Fora da observação dos factos e da essência dos fenómenos, o espírito não pode obter nenhuma soma de verdade” (Eça de Queiroz).
Há muitos muitos anos atrás, contava-me um amigo a seguinte estória:
No norte de África estava um desgraçado amarrado a uma árvore com o corpo cheio de sulcos de chicote com as feridas cobertas de moscas que lhe aumentavam o sofrimento.
Inconformado com esta selvajaria
um europeu que por lá ia a passar pegou
num ramo de folhas de árvore para as sacudir. Com voz quase imperceptível roga-lhe o desgraçado: “Não faça isso que estas estão quase saciedades e outras que
venham serão bem piores!”
Em período de eleições,
ocorre-me sempre este cenário. Talvez por isso, para determinadas pessoas votar em Marcelo para as próximas
presidenciais é o mesmo que votar em Costa, são eles unha com carne nas medidas
que que vão sendo tomadas qual coro de igreja bem afinado. Em consequência
pouco me espanta porque, segundo Bergson “não existe cómico fora do que é
propriamente humano”, o facto de tanta gente dizer muito mal do Partido Socialista e menos de Marcelo e,
paradoxalmente, à boca das urnas votarem paradoxalmente neles!
Proponho, portanto, em nome da coerência e da
rotação da governação de um clima democrático, que continuem a venerar Costa mas não votem no PS. Assim, sim, haverá
coerência entre os actos e as palavras, para um governação séria, sem mentiras
e sem sofismas, em mãos honradas para que “o dinheiro público não seja o
dinheiro que o governo tira aos que não podem escapar e dá aos que escapam
sempre”, segundo Milton Friedman.
Outro paradoxo reside em
termos um regime republicano desde idos
de 1910 e vivermos, em nome da verdade, actualmente numa espécie de regime dinástico
em que a governação é repartida por familiares chegados como se a arte em bem governar estivesse
inscrito no código genético em herança de pais para filhos ou por contágio
entre marido e mulher, mas tendo como
resultado abortivo, porquanto no dizer de António Aleixo: “Há tanto burro a
mandar / Em homens de inteligência /
Que, à vezes, chego a pensar / Que a burrice é uma ciência”.
Para não me alongar com
casos de corrupção que se assemelham ao rol imenso de peças roupas malcheirosas
lavadas no rio por lavadeiras de antanho, só sendo do conhecimento público por serem
noticiadas por gente com princípios
morais, éticos e de coragem para porem
os seus lugares em jogo na SIC, donde são corridos como, por exemplo, o caso mais recente, de José Gomes
Ferreira.
E porque, infelizmente, nadamos desnorteados no mar imenso, tenebroso, desconhecido e proceloso do corona vírus,
esquecimento imperdoável meu seria não
me referir a duas “personas” que esbracejam por se manterem à tona de água,
pese embora os alvitres públicos para a sua saída.
Refiro-me, como é óbvio, à ministra da Saúde e à respectiva directora geral,
respectivamente Marta Temido e Graça Freitas que se defendem e amparam costas
contra costas como no jogo do pau desdobrando-se em justificações
injustificáveis, cujos nomes se prestam ao gracejo fácil de Marta Tremida e Desgraça de Freitas.
Várias vezes tenho lido proposta a demissão de ambas,
de que eu fui um dos proponentes mais antigos, a saída de Marta Tremido, dias atrás, por David
Justino, vice-presidente do PSD, referindo-se a esta pandemia como um
pandemónio, também aqui me tenho por padrinho por julgar
(dir-me-ão se erradamente ou não) ter
sido minha a pia baptismal da cerimónia da denominação de pandemónio a este “status
quo”.
Claro que ambas mudaram
desde a sua nomeação para cá: Graça Freitas de indumentária de avozinha de aldeia de
carrapito no alto da cabeça reapareceu
com lenços ao pescoço de cores garridas e cabelo tratado com esmero de
cabeleireiro profissional de créditos firmado e afirmados. Por seu turno, Marta Temido de ares de defunta
surgiu remoçada com um sorriso de orelha a orelha e um corte de cabelo “à
garçonete” tendo como possível desculpa que o mal virótico que assola Portugal
é mal que se encontra espalhado no mundo inteiro desde a poderosa América a uma
China em despique de poder com ela, desde os Montes Urais à Patagónia, desde o
rio Tamisa ao Amazonas, desde os os arranha-céus do Dubai às
palhotas do continente africano, tentando encontrar
lenitivo no mal dos outros com os quais,
egoisticamente, como é costume dizer-se, se pode bem.
Contrariando o dito de mais vale só do que mal acompanhada aparecem elas
em conferências de imprensa como que geminadas a dizerem a mesmíssima coisa com
o ámen final em uníssono de ambas.
Solidariedade bem rara de encontrar no meio feminino em paradoxo
de um país em que, em chiste
triste e previdente do brasileiro Millôr
Fernandes, “acabar com a corrupção é objectivo de quem ainda não chegou ao
poder!”
Vivemos hoje num mundo
frágil e maltratado construído em paredes arquitectónicas de uma civilização em
perigo de ruir e em que toda a realidade, para Álvaro Campos “é um excesso,
uma alucinação extraordinariamente nítida”.
Compete ao cidadão de hoje
ser uma sentinela alerta para esta situação tentando, na medida da possibilidade humana, deixar aos vindouros um horizonte livre de nuvens de borrasca que ameaçam o seu futuro
e em que o vento da esperança, como soe dizer-se, é a última a morrer, varrendo
bem para longe um pesadelo apenas sonhado.
É nesta capitosa prosa queirosiana que eu me embebedo em críticas políticas e
sociais desse tempo hoje revividas por mim numa perspectiva pessoal, como tal
discutível, embora apoiada no facto defendido pelo autor de “ Os Maias", de que “fora da observação dos factos e da essência
dos fenómenos” tudo quanto se diga não passa de pura especulação. Ou haverá,
quando muito, fundamentos arrevesados que servem de bandeja a
interesses do Partido Socialista e/ou de
Marcelo.
Mas isso é outra conversa que tem o nome de partidarite ou paixão por certas figuras públicas qual patologia inflamatória crónica de difícil, ou mesmo impossível tratamento, ainda que com corticóides com efeitos adversos para o organismo, porque contra factos não há argumentos apenas inócuas panaceias como, por exemplo, querer meter o Rocio na Rua da Betesga. Isto é, um último paradoxo de um país a abarrotar de paradoxos!
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