segunda-feira, 5 de outubro de 2020

OS DITADORZINHOS




“A justiça é a virtude primeira das instituições sociais”
(John Rawls, professor de filosofia política, 1921-2002).

Começo a ter dificuldade em destrinçar a esquerda e a direita em Portugal em que são tidos como progressistas os que mentem em nome  do povo e fascistas os que falam em nome da verdade.

Numa análise digna de registo, Maria José Morgado, procuradora-geral adjunta do Tribunal da Relação de Lisboa, diz-nos que “no país perdeu-se um bocado o sentido de ser de esquerda ou de direita tendo fazer mais sentido ser honesto. Defender interesses de transparência e integridade que às vezes não têm a ver ser de esquerda ou de direita". E prossegue, "haver gente de esquerda que não tem princípios de  integridade e transparência e gente de direita que tem”.

De forma aleatória, sem fazer uma análise actualizada da acção dos diversos partidos políticos nos diversos momentos da vida nacional, votantes há que se limitam a colocar uma cruzinha  no quadrado do respectivo boletim de voto. Já é altura do cidadão, que Charles Dikens  nos disse "ser o homem um animal de hábitos" que, em acrescento meu, cria raízes, fazer uma reflexão  (toda a reflexão deve libertar-se de paixões que a possam deturpar ) sobre  esta notícia que pela sua extensão transcrevo parcialmente (Lusa Jornal, 03/10/2020):

“Vitor Caldeira fez vários pedidos de audiência a S. Bento, mas o primeiro-ministro não lhe respondeu.

Assim, para além da falta do princípio de civismo e de simples educação em responder a quem nos escreve, existe, passo a citar, o “desrespeito pelo presidente do Tribunal de Contas e da própria instituição” e “falta de cortesia” para com o actual titular do cargo, por este este ter exercido o cargo  de “forma isenta e tecnicamente irrepreensível” e, apesar disso, não ter sido reconduzido, mas despedido com um simples telefonema de António Costa.

De facto, como o SOL, apurou, foi pelo telefone que o primeiro-ministro e líder do PS comunicou ao presidente do Tribunal de Contas que os socialistas não iriam avalisar ao seu nome para novo mandato no Parlamento.

Como adianta a referida notícia, “o que é certo é que o Tribunal de Contas arrancou este ano com auditorias arrasadoras para o poder Central e Local que fizeram correr tinta. Com esta situação, o verniz estalou entre a entidade liderada por Vitor Caldeira e o Governo.

O SOL apurou, igualmente, que Vítor Caldeira enviou vários pedidos a S. Bento para ser recebido em audiência formal pelo primeiro-ministro, mas nunca obteve resposta positiva, etc., etc."

Mas tanto basta para ficarmos cientes de que a metodologia utilizada para esta estranha situação ultrapassa os limites do despedimento de qualquer funcionário público ou mesmo simples empregada  doméstica que estão a coberto de serem postos na rua com um simples telefonema.

Como cereja em cima do bolo, em publicação nas redes sociais,  confirmada pelo polígrafo, ressalta o facto de uma deselegância rancorosa de um "deputado do PS chamar mentecaptos a juízes do Tribunal de Contas". Este deputado  de sua graça, Ascenso Simões, julgará, arregaçando as mangas em atitude provocatória, dar lições de civismo que não cumpre minimamente?

E é tanto mais estranho num país em que se distribuem  condecorações e louvores a tantos medíocres que curvam a cerviz aos seus superiores de quem esperam favores. Mas já nada me espanta, outrossim,  num país em que ao forte é permitido  fazer o que quer e ao fraco exigido o que, despoticamente, lhe mandam fazer. Como eu escrevi em tempos baseado na minha experiência de vida, quem faz o que lhe manda o partido é progressista quem faz o que lhe manda a consciência é reacionário!

Tendo em mente a previsão dos quatro cavaleiros do Apocalipse, anunciando a peste, a guerra, a fome e a morte, hoje encavalitadas na garupa do corona vírus  com o freio nos dentes, não deverá este estado de coisas servir de motivo, “per se”, para que os votos não sejam depositados nas urnas  como uma coisa que se cumpre levianamente?  A perigosidade do mundo actual exige do acto democrático votar após uma reflexão demorada não já  apenas de sobrevivência nacional, mas planetária!

Não deixemos para  amanhã o que deve se feito hoje porque amanhã pode ser tarde. Como dizia um dos nossos companheiros de café do meu tempo de rapaz, filho de um construtor civil de grandes cabedais e escassos estudos e ele igualmente, que gostava de falar difícil perante uma assistência de estudante de ensino superior avisando-os, ainda que na procura das coisas mais corriqueiras a decidir  que o tempo “ruge”!

Ou seja, o tempo não “ruge”, mas urge, isso sim, em votar em plena consciência para evitar arrependimentos futuros cujos reflexos incidem sobre o votante de cabeça ao vento levando-o a chorar, mais tarde, sobre o leite por por ele próprio derramado ainda que mesmo em poucas gotas. Saiba ele assumir a sua responsabilidade não a atirando para cima das costas dos outros!

2 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Parece acentuar-se a tendência para pensarmos em abstracto, em detrimento do pensamento das condições concretas da vida e isso pode esvaziar a linguagem, reduzindo-a a jogos inconsequentes de palavras, quando a carne dos interesses é, e não pode deixar de ser, determinante, tanto mais que o império da razão e o império dos valores se miram num espelho de juízos que nem todos conhecem, pelo menos para lá do egoísmo.
Qualquer pessoa normal está dotada da capacidade de fazer juízos de valor, estéticos, éticos, morais, com base numa educação, formação, que todos, de algum modo têm.
O mesmo não acontece com juízos de carácter científico, juízos de ciência, nem com juízos de verdadeiro falso. Estes requerem o domínio de algumas técnicas de pensamento reflexivo intencionalmente dirigido e controlado, que são menos espontâneas e, quanto mais deliberadas, melhor.
Se se pode viver à margem destas tarefas e destas preocupações “científicas”, já estas não deixam de estar no mercado dos valores, que é ou tende a ser “totalizante”, no sentido em que tudo, antes de mais, tem um valor.
Assim, o universo dos valores, inclui a própria razão e as leis da razão. Mas haverá alguma forma de primazia do valor relativamente à razão? Ou vice-versa? Haverá algo que o indivíduo (à luz da razão) julgue, ou deva julgar (são duas situações distintas) um valor, ainda que prejudicial, desvantajoso para si? Qual é, em suma, o critério da razão e o critério do valor? Razoável é o valor, ou o valor é o razoável? Qual tem sido a demanda dos humanos? A razão ou o valor? Mas o que é a razão senão juízo de valor? Haverá algo (de juízo científico) que seja contra o interesse humano?
Por ex., temos todas as razões para sermos bons? Ou para não sermos maus?
Há um problema quando se tem razão para ser mau.
E um problema maior quando se é mau.
Atualmente, parece-me que há mais pessoas empenhadas em coleccionar razões para serem más do que em procurar razões para o não serem. Já nem falo em procurarem razões para serem boas.
O espectro partidário das forças políticas, a meu ver, é um espectro de hordas que continuam a acreditar na posição dominante para disciplinar o “mercado de valores”.
Mas a democracia não pode estar sujeita a isto e tem de, ela própria, exigir o respeito intransigível da razão como critério dos valores.

Rui Baptista disse...

Obrigado pelo seu comentário que me obrigou a momentos de reflexão que a corrida vertiginosa do tempo subalterniza. Esta é uma ocasião para que essa reflexão assuma o seu verdadeiro e exigente papel."Alea jacta est"!

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