Neste início de mais um ano lectivo, vem a propósito esta questão: por que razão vão as crianças e os jovens à escola; porquê aprender?
Num programa de rádio belga, encontramos uma resposta na crónica de Pascale Seys* que aqui deixamos em tradução:
"Em Nápoles, em 1732, Giambattista Vico pronuncia o discurso de abertura do ano universitário, perante uma plateia de jovens estudantes e professores.
“Porquê aprender?” Pergunta ele.
Vico dá a esta questão uma resposta muito simples. Trata-se de aprender não para se enriquecer, nem para se vangloriar dos seus conhecimentos, nem mesmo para se tornar sábio, erudito ou sabedor. Vico invoca uma outra razão, uma outra dimensão a que chama “De mente heroica”, “o heroísmo do espírito”.
O que pode o heroísmo do espírito? Consiste para Vico em contribuir para a felicidade humana. Considerem como a resposta é simples: é para esta única causa existir no horizonte da felicidade humana que é útil aprender, declara o filósofo.
O que pode o heroísmo do espírito? Consiste para Vico em contribuir para a felicidade humana. Considerem como a resposta é simples: é para esta única causa existir no horizonte da felicidade humana que é útil aprender, declara o filósofo.
Esta ideia remete para a concepção que Descartes tinha da generosidade e a que a filósofa Laurence Devillairs chama “a ostentação”.
Em vez de ter o olhar fixado naquilo que é pequeno, trata-se antes de olhar, de aspirar, sentir, explorar uma dimensão superior. Ser um herói, neste sentido, consistiria nisto, trata-se de erguer-se na direcção de um planeta sublime procurando como se pode, mas também como se deve, e o mais frequentemente possível, libertar o espírito das coisas vulgares, apertadas e engomadas.
Um provérbio chinês diz exactamente isso quando afirma que lá onde o sábio olha a lua, o idiota olha o seu dedo.
Apaixonado pelos filósofos da Antiguidade, Vico concluía o seu discurso de 1732 com ostentação, também ele, argumentando que o mundo felizmente ainda é jovem e que resta ainda à juventude muito a aprender, todos os dias, felizmente. E por isso, para nos elevar acima dos valores do comércio, da glória ou de uma sabedoria inerte, Vico preconiza cultivar um ponto de vista generoso, competente, aberto, que faça a volta ao mundo pelos saberes, mas sempre e exclusivamente tendo como objectivo a felicidade humana.
Desaparecido há poucos meses, Michel Serres era, também ele, um pensador aberto às dimensões enciclopédicas do saber. Ele explicava por um exemplo simples como compreender a diferença de fundo entre o pequeno e o grande, entre uma troca mercantil e a cultura, entre um euro de papel e um euro de espírito. Se uma pessoa possui um pão e uma outra um euro, dizia ele, é fácil compreender a regra da troca: por um euro eu posso comprar um pão. Mas supondo, diz Michel Serres, que uma pessoa conhece o teorema de Pitágoras ou um soneto de Verlaine e que uma outra não tem nada, o que se passa? Passa-se que ao transmitir o teorema de Pitágoras e o soneto de Verlaine àquele que não tem nada, no fim desta troca, aquele que sabia conservou o que possuía e aquele a quem este saber foi transmitido recebeu alguma coisa que ignorava.
“No primeiro caso, diz Serres, há equilíbrio, é a mercadoria, no segundo há crescimento, e é a cultura.”
Com o Verão a terminar, o ritmo dos dias que acelera e o tempo para pensar diminui, é talvez este o único desafio heróico que temos que realçar para sermos heróis da existência quotidiana, e que consiste em responder de maneira prática à questão: como crescer, como progredir, não em rendimento ou em capital, mas em cultura, em felicidade e em humanidade?
E vós que pensais? "
* Pascale Seys — La cronique de Pascale Seys — Musiq3 — RTBF, 11 de Setembro de 2019.Pascale Seys é doutorada em filosofia; lecciona na Universidade Católica de Louvaina, bem como no Conservatório Real de Bruxelas e na Escola Superior das Artes de Saint-Luc em Bruxelas. Colabora no programa Musiq3 há mais de 20 anos.
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