Novo artigo do psiquiatra Nuno Pereira:
Os problemas ligados ao consumo excessivo
do álcool constituem um flagelo nacional, a nível do indivíduo, da família, da
escola, do trabalho e da sociedade em geral. A cultura e as tradições do país
favorecem hábitos precoces de ingestão de bebidas alcoólicas, o que provoca
atrasos no desenvolvimento físico e mental das crianças e contribui para o
insucesso escolar. Portugal situa-se entre os maiores consumidores mundiais de
álcool, que é a substância psicoativa preferida dos jovens.
O papel da educação para a saúde torna-se
pois fundamental, logo nos primeiros anos da escola. Para tal o Ministério da
Educação apresenta várias medidas, em que o Álcool pode fazer parte da Educação
para a Cidadania, «em função das opções e das realidades de cada contexto
educativo». Por um lado, como proposta das Direções-Gerais da Educação e da
Saúde, o Álcool corresponde a um subtema do tema – Comportamentos Aditivos e
Dependências – do Referencial da Educação para a Saúde, «de adoção voluntária».
Por sua vez, a Saúde consiste num domínio da Educação para a Cidadania,
obrigatório para todos os ciclos de escolaridade, que visa contribuir para o
desenvolvimento da área de competências – Bem-Estar, Saúde e Ambiente –
constante no “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”.
As escolas, se não considerarem
prioritários os problemas do álcool, não os incluirão na Estratégia da Educação
para a Cidadania com tempo escasso para tantas e tão extensas áreas temáticas.
Deste modo, muitos problemas importantes do foro da Cidadania podem deixar de
ser abordados, mesmo pertencendo a grupos de domínios obrigatórios, e, se
abordados, podem ser distribuídos tão ralamente no horário (p. ex., do 1º ano
de cada ciclo) que se tornam irrelevantes. O Ministério da Educação, invocando
a autonomia das escolas e a flexibilidade curricular, passa a responsabilidade
para cada escola de compor um diminuto programa de Cidadania, selecionado da
imensidão de subtemas e temas contidos nas dezenas de documentos de apoio.
No caso de a escola optar pelo subtema
Álcool, a abordagem do Referencial da Educação para a Saúde não é a mais conveniente,
porque os objetivos específicos propostos não atendem devidamente ao grau de
desenvolvimento mental das crianças e dos jovens nem à sequência natural do
ensino a partir do que é mais familiar. De facto, entre as falhas contam-se: o
começo da informação pelas consequências do consumo excessivo antes do conhecimento
das bebidas alcoólicas, a ausência de crítica dalguns falsos conceitos sobre o
álcool no 1º Ciclo e a promoção do comportamento saudável face ao consumo de
álcool apenas desde o 2º Ciclo em vez de logo no 1º Ciclo e mesmo mais cedo.
Também, não é muito avisado que as famílias
detenham a plena responsabilidade da Educação para a Saúde sobre o Álcool,
tanto mais num dos países com as mais altas taxas de alcoolização.
Tendo em conta tudo o que se expôs, o
Ministério da Educação deve assumir - sem a capa do «diagnóstico local» - o
encargo de tomar as medidas adequadas para que sejam efetivamente tratados
problemas de magnitude nacional, como o consumo abusivo do álcool com tão
desastrosas consequências individuais, familiares, escolares, laborais e
sociais. Assim, os conteúdos respetivos devem estar expressos no programa
nacional do ensino básico do Estudo do Meio (no 1º Ciclo) e das Ciências
Naturais (nos 2º e 3º Ciclos) e ser trabalhados em projetos no ensino
secundário, de modo que se traduzam em atitudes e comportamentos responsáveis.
Nuno Pereira
(psiquiatra)
Sem comentários:
Enviar um comentário