Meu texto de apresentação sumária do livro no último "As Artes entre as Letras"
Tive a honra de me juntar
aos historiadores José Eduardo Franco (Universidade Aberta) e José Pedro Paiva
(Universidade de Coimbra) na coordenação do volume intitulado História
Global de Portugal, que acaba de ser publicado pela Temas e Debates (edição
de livraria em capa mole) e pelo Círculo de Leitores (edição de clube do livro
em capa dura, que está agora em distribuição para os membros do Círculo memso preço do livro de capa mole). O volume, 662 páginas, que adoptou como modelo o volume Histoire
Mondial de la France (Seueil, 2017), coordenado pelo historiador
francês Patrick Boucheron, é constituído por cerca de cem artigos de autores nacionais e
internacionais que têm como título uma data e um evento significativo da nossa
história que tenha a ver com trocas relevantes entre Portugal e o mundo.
O livro está dividido,
para maior facilidade de organização e consulta, em grandes capítulos que foram
coordenados por historiadores que são especialistas em determinadas épocas
históricas: João Luís Cardoso (Pré-história e Proto-história). Carlos Fabião (Antiguidade),
Bernardo Vasconcelos e Sousa (Idade Média), Cátia Antunes (Época Moderna) e
António Costa Pinto (Época Contemporânea). O trabalho resultou de um projecto
que foi apoiado por mecenas como a Fundação Eng. António Almeida (Porto), o Montepio
Geral e a Navigator Company (Lisboa), para além das instituições como a Fundação
para a Ciência e a Tecnologia - FCT que normalmente apoiam a investigação
científica.
O livro segue a tendência
contemporânea na historiografia da história global. Esta é uma recente abordagem que analisa acontecimentos e
processos históricos enquadrando-os em contextos globais. As histórias
nacionais (ou regionais) são então tecidas a partir de jogos de conexão e
interação no quadro da vasta comunidade humana. Em particular, Portugal – ou
melhor o território da Europa que hoje se chama Portugal – sempre foi um sítio
de cruzamentos vários: por exemplo, na Pré-história entre os Neanderthal e os Homo
Sapiens, os dois vindos de outros sítios do mundo, na Idade Média entre
árabes e cristãos, com os árabes vindos do Médio Oriente e os cristãos do Norte
e Centro da Europa e, na Idade Moderna, entre povos europeus e os povos de Africa,
América e Ásia, no tempo dito da “expansão marítima” que mais não foi do que um
período de cruzamento de civilizações, e na Época Contemporânea entre os
emigrantes lusos e os povos que os acolherem.
Alguns dos artigos do livro são, na Pré-História e Proto-História, “5500-4500 -. A difusão da agricultura e dos animais domésticos”, de António Faustino Carvalho; na Antiguidade, “16-15 a.C. - A fundação da província romana da Lusitânia”, de Catarina Viegas; na Idade Média, “1140 - D. Afonso Henriques, portugalensium rex, filho de Teresa de Leão e de Henrique da Borgonha”, de António Resende de Oliveira e Bernardo Vasconcelos e Sousa; na Época Moderna, “1519 – Fernão de Magalhães e a primeira viagem em volta do mundo”, de Rui Manuel Loureiro; e, na Época Contemporânea, ”1934 - O bacalhau: nexos globais de um mito nacional”, de Álvaro Garrido.
Para se perceber o que é a história global, um assusto tornado actual no mundo globalizado em que vivemos hoje, vale a pena transcrever um excerto da Introdução Geral, que é assinado pelos três coordenadores:
“Fazer história
global, portanto, não significa desvalorizar um sólido conhecimento do local e do factual nem deixar de reconhecer
que é a esta escala, não esquecendo a atuação dos indivíduos, e neste tipo de contexto
que, muitas vezes, ocorrem dinâmicas cruciais para perceber a mudança, a rutura
e as continuidades. Consequentemente, sem um detalhado e rigoroso conhecimento
dos acontecimentos à escala local e sem o recurso aos documentos guardados nos
arquivos, eles próprios resultantes de construções históricas de viés local e
nacional, jamais se poderá fazer boa história, comporte ela perspetivas
globais, atentas à circulação e à integração de ideias e processos germinados
noutros locais, ou não. Daí que nesta História Global de Portugal se tenha
pedido a especialistas dos locais, dos factos e das pessoas abordados para
repensarem e comporem os seus conhecimentos de um ponto de vista aberto, não
fechado sobre esses mesmos espaços, acontecimentos e personagens.
À luz destas tendências, os países, as regiões, as cidades e as aldeias já não são considerados espaços fechados nas suas fronteiras, antes devem ser perspetivados como plataformas territoriais tomadas na extensíssima duração do processo de humanização, desde as primeiras comunidades humanas – que deixaram multiformes e esbatidos traços que recentes investigações arqueológicas, muito mais sofisticadas, permitiram desvendar – até às novas vagas migratórias, que, apesar de gerarem atávicas tendências de alteamento de muros destinados a contê-las, obrigam a relativizar os limites que anteriormente separavam a humanidade em quadrículas nacionais, regionais e até urbanas e aldeãs.”
O final da introdução geral
é bem elucidativo do propósito do livro:
“Convidamos o leitor a construir uma visão não
paroquial da história de Portugal, aprendendo que hoje não se pode perceber a
história de um local, mesmo que seja um país antigo, ignorando o mundo com o
qual ele foi sempre interagindo. Portugal é o resultado de incontáveis
dinâmicas de diálogo e de choque com outros lugares. E o mundo tem traços das
mediações que os habitantes do espaço de Portugal espalharam. É esta fascinante
história que aqui se pretende contar para melhor percebermos quem somos e o mundo
em que vivemos.”
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