segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O ensino ao ritmo humano

Dizem Maggie Berg e Barbara K. Seeber que o livro que publicaram, com o título The Slow Professor. Challenging the Cuture of Speed in the Academy, não visa só apresentar um problema e transformar um sistema.

O problema está bem identificado: os professores e (acrescentamos nós) outros tipos de profissionais cuja acção depende da elaboração do pensamento, vêem a sua tarefa principal, aquela para a qual foram formados, a desaparecer numa infinidade de solicitações parcelares, repetitivas, burocráticas, tecnicistas... mas no pior sentido, que é a ausência de outro sentido que não seja a contabilização, a prestação de contas. 

E isto a tempo inteiro: no horário de trabalho e fora dele, sendo que, aqueles que se pautam por um elevado sentido do dever profissional, nunca conseguem ter a consciência tranquila, pois há sempre algum coisa a que não conseguem responder de imediato, como se espera que façam. A culpa persegue-os e... consome-os!

Estamos já no domínio da insanidade e isso não pode continuar, sob pena de colapso das pessoas e, com elas, das organizações.

É, pois, preciso, transformar o sistema, começando por reconhecer que, como humanos, somos lentos em certas tarefas de teor intelectual (no ensino e na aprendizagem e no que elas implicam: estudo, conceptualização, etc). Atender a isso não é perda de tempo, é condição de eficácia.

O "Movimento Slow", iniciado com a comida "slow" e ganhando terreno noutras áreas, desafia não só a velocidade a que temos submetido a vida, mas também a sua padronização desinteressante.

Ainda não tinha acontecido olhar-se para a educação e, de modo mais concreto, para a docência, que solicita o pensamento profundo. E o pensamento profundo precisa de maturação, que requer... tempo.

Situando-se na universidade, as autoras enunciam diversos factores de preocupação que bem conhecemos, relacionados com a competitividade de mercado que se instalou antes que déssemos conta dela: produtividade, métricas, concursos, prémios, evidências, resultados, financiamento, avaliação... O seu conjunto, que se mantém permanentemente no horizonte, relega para um plano cada vez mais longínquo as preocupações pedagógicas e, mesmo, as científicas que são menos "rentáveis".

É de optimismo o balanço final do livro pois a "resistência" está viva e avança, dizem Berg e Seeber. E desafiam cada professor a investir na reflexão e no diálogo, em suma, a reforçar a vida intelectual da universidade.
Maria Helena Damião e Isaltina Martins

4 comentários:

Rui Ferreira disse...

Muito bem.
https://www.rtp.pt/play/p6722/e494992/fronteiras-xxi
(aos 30' a Célia Oliveira dá conta do nosso hardware)
ATENÇÃO FOCALIZADA

Anónimo disse...

Desenganem-se aqueles que pensam que a maioria dos docentes portugueses têm a preocupação em "investir na reflexão e no diálogo, em suma, a reforçar a vida intelectual".
São burocratas, tão obedientes, que até ao fim de semana invadem a caixa de correio dos colegas com mensagens e pedidos.
A verdadeira função da escola sucumbiu ao cumprimento de tarefas vãs, mas que primam por espelhar a subserviência de quem devia ter um espírito aberto e crítico.

Anónimo disse...

Eu não diria melhor!...

Célia Oliveira disse...

Não podia concordar mais. A resenha é, em si mesma, exemplo da necessidade e benefícios da capacidade de reflexão. Agradeço por isso às autoras.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...