Texto do Professor A. Galopim de Carvalho
Uma filosofia que bem nos podia ajudar nos difíceis tempos que estamos a viver, numa conversa ficcionada com o Presidente Teófilo Braga.
Foi no Alto de São Bento, em Évora, uma colina essencialmente granítica,
que a Autarquia está a valorizar como um núcleo museológico, envolvendo áreas
do conhecimento que vão da Geologia à Etnografia, passando pela Arqueologia e
pela História.
O dia começara ameno. Não havia ninguém por perto, nem vento, e o silêncio
só era quebrado aqui e ali pelo cantar de um passarinho.
Eu estava a ultimar a observação da superfície rochosa do topo deste
pequeno relevo, onde no passado, um conjunto de moinhos de vento transformou
trigo em farinha.
Fora a diversidade de elementos de natureza geológica, geomorfológica,
petrográfica e mineralógica que me tinham levado a propor, à Autarquia, a
musealização do local como um geossítio com interesse pedagógico e,
eventualmente, turístico, a valorizar em conjunto com as valências citadas
atrás.
Foi aqui que, sentado numa pedra, junto a um dos moinhos em ruínas, vi um
idoso de cabelos brancos, barbicha no queixo e bigode igualmente brancos.
Vestia uma roupa ao estilo de começos do século XX e o seu porte era distinto.
- Não me conheceis. – Disse, quando me aproximei. Sou uma simples aparição,
como se fosse um holograma. Sou a memória do que fui em vida. Fiquei conhecido
por Teófilo Braga, mas o meu nome completo era Joaquim Teófilo Fernandes Braga.
Nasci em Ponta Delgada, a 24 de Fevereiro de 1843, e faleci em Lisboa, a 28 de
Janeiro de 1924, aos 81 anos.
- Não. Sinceramente, não vos reconheci. Sei que fostes Presidente da
República no período perturbado que se seguiu à queda da monarquia e,
sobretudo, que fostes um intelectual de reconhecido mérito. A história recente
de Portugal lembra-vos como um positivista.
- É verdade que em todas as minhas preocupações literárias, filosóficas e
políticas mostrei ser um positivista, na estricta linha de Auguste Comte o,
para mim, grande filósofo francês, da primeira metade do século XIX. Como ele,
acredito, sem qualquer sombra de dúvida, que o conhecimento científico é a
única forma de conhecimento verdadeiro e, também como ele, rejeito liminarmente
o sobrenatural e todo o tipo de crenças religiosas, crendices, mitos e lendas.
O positivismo de Comte tem por base a realidade do mundo físico e a
experimentação. Além disso, acrescenta-lhe uma componente ética, social e
política. É este, pois, o meu positivismo.
- Posso dizer que o positivismo é, à partida, uma forma de materialismo?
- Sim, mas é mais do que isso. O materialismo advoga que todas as coisas
são feitas de matéria e que todos os fenómenos são o resultado de interações
materiais. O termo foi criado em começos do século XVIII, pelo filósofo alemão
Gottfried Leibniz, mas a origem desta ideia é bem mais antiga. Temos de ir
buscá-la aos filósofos gregos pré-socráticos, do século V a. C., Leucipo de
Mileto e Demócrito de Abdera. Está mais próximo do Empirismo ou
experimentalismo do franciscano Roger Bacon, o filósofo e alquimista inglês, do
século XIII, lembrado como o “Doctor Mirabilis”. O positivismo de Comte é para
mim e acima de tudo, uma doutrina filosófica, sociológica e política e foi com
esta que, desde muito cedo, me identifiquei e que orientou toda a minha acção como
homem e como político.
- Eu também rejeito liminarmente o sobrenatural é por isso que a vossa
aparição, assim, como num sonho, contraria tudo o que penso sobre o mundo que
me rodeia.
- Podemos partir da ideia de que somos protagonistas de um sonho que a
ficção consente, dando-me voz. Um sonho onde encarno a memória do que fui em
vida e que, em parte, pode ser lida na história recente de Portugal.
- Daquilo que retive da disciplina de Filosofia, do Professor Piedade
Morais, no meu 7º ano do Liceu, Auguste Comte foi também um matemático, mas que
foi como filósofo que ganhou desenvolvimento e seguidores na Europa, na segunda
metade do século XIX e começo do XX. Mas desculpai a interrupção, senhor
Presidente. Queira continuar.
- Conhecedor das crises social e moral de finais da Idade Média e perante o
desabrochar da sociedade industrial, Comte partiu do Iluminismo e dos ideais da
Revolução francesa e desenvolveu-os numa vertente essencialmente sociológica,
em que associou conhecimento científico e ética, com radical afastamento de
preocupações teológicas e metafísicas .
- A evolução do pensamento, seja ele científico ou filosófico é como uma
escada. De um degrau se sobe a outro e é assim até onde se queira.
- Exacto. Para não ir mais longe na nossa procura, partamos do degrau do
iluminismo que, como sabemos, tem abaixo deles muitos outros. Entre os mais
próximos lembremos, no século XVII, o pensamento racionalista do francês René
Descartes, o criticismo bíblico do holandês, nascido de uma família de judeus
portugueses, Bento Espinoza, o materialismo do filósofo e matemático alemão
Gottfried Leibniz e da abertura ao método científico moderno, protagonizado por
Galileu Galilei, em Itália, e por Isac Newton, em Inglaterra. Valia a pena
desenvolver, não só cada uma destas contribuições filosóficas e científicas,
como muitas outras que as antecederam. Podemos deixá-las para uma próxima
conversa.
- Parece-me uma boa ideia, mas, voltando ao iluminismo, julgo saber, senhor
Presidente, que começou por ser um movimento, a um tempo, filosófico, social,
político, económico, científico e cultural de uma elite intelectual europeia do
século XVIII.
- Sim, um movimento que, diga-se, saiu dos salões para a rua e que
“explodiu” com a Revolução Francesa, quanto a mim, um dos acontecimentos mais
importantes da História da humanidade. Retornando agora ao nosso tema inicial,
estou convicto que o conhecimento científico é a única forma de conhecer a
verdade do mundo real. E daí a minha preocupação, como cidadão e como político,
pela instrução pública. No meu tempo falava-se, e bem, em Ministério da
Instrução, um nome bem mais consentâneo com a realidade, do que o actual
Ministério da Educação, triste reminiscência do defunto Estado Novo. A educação
começa e continua em casa. A escola foi feita para ensinar ou instruir. Pode
participar na educação, mas a sua função primeira é ensinar.
- Quer Auguste Comte, quer o filósofo inglês de Stuart Mill, um pouco mais
recente, só aceitavam uma teoria como verdadeira se ela fosse comprovada
através de métodos científicos válidos, onde a experiência está sempre
presente. Poderemos, então, dizer que esta afirmação podia ser atribuída a
Roger Bacon, o alquimista inglês atrás referido?
- Convenhamos que sim. É, com efeito, uma afirmação que pressupõe o primado
do experimentalismo.
- Ou seja, o empirismo baconiano transportado para os acuais laboratórios
científicos.
- Exacto. As crenças, superstição ou quaisquer outras ideias que não possam
ser comprovadas cientificamente, são radicalmente excluídas do pensamento
positivista. O positivista observa a realidade material, ou seja, o mundo
físico e, com base na experiência sensível e nos dados concretos obtidos,
produz conhecimento científico. A subjectividade não tem aqui qualquer lugar.
- É, afinal, o que se passa hoje com a investigação científica.
- Como positivista, sempre acreditei que o progresso da sociedade humana
depende exclusivamente dos avanços científicos que for conseguindo.
- É nessa media que os países mais desenvolvidos são aqueles que mais
apoiaram a investigação científica.
- Acrescentarei, por último, que o positivismo foi a recusa absoluta ao
idealismo transcendental do filósofo alemão do século XVIII, Immanuel Kant.
Afastou-se do romantismo, surgido na mesma época, cuja visão do mundo era
contrária ao racionalismo e ao iluminismo.. Substituiu o culto a Deus pelo
culto à ciência, o mundo espiritual pelo mundo humano, o espírito pela matéria.
- Sei que sois citado como filósofo.
- Digamos que sim. De facto, escrevi bastante sobre filosofia, fortemente
influenciada pelo positivismo, sobretudo, quando já a residir em Lisboa.
Cheguei, mesmo, a fundar, em 1878, e dirigir, com o meu cunhado Júlio de Matos
a revista “O Positivismo”.
- O positivismo a que vos referis é, certamente, o de Auguste Comte. Digo
isto, porque há outros.
- Há outros, de facto, mas nada têm a ver com o original. Só conservam o
nome mas referem outras correntes de pensamento. Estou a lembrar-me do
positivismo jurídico, do filósofo e político austríaco Hans Kelsen, e do
positivismo lógico do “Wiener Kreis” (Círculo de Viena ).
- Lembro-me que há uma componente mística no positivismo de Comte que o
tempo já me varreu da memória,.
- Há e bem definida. Vale a pena determo-nos um pouco neste verdadeiramente
interessante da sua filosofia. Para ele, as religiões em geral, as que
conhecemos e muitas outras, eram apenas formas provisórias da única e
verdadeira – a “Religião da Humanidade” - ligada a um novo conceito, o do “Ser
Supremo”, entendido como sendo a Humanidade no seu todo, que alguns referem por
“Grão Ser” dos positivistas. Comte aceitava-a e defendia-a como sendo a
religião positiva e caracterizava-a, não pelo sobrenatural implícito na ideia
clássica de Deus, mas sim pela busca da unidade moral entre os homens.
- Quer isso dizer que tem um fundamento ético apreciável?
- Certamente e é esse o aspecto mais positivo do positivismo. Esta religião
tem, de facto, como primeiro objectivo, a regeneração social e moral da humanidade,
servindo-se da verdade científica para o estabelecimento da referida unidade.
Assim como a Religião Cristã está fundamentada nas sagradas escrituras, a
Religião da Humanidade tem por base a ciência e envolve o conjunto dos seres de
todas as gerações, passadas, presentes e futuras, que contribuíram, contribuem
e contribuirão para o desenvolvimento e aperfeiçoamento humano.
- Sei que devemos a Comte a palavra "altruísmo".
- É uma só palavra mas que resume o ideal da religião positivista, uma
religião do “amor”, a “ordem” e do “progresso" e que tem por preceitos
viver às claras, na transparência e para os outros.
- Podemos concluir que fostes um positivista activo, introdutor dessa
corrente filosófica em Portugal?
– Sem dúvida e isso deu-me imensa força em momentos difíceis da minha vida.
Quando, em 1880, no interior do Partido Republicano e em colaboração com
Ramalho Ortigão, organizei as comemorações do Tricentenário de Camões, tive em
mente substituir o culto a Deus e aos santos pelo culto aos grandes Homens.
- Mas não vos ficastes pela filosofia?!
- Também escrevi bastante sobre sociologia e política. Interessei-me por
diversos ramos da história e pela etnografia, com recolhas de contos e canções
tradicionais. Experimentei, ainda, a ficção, o ensaio e a poesia.
- O meu pai tinha “Os Contos Tradicionais do Povo Português” e “O Povo
Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições”.
- O primeiro desses estudos saiu em 1883 e o segundo, dois anos depois.
- É verdade que haveis tido ideia de seguir uma via religiosa?
- Diga-se que, tocado pela religiosidade retrógrada açoriana, vim para o
continente com o propósito de cursar Teologia e enveredar por uma carreira
eclesiástica. Mas, uma vez em Coimbra, onde terminei o Liceu, matriculei-me em
Direito e foi então que descobri e me deixei invadir pelo positivismo,
filosofia que, como já disse, orientou toda a minha visão ética da sociedade,
como homem e como político.
- Mas o vosso percurso acabou por ser outro.
- Fui bom aluno, brilhante, no dizer dos meus professores, e quando, em
1867, terminei o curso, fui encorajado por eles a doutorar-me, o que fiz no ano
seguinte, com a tese “História do Direito Português - Os Forais. Tentei a
carreira docente, mas apontado como militante pela causa republicana e, como
tal, “persona non grata”, fui excluído nas minhas candidaturas para professor
da cadeira de Direito Comercial, na Academia Politécnica do Porto, em 1868, e
para lente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 1871.
- Foi a partir daí que vos haveis fixado em Lisboa, onde exercestes
advocacia.
- Já em Lisboa e em 1871, fui um dos doze signatários do programa das
Conferências Democráticas do Casino Lisbonense.
- E fostes, finalmente, professor universitário.
- Em 1872 candidatei-me e consegui o lugar de lente da cadeira de
Literaturas Modernas do Curso Superior de Letras, de Lisboa. Nesse concurso,
lembro-me, foram preteridos o Manuel Pinheiro Chagas e o Luciano Cordeiro.
- Julgo saber que o pensamento de Comte foi decisivo não só na vossa obra filosófica
e literária, como fez de vós figura grada dentro do Partido Republicano
Português e um dos mais destacados doutrinadores do republicanismo.
- É o que diz a História e corresponde à verdade. Nesta minha situação de
simples memória do que fui, sou o melhor juiz do que fiz em vida. Posso, pois,
sem modéstias nem vaidades, dizer isso mesmo. No Congresso do Partido, de 11 de
Janeiro de 1891, fui um dos subscritores do Manifesto e Programa ali
apresentado. Na minha opinião, na de Manuel de Arriaga, Homem Cristo e de
outros, a nossa acção política não visou nunca a revolta. Mas isso acabou por
acontecer, por vontade de uma maioria que nos ultrapassou. Não chegou a um mês
depois, estalou a “Revolta de 31 de Janeiro”.
- Foi a primeira das três revoltas republicanas contra a monarquia
constitucional?
- Sim, as outras foram o ”Golpe do Elevador da Biblioteca”, em 1908, e o “5
de Outubro”, em 1910.
- Tenho também a ideia que fostes e que chegastes a ser deputado.
- Exacto. Fui-o às Cortes da Monarquia Constitucional Portuguesa, em 1878,
integrado nas listas do meu partido.
- A vossa colaboração em periódicos foi intensa e começou cedo.
- Quando ainda nos Açores, fui redactor do jornal “A Ilha”, de Ponta
Delgada, e colaborei com outros periódicos da ilha de São Miguel, entre os
quais os “O Meteoro” e ”O Santelmo”. Já no continente e a partir de 1880,
passei a colaborar com a revista “Era Nova”, de que fui diretor. Depois, foi um
nunca mais acabar, ao longo da vida, num sem número de jornais e revistas. De
entre elas, merece referência a “Revista de Estudos Livres” (1883-1886), onde
colaborei em parceria com Teixeira Bastos, um meu antigo aluno no Curso
Superior de Letras, que foi um dos principais divulgadores do positivismo em
Portugal.
- É verdade que antes de serdes Presidente da República, fostes deputado à
Cortes monárquicas ?
- É verdade. Em 1 de Janeiro de 1910, eu era membro efectivo do directório
político do PRP, ao lado de outros camaradas, e a 28 de Agosto desse mesmo ano
fui, de facto, eleito deputado republicano, por Lisboa, às ditas Cortes, mas
não cheguei a exercer essa função porque, não chegou a dois meses, o “5 de
Outubro” pôs fim à monarquia, e fez nascer a República Portuguesa.
- E logo aí, assumistes as elevadas funções de um verdadeiro Chefe de
Estado?!
- Sim, mas não como Presidente da República. Logo no dia seguinte, a 6 de
Outubro, fui nomeado presidente do Governo Provisório da República Portuguesa.
O cargo de primeiro Presidente da República Portuguesa coube ao Dr. Manuel de
Arriaga, eleito a 24 de Agosto de 1911.
- Foi então que chegastes a Presidente da República.
- Nunca esperei que isso me acontecesse. Digamos que dei por mim, como tal,
aos 72 anos.
- Mar por muito pouco tempo.
- Foi um mandato de apenas quatro meses, de Maio a Outubro de 1915, logo
substituído por Bernardino Machado. Quando Manuel de Arriaga, ao cumprir quatro
anos de mandato, foi obrigado a resignar, na sequência da Revolta de 14 de Maio
de 1915, acabei por ser eleito, pelo Congresso da República, duas semanas depois
desse levantamento, mas, esclareça-se, como um presidente de transição.
- Não foi fácil o vosso mandato!?.
- Curto, mas cheio de problemas. Tudo concorreu para o dificultar, em
especial a instabilidade política. Estávamos a aprender a viver em república e
em democracia. Por outro lado, eu era um homem marcado pela viuvez, desde 1911,
e pela perda dos três filhos. A verdade é que o exercício das funções
presidenciais não estava na minha maneira de ser. Recusei ostentações e honras
desnecessárias. Andei na rua como toda a gente, de bengala na mão ou com o
guarda-chuva no braço e, como qualquer pessoa, usei o eléctrico como meio de
transporte urbano.
- É publico que, findo o mandato, vos haveis afastado definitivamente da
vida política.
- Sim. Foi logo que me libertei das responsabilidades da Presidência.
Afastei-me deliberadamente da sociedade e tornei-me, então, um homem solitário.
Dediquei-me obcessivamente à escrita e só parei no dia em que, sozinho, no meu
gabinete de trabalho, a 28 de Janeiro de 1924, disse adeus a este mundo, em que
não fui feliz. Até houve quem me considerasse um misógino.
- O reconhecimento pela vossa obra está patente na decisão de vos sepultar
no Panteão Nacional, na Igreja de Santa Engrácia.
- Decisão, diga-se, tomada por um governo que não tinha grande estima pelos
republicanos. Desde o meu falecimento, até 1966, o meu corpo repousou na Sala
do Capítulo do Mosteiro dos Jerónimos. Só então, nesse ano de 1966, se
procedeu, contra o meu gosto, à transladação solene, precisamente, no dia 5 de
Dezembro. Como positivista e homem simples que fui, dispensava esse tipo de
manifestações
- Antes do euro, como moeda oficial, tivemos uma nota de mil escudos com a
vossa imagem.
- Foi impressa em 1983. Diga-se que esta homenagem e essa outra do panteão, revelam-me, contudo, que a memória que vos deixei, não se apagou com as mudanças de regimes, o que não me envaidece, mas muito me honra.
A. Galopim de Carvalho
1 comentário:
O filosofar é uma actividade severamente ameaçada por se desenvolver mediante um discurso cuja linguagem não nos pertence senão na medida em que a utilizarmos e não nos serve senão na medida em que a dominarmos na medida em que os nossos interlocutores a dominarem. Se juntarmos a isto o problema de, ao filosofar, o discurso filosófico ser o objecto do filosofar, porque não se trata de filosofar senão sobre ideias, ou conceitos, ou imagens, cujos contornos e conteúdos é impossível estabelecer, o que retira a esperança de duas pessoas, ao filosofarem uma com a outra, terem a mínima segurança ou certeza de estarem a pensar a mesma coisa ou algo bastante parecido, há motivos para pensar, como parece que Comte pensava, que há que ser positivo, no sentido de adoptar uma atitude construtiva com base na utilidade e no valor daquilo que pode promover a humanidade como aposta ganha.
A proposta dele partiu dessa necessidade de ordem e progresso social e que ele acreditava ser possível apenas através da religião. A experiência da Revolução francesa, que Comte vivera de perto, era a prova de que a igreja católica não tinha conseguido mobilizar a sociedade e menos ainda a Humanidade, em torno de um valor supremo que não ela própria. Deus não era suficientemente apelativo, nem suficientemente convincente para ser afectivamente adoptado como bem supremo.
Comte, talvez acreditando que o que move as pessoas são os afectos e as necessidades que geram solidariedades em torno de interesses e objectivos colectivos e individuais, elaborou um catecismo com a doutrina de uma religião universal que, no lugar de Deus, teria o amor por princípio, a ordem como base e o progresso por finalidade. Essa seria a forma de alicerçar a construção da sociedade humana ideal.
A unanimidade seria obtida por efeito da verdade da ciência, que teria como sacerdotes os cientistas e cujo carácter experimental e verificabilidade não estariam sujeitas a refutação.
As ramificações, os desenvolvimentos, as interpretações, as versões e os sucedâneos desta ideia de positivismo (por oposição a negativismo-que afirma a impossibilidade de conhecer o ser), foram inúmeras e tiveram aplicações adaptadas em regimes políticos autoritários concretos.
Entrevejo algum paralelismo entre a situação histórica de desordem vivida por Comte, a vivida pelos filósofos Sócrates e Platão e o tipo de resposta que deram ao problema de, sendo filósofos, o que sabiam e podiam fazer face à violência e às guerras.
Sócrates, não tinha escola, não tinha nada para ensinar “só sei que nada sei” e a sua posição era, digamos, “negativa”. Contestava os outros, porque só tinham opiniões e porque ter opiniões não é saber., mas ficava por aí, não sabia mais. Platão não aceitava esta saída e entendia que a filosofia “tinha a obrigação” de fazer mais. Esta posição era, digamos, positiva, no sentido que me parece ser o de positivismo de Comte.
Enviar um comentário