segunda-feira, 2 de setembro de 2019
MINHA ENTREVISTA DE HOJE AO DIÁRIO DE COIMBRA
É PRECISO UM GRANDE PROJECTO NO MUSEU DE CIÊNCIA DE COIMBRA
Perfil: Carlos Fiolhais. Nascido em Lisboa em 1956, é professor de Física da Universidade de Coimbra, com especialização em Física da Matéria Condensada e interesse em História das Ciência em Portugal, é autor de mais de 60 livros, mais de 160 artigos científicos (um deles com mais de 15.000 citações) e de mais de 500 artigos de divulgação. Entre os seus livros mais recentes são "Biblioteca Joanina" (Imprensa Universidade de Coimbra, com Paulo Mendes), "História da Ciência em Portugal" (Arranha Céus) e "Jesuítas, Construtores da Globalização" (CTT, com José Eduardo Franco). Dirige a colecção "Ciência Aberta" (Gradiva) e co-dirige as "Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa" (Círculo de Leitores, com José Eduardo Franco). Foi Director do Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra, onde procedeu à instalação do maior computador português para cálculo científico, e da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, onde concretizou vários projectos relativos ao livro e à cultura. Fundou e dirige o Rómulo – Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra. Em 1994 ganhou o Prémio União Latina para tradução científica, em 2004 o Globo de Ouro em Ciências da SIC, em 2005 o Prémio Inovação do Fórum III Millennium, em 2006 o Prémio Rómulo de Carvalho da Universidade de Évora. Recebeu em 2015 a Ordem do Infante D. Henrique, em 2017 o Grande Prémio Ciência Viva - Montepio e em 2018 o Prémio José Mariano Gago da Sociedade Portuguesa de Autores. Tem defendido a ciência e a cultura científica no espaço público em Portugal
P-o longo da sua carreira na investigação, a que áreas se tem dedicado?
R- A minha carreira já vai longa, são mais de 40 anos e em breve conto reformar-me. O primeiro artigo que publiquei, no final da licenciatura, foi sobre magnetismo. Depois fui fazer doutoramento em Física Nuclear, em Frankfurt Main, na Alemanha, que concluí em 1982. Estudei a cisão do urânio usando meios computacionais. Depois de Chernobyl em 1986, a Física Nuclear foi caindo em desgraça, pelo que me virei para a área da Física da Matéria da Condensada ou do Estado Sólido, usando sempre computadores, na altura em que eles progrediam enormemente. Fiz um ano sabático para New Orleans, EUA, uma experiência inesquecível que haveria mais tarde de repetir. Em 1991 publiquei um artigo que continua a ser o mais citado de autores em Portugal. mais de 15.000 citações: fornece uma receita para a ligação atómica, que é útil em muitos campos incluindo a biomedicina. Continuei em Coimbra a trabalhar em Física Computacional da Matéria Condensada, instalando equipamentos e formando pessoas.
Mais recentemente virei-me para a área da História da Ciência, em particular a História da Ciência em Portugal, na qual trabalho actualmente. há ainda muito a descobrir... Ajudei a criar um doutoramento nessa área, que reúne as Universidades de Coimbra e de Aveiro. Tenho vários projectos nessa área que continuarei, mesmo depois de reformado. Ao mesmo tempo que fiz investigação científica tenho também feito comunicação de ciência. Como é o caso agora Aí tenho feito de tudo: livros, periódicos, televisão, youtube, blogues, etc. Criei - já lá vão 10 anos - o Rómulo, Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra que cresceu muito e hoje é uma referência no país. O último grande projecto chama-se "Rómulo Digital": aumenta extraordinariamente o conjunto de documentos que a Universidade de Coimbra coloca á disposição do público em todo o mundo.
P- Que investigação se encontra a desenvolver neste momento?
R- Na área da História da Ciência tenho-me centrado na História da Universidade de Coimbra, uma vez que ela tem aí uma grande contribuição. No livro "História da Ciência em Portugal" coloquei no fim um mini-dicionário de cientistas portugueses. Pois dos 50 nomes escolhidos cerca de metade ou estudaram ou ensinaram em Coimbra. Tenho estudantes de doutoramento que estão a avançar bem na descoberta de figuras da ciência em Coimbra no século XX. Interesso-me pelos jesuítas e tenho escrito sobre eles, juntamente com o meu colega José Eduardo Franco, temos um livro dos CTT que é um regalo para os olhos. Estou a preparar um livro sobre o Colégio de Jesus, depois do livro sobre a Biblioteca Joanina, com o meu colega Paulo Mendes, que teve grande êxito. Apesar de não ser cientista escrevi sobre as relações que o Padre António Vieira teve com a ciência (também tem relação com Coimbra pois foi aqui que esteve preso e fez observações astronómicas). Também me tenho interessado pela história da medicina, em Coimbra, em Portugal e no mundo, no século XVI, o século muito interessante em que a Universidade portuguesa se fixou em Coimbra. Ainda há pouco saiu na série "Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa" uma nova edição do "Colóquio dos Simples" de Garcia de Orta, que coordenei com o botânico Jorge Paiva. Não havia nenhuma desde o século XIX... Espero que a obra chame a atenção pois é globalmente pioneira: em plena Revolução Científica foi escrita não em latim mas numa língua nacional, o português, a língua que nos une.
P- Quais os objetivos dessa investigação?
R- A mola de qualquer investigação é sempre a curiosidade. No meu caso quero muito que a minha curiosidade desperte e alimente a curiosidade dos outros. Ciência significa mais conhecimento: como disso Garcia da Orta, com um grande optimismo, "o que não sabemos hoje amanhã saberemos". Ciência é comunicação: em primeiro lugar entre os pares e depois, imediatamente depois se não for ao mesmo tempo, com a sociedade. Gostaria que os meus concidadãos se apercebessem mais do significado, do valor e do poder da ciência. Para isso a história da ciência é um meio importante: as pessoas gostam de história, pois sabem que são apenas um elo na imensa cadeia temporal que a sociedade humana tece.
Além do mais, é preciso desmontar a ideia perniciosa das "duas culturas" segundo a qual há uma separação estanque entre a ciência e a tecnologia, por um lado, e as artes e as humanidades, por outro. A história ajuda a desfazer essa fronteira inventada. Ciência e humanidades são apenas duas dimensões do ser humano.
P- Qual o impacto ou a aplicação mais prática que a investigação que desenvolve neste momento pode ter para a sociedade?
R- Das ciências espera-se que elas resolvam pelo menos alguns dos problemas materiais do homem. Mas das humanidades espera-se que ela ela ajude o ser humano em dimensões que são da ordem do imaterial. Mas ambas têm a enorme utilidade - a imprescindível utilidade - de responder à nossa inquietação fundamental: quem somos nós no vasto universo? De onde vimos e para onde vamos? De que somos capazes? Estamos permanentemente à procura da nossa identidade. Identidade pessoal e social, confundindo-se evidentemente as duas. Podemos falar também de identidade nacional, que é colocada por meios como a língua e a cultura. Como podemos avançar em conjunto se não conhecermos os laços que nos unem?
P- Na quarta-feira, dia 4 de Setembro, vai participar no programa de conversas com cientistas "Pontos nos iii", promovido pelo Exploratório, com o tema "História da Ciência na Universidade de Coimbra". O que é que o público pode esperar desta sessão?
R- A História, como disse, é essencial para a identificação da nossa identidade. Universidade de Coimbra tem obrigações para com a identidade nacional que não está a cumprir. Nem está, de resto a cidade. Nessa comum inutilidade a universidade e a cidade estão unidas, ao mesmo tempo que o país parece cada vez mais desiludido e portanto desunido delas. Era bom que trocássemos umas palavras sobre o assunto. Posso dar exemplos: a Universidade que se diz património mundial não passa de uma caixa registadora de turistas que depois os empurra entra a entrada e a saída da Joanina. O Museu da Ciência, em cujo programa colaborei intensamente, está neste momento sem qualquer programa.
Falei do Colégio de Jesus: ele é hoje um local museologicamente abandonado. Era preciso que o Museu de Ciência se transformasse num sítio de ciência, unindo-o à investigação em História da Ciência que se faz na Universidade de Coimbra. O anterior Reitor prometeu que o Rómulo, que de início foi pensado como Biblioteca do Museu de Ciência, encontraria lugar naquele Colégio. existem planos de arquitectura para isso, até porque o Rómulo já não cabe nas actuais instalações. O Colégio de Jesus já teve até uma das maiores bibliotecas dos Jesuítas. O actual Reitor sabe bem disso pois acompanhou o Rómulo, como Director do Instituto de Investigação Interdisciplinar e como responsável pela área das Bibliotecas. Vamos ver como esses planos avançam.
É preciso um grande projecto no Museu da Ciência, que una a universidade e a cidade (já houve uma fundação que findou) e que permita que a as duas sejam fonte de cultura, tanto para os locais como para os turistas que nos demandam. Vamos ver como os planos avançam. Um dos problemas da Universidade e da cidade é que há excessivas divisões científicas e culturais. Eu estou inequivocamente do lado da unidade da ciência, da unidade da ciência no seio da cultura, pronto a colaborar para que se materialize o enorme potencial científico e cultural da minha cidade.
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5 comentários:
Parabéns Professor. A minha gratidão pelos textos que publica merecedores de serem lidos pelo proveito que neles se colhem. Esta sua entrevista prova-o cabalmente.
Quando um jornalista perguntou a Lopes-Graça "As suas criações musicais são conhecidas e tocadas no estrangeiro?":
- Lopes-Graça respondeu: "[...] Deixe-me que lhe diga que, no meio desta internacionalite aguda, talvez haja alguma virtude em ser simplesmente, modestamente, um português de Portugal, alguém talhado pela nossa medida comum, possivelmente nem muito grande nem muito pequena, apenas a medida caseira daquilo que, com algumas qualidades, algum trabalho e alguma honestidade, podemos ser e podemos realizar. Deixe-me ser tão-somente um desses vulgares casos caseiros..."
Parabéns Professor Fiolhais pelo seu trabalho com qualidade e honestidade.
Excelente
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