanto aos gurus, se fossem árbitros do jogo, talvez alterassem as regras, mas a viciação não, até porque faz parte do jogo e não respeitar as regras também é batota.

Anónimo disse...

"De contrário, a educação converter-se-á no reino do azar." Partindo do princípio de que esta frase resulta de uma tradução das palavras originais de Catherine L’ Ecuyer, em fracês, faria mais sentido escrever "De contrário, a educação converter-se-á no reino do acaso."
Eu sou do tempo em que no liceu se ensinava Português, Francês, Matemática, Filosofia, Física, História e mais meia dúzia de disciplinas em que se aprendia muito sobre o Homem e o mundo.
Atualmente, a maioria dos professores, bem, ou mal, esclarecidos, por alguns poucos cientistas da educação que trabalham a soldo de organizações internacionais, como a OCDE, entendem que se os alunos aprenderem a aprender não precisam de saber mais nada.
Eu acho que estão redondamente enganados!

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