A propósito da 1.ª viagem de circum-navegação de Magalhães - Elcano deixo aqui o meu artigo sobre a madeira nas rotas das viagens de circum-navegação, que vai aparecer no Dicionário Enciclopédico da Madeira (coordenação de José Eduardo Franco):
O navegador português Fernão de
Magalhães (1480-1521) não passou pelo arquipélago da Madeira, mas sim pelo
arquipélago das Canárias, a 26 de Setembro de 1519, quando, após a sua partida
de Sevilha, empreendeu, entre 1519 e 1521, o que viria a ser, embora
involuntariamente, a primeira viagem de circum-navegação ao globo terrestre. A
viagem, como é bem sabido, foi completada por Sebastian del Cano (1476-1526) desde
as Filipinas, onde Magalhães pereceu, até ao regresso a Espanha. O facto
explica-se por se tratar de uma expedição espanhola, embora comandada por um
português. O primeiro navegador a completar uma viagem marítima à volta da
Terra (1577-1580) foi Francis Drake (c. 1540-1596), o corsário inglês ao
serviço de Isabel I, e também ele não passou pela Madeira.
No entanto, a Madeira, esteve, no
século XVIII, na rota de duas grandes viagens de circum-navegação, com carácter
científico, ambas capitaneadas pelo navegador
inglês James Cook (1728-1779) (Figura 1): a
primeira realizada entre 1768 e
1771 no navio HMS Endeavour e a segunda entre 1772 e 1775 no navio HMS Resolution (acompanhado pelo HMS Adventure). A terceira viagem de Cook, realizada também no
HMS Resolution, entre 1776 e 1779, não passou pela Madeira, tendo
antes parado em Tenerife, nas Canárias. Não foi completada pelo grande
navegador uma vez que ele morreu no Pacífico às mãos de indígenas tal como
tinha acontecido com Magalhães. O conjunto das três viagens asseguram a Cook um
lugar único na história da exploração: foi ele quem mais terras descobriu no
grande Oceano Pacífico.
Cook foi, em 1768, o comandante
escolhido pelo Almirantado britânico para levar um grupo de distintos membros
da Royal Society ao Taiti, com o fito principal de observar o trânsito de
Vénus, que tinha sido previsto para
1769, naquilo que constituiu a primeira expedição científica ao Pacífico. Esse
evento astronómico, relativamente raro, permitiria determinar com maior
precisão a distância entre a Terra e o Sol. Participaram na expedição, que
partiu de Plymouth, na Inglaterra, a 26 de Agosto de 1768, e, como primeira paragem,
atracou no Funchal a 13 de Setembro de
1768, o famosíssimo naturalista britânico
Joseph Banks (1743-1820), que foi um dos fundadores dos Royal Botanical
gardesn em Kew e haveria mais tarde de presidir à Royal Society ao longo de
mais de 41 anos, e outro naturalista também famoso, o sueco Daniel Solander
(1733-1782), um prosélito do seu compatriota Carl Linnaeus (1707-1778) que trabalhou
em Londres, designadamente catalogando as colecções de História Natural do
Museu Britânico. Contrariando alguma desconfianças das autoridades portuguesas,
os dois encabeçaram o grupo que empreendeu um rápido reconhecimento botânico da
ilha, colectando mais de duas centenas de espécies botânicas (entre as quais o
que haveria de ser conhecido por buganvília). Após conveniente reabastecimento
do navio (com água, vegetais e carne de vaca, não esquecendo 3000 galões de
vinho) e depois da substituição de um marinheiro morto num acidente com uma
âncora, ele zarpou rumo ao Sul. Apesar
de haver de haver disputa sobre quem foi o descobridor da Austrália, é
incontroverso que Cook foi o primeiro a contactar com indígenas australianos
nesta viagem. Banques e Solander foram, assim, os primeiros naturalistas a
visitar a Austrália, identificando novas espécies para a ciência como o
canguru.
Entre 29 e 31 julho de 1772 James
Cook voltaria ao Funchal, sendo desta vez acompanhado, em vez de Banks (que
colocou exigências que o Almirantado não aceitou) e Solander, dos naturalistas
ingleses Johann Reinhold Forster (1729-1798) e o seu filho Georg Forster
(1754-1794), ilustrador; os dois efectuaram recolhas botânicas na madeira e plantaram
uma árvore na Quinta do Vale Formoso, propriedade de Michael Grabham. Do
Funchal Cook escreveu ao Almirantado elogiando as qualidades náuticas da sua
embarcação. O navio foi reabastecido com água, cebolas e carne de vaca. A 17 de
Janeiro de 1773, o HMS Resolution foi
o primeiro navio a atravessar o Círculo Polar Antárctico, tendo chegado à
latitude de 71º 10’ sul, mostrando que um grande continente no sul do
hemisfério (a terra australis) que
aparecia nalguns mapas a fechar o atlântico e o Pacífico não passava de um
mito. Este reconhecimento era de resto um dos principais objectivos da viagem.
De acordo com os botânicos J. Francisco-Ortegas et al., que estudaram recentemente as contribuições científicas que
advieram das paragens de Cook na Madeira, estas permitiram a recolha de plantas
madeirenses que foram incluídas em herbários britânicos, uma flora da Madeira
preparada por Solander que não foi publicada, as primeiras pinturas a cores das
plantas da Madeira feitas pelo desenhador Sydney Parkinson (c. 1710-1771) que
ia a bordo na primeira viagem e viria a falecer durante o percurso, a descrição de novas espécies da Madeira
publicadas pelos Forsters (1775) e a
primeira visão de conjunto das plantas das ilhas da Macarronésia feita por George
Forster (1789). Não é pouca coisa.
O empreendimento de circum-navegação
seguinte que passou pelo Funchal foi capitaneado pelo francês Jean-François
Galaup, conde de la Pérouse (ou de Lapérouse) (1741-1788) (Figura 2). Esse
navegador foi escolhido pelo rei Luís XVI para, no comando de uma grande expedição
francesa, prosseguir objectivos políticos e científicos, complementando as
descobertas de Cook no Pacífico, Os dois navios de La Pérouse, o Coussole e Astrolabe, com
numerosos cientistas a bordo, partidos de Brest, passaram no porto do Funchal
entre 13 e 16 de Agosto de 1741. Pormenor curioso: candidatou-se a um lugar no navio um jovem,
então com 16 anos, de seu nome Napoleão Bonaparte, que não foi escolhido (muito
mais tarde, a 22 de Agosto de 1815 chegaria ao Funchal um navio inglês conduzindo
o ex-imperador francês ao exílio na ilha de
Santa Helena). A expedição fez um longo périplo pelo planeta, que
incluiu Macau, mas desapareceu por completo no mar em 1788 em Vanikoro, Ilhas
Salomão, no Pacífico. Em 2005 foram descobertos restos de um naufrágio que
inequivocamente pertenciam à expedição de la Pérouse.
Já no século XIX, teve lugar uma uma
outra famosa viagem científica à volta do mundo, que não passou pelo Funchal:
foi a do navio HMS Beagle (1831-1836), comandado
pelo inglês Robert FitzRoy (1905-1865), a bordo do qual o jovem Charles Darwin
(1809-1882) fez a sua aprendizagem de naturalista que lhe permitiria afirmar-se
como um dos maiores cientistas de sempre. Apesar de Darwin nunca a ter sido
visitado, a Madeira aparece mais vezes referida na Origem das Espécies (1859)
do que as ilhas Galápagos, o habitat dos tentilhões cujos bicos serviram para
abonar a teoria da evolução. Para isso muito valeram as explorações realizadas
por naturalistas britânicos e de outros países, como aqueles que participaram
nas duas expedições de Cook. Darwin, que se interessava pelas ilhas como
“laboratórios de evolução”, tinha um bom
conhecimento da literatura naturalista, e as visitas feitas por outros à
Madeira foram para ele extremamente úteis.
.
Figura 1 Itinerários das três expedições
de circum-navegação de James-Cook: a primeira a vermelho, a segunda a verde e a
terceira a azul. Só as primeiras duas é que passaram pela Madeira.
Figura 2
Itinerário da viagem de
circum-navegação de La Pérouse.
Referências
·
Beaglehole, J.C., ed. (1968). The Journals of Captain James Cook on His Voyages of
Discovery, vol. I:The Voyage of the Endeavour 1768–1771. Cambridge University Press.
· Beaglehole, J.C.,ed. (1959). The
Journals of Captain James Cook on His Voyages of Discovery II, vol. I:The
Voyage of the Resolution and Adventure 1772–1775. Cambridge University Press.
·
Darwin, Charles (2011, original 1839). A Viagem do Beagle, Lisboa: Relógio
d´Água.
·
Darwin, Charles (2011, original 1859): A Origem das Espécies, Lisboa: verbo
·
Hough, Richard (1995). Captain James Cook. Hodder and
Stoughton.
·
Jean-François de Lapérouse, ‘’Voyage autour du monde sur l’Astrolabe et
la Boussole’’, Paris : La Découverte / Poche, 2005.
·
Francisco Ortega, J., “The botany of the three voyages of Captain
James Cook in Macaronesia: an introduction”, Revista de la Academia Canaria de Ciencias, Vol. XXVII, 357-410 (Dez.
2015).
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