quarta-feira, 11 de setembro de 2019

"Não matem a História"

Mais uma professora a pronunciar-se publicamente sobre a redução, no currículo escolar, da disciplina de História. Não matem a História é o título do artigo que escreveu Maria José Gonçalves, docente dessa disciplina (in Público de 10 de Setembro de 2019). Devemos ler e reler esse artigo com a maior atenção, estejamos ou não ligados ao sistema de ensino, focalizando a atenção no destaque que a autora dá à "incoerência manifesta entre a acção e o discurso político": são precisamente aqueles que elogiam a História (e todas as Humanidades e as Artes e as Ciências). Maria Helena Damião & Isaltina Martins

Estive ausente do ensino 15 meses. Regressei à escola e constatei muitas mudanças - para pior. A mais dolorosa, a mais preocupante, é a mudança ocorrida com a minha disciplina, História, que viu reduzida a sua carga horária semanal nos 8.º e 9.º anos de escolaridade. 
Em 2017, a disciplina de História era leccionada em dois tempos semanais (90+ 45 minutos). Porém, partir de 2018, passou a ser leccionada em dois tempos lectivos de 45 minutos, no 8.º ano, acontecendo o mesmo, a partir deste ano lectivo, no 9.º ano. 
Não quero acreditar. Vou ter que ensinar História «a correr» e História ensinada «a correr» corre o risco de morrer. 
A incoerência entre a acção e o discurso político neste assunto é manifesta. Senão, vejamos. 
A 31 de Agosto, na página oficial da Presidência da República, para assinalar os 80 anos do início da Segunda Guerra Mundial, o Presidente da República afirmava: «Devemos, pois, ensinar às gerações mais novas o que foi a Segunda Guerra Mundial, para que os milhões de mortos não tenham perecido em vão». Gostaria que o senhor Presidente da República soubesse que, a partir deste ano lectivo, os alunos do 9.º ano de escolaridade, da minha escola e da maioria das escolas portuguesas, vão ter apenas quatro ou cinco aulas de 45 minutos para estudar «Da Grande Depressão à Segunda Guerra Mundial». 
O senhor ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, numa entrevista recente, afirmava: «É fundamental que as disciplinas mais tradicionais continuem a ser adensadas». Não será a História uma disciplina tradicional? Será adensar sinónimo de reduzir? 
O senhor secretário de Estado da Educação, João Costa, no âmbito do I Encontro de Educação, em Cantanhede, afirmou: «Não cortem nas disciplinas de Ciências Humanas, nomeadamente na disciplina de História, pois um povo sem memória é um país doente». 
Senhor Presidente da República, senhor ministro da Educação, senhor secretário de Estado da Educação, factos são factos, a História está a ser assassinada. 
Neste novo ano lectivo, na minha escola e na maioria das escolas portuguesas, a disciplina de História vê reduzida em um terço a sua carga horária curricular semanal. Sem tempo, a aula de História converte-se provavelmente num monólogo. 
Pelo que as consequências pedagógicas deste novo espartilhar da disciplina de História entra em clara contradição com o que se encontra plasmado no próprio decreto-lei da Flexibilidade Curricular, que prevê a implementação de metodologias de trabalho que permitam, entre outras, a promoção de capacidades de pesquisa, de relação e de análise, assim como o domínio de técnicas de exposição e de argumentação. 
Quando assistimos aos avanços dos populismos, das fake news, do revisionismo dos factos históricos, e quando continuamos a ter baixíssimos níveis de participação cívica, não é sensato diminuir o peso de uma disciplina que tem um papel indiscutível na compreensão do mundo em que vivemos. 
Se não querem «um povo sem memória» e «um país doente», façam qualquer coisa. Não matem a História.

3 comentários:

Anónimo disse...

Mataram a história e todas as disciplinas que se enquadram na dimensão humanística do currículo. Não convém que se aprenda a pensar!

Anónimo disse...

As disciplinas que se enquadram na dimensão científica do currículo também estão a morrer!
Na Física do 12.º ano, ainda há pouco mais de um par de anos, davam-se umas noções básicas de relatividade que punham as pessoas a pensar. Agora, já não há relatividade: as orientações da flexibilidade inclusiva com aprendizagens essenciais têm um caráter absoluto - na escola ideal, para onde caminhamos a passos largos, os currículos não devem conter matérias que impliquem trabalho de pensar!
Desde que os alunos sejam bem avaliados, através de grelhas excel do tamanho de um comboio, onde cabem resmas de critérios e parâmetros matematicamente objetivos, qual o interesse de pensar e aprender na escola?!

Anónimo disse...

Mataram a escola pública, isso sim!
Senhor Ministro da Educação se tivesse estudado na escola que agora preconiza teria chegado a investigador, com o CV que detém?
Certamente que não.
É URGENTE QUE PENSE NISTO!

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