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Tal como as formas de vida, o conhecimento também evolui. Isso parece hoje tão evidente, que dispensaria ser dito. Mas a ideia de que é possível obter novo conhecimento nem sempre fez parte da nossa maneira de pensar. Até ao surgimento da ciência moderna, considerava-se que o conhecimento era tanto mais verdadeiro quanto mais antigo fosse. O novo conhecimento não era sequer muito bem visto; na melhor das hipóteses, talvez fosse possível recuperar conhecimentos dos antigos que se teriam perdido. Em 1580, o pensador francês Montaigne escreveu: “Aristóteles diz que todas as opiniões humanas existiram no passado e existirão no futuro, num número infinito de outras vezes; Platão, que elas devem ser renovadas e voltar a existir passados 36 000 anos.” Com as navegações ibéricas do século XV — que evidenciaram os erros da geografia clássica e abriram caminho à Revolução Científica nos séculos seguintes —, impôs-se o conceito de descoberta e, portanto, de conhecimento novo. O médico quinhentista português Garcia de Orta escreveu, com um optimismo eventualmente exagerado, que “o que hoje não sabemos, amanhã saberemos”.
O filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) foi o primeiro a tentar sistematizar a ideia de um conhecimento com progressos constantes, conduzindo a um poder cada vez maior (segundo ele, “o conhecimento e o poder humano coincidem”). Com o seu telescópio, Galileu viu o que ninguém antes vira: as crateras da Lua e as luas de Júpiter. O sábio italiano escreveu em 1615 que há certos temas sobre os quais todos os filósofos estão de acordo, mas que o seu telescópio lhe tinha permitido descobrir factos inteiramente contrários às convicções deles e que, por isso, aqueles filósofos deviam mudar de opinião. É significativo que Galileu tenha argumentado com factos, pois até aí nem sempre fora reconhecida a existência de factos. Em 1660, precisamente com o objectivo de estabelecer novos factos, foi criada a Royal Society, a mais antiga sociedade científica do mundo, com a designação completa de “The Royal Society of London for the improving of Natural Knowledge”, afirmando assim o objectivo de melhorar o conhecimento acerca do mundo natural. Supor que o conhecimento pode ser melhorado é uma marca que reconhecemos no pensamento actual. E até nos custa imaginar como poderia ser de outra forma. Sim, o conhecimento evolui. E várias disciplinas têm contribuído para estudar uma questão muito importante: a nossa alimentação. Na conferência “O que comer?”, três cientistas da rede GPS.PT – Global Portuguese Scientists (um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos que liga os cientistas portugueses espalhados pelo mundo) debruçam-se sobre este tema, hoje largamente debatido. São elas Sónia Negrão, investigadora em melhoramento de plantas, Sofia Leite, especialista em cultura de células animais, e Marta Vasconcelos, que se dedica ao estudo da nutrição e genética de plantas (15 de Outubro, Porto). À medida que a ciência se desenvolve, tem também crescido a pseudociência: práticas que se fazem passar por ciência mas que, de facto, não o são. A área da saúde é particularmente sensível a este fenómeno. Ao contrário, por exemplo, do transporte aéreo — em que é imediatamente evidente se um avião funciona ou não —, nos tratamentos médicos as consequências dos tratamentos ineficazes ou inseguros podem tardar. Ao longo do século XX, foram desenvolvidos métodos estatísticos para avaliar a eficácia e a segurança dos tratamentos. Porém, não obstante o inegável sucesso da medicina baseada na ciência, as práticas pseudocientíficas persistem. Na conferência “O logro das chamadas terapias alternativas: a importância da medicina baseada na ciência”, iremos discutir a pseudociência na saúde. Contaremos com Edzard Ernst, médico alemão e ex-praticante de terapias alternativas que se tem dedicado à avaliação crítica destas últimas. E ainda com participação de Armando Brito de Sá, em representação da Ordem dos Médicos, e com João Júlio Cerqueira, médico e autor do projecto Scimed (18 de Outubro, Leiria) Uma área do conhecimento com extraordinários avanços nas últimas décadas é a da genética. Em 2003 foi concluída a sequenciação do genoma humano, o que nos permitiu ler todas as letras do projecto de construção de um ser humano, contido no ADN das nossas células. Meia dúzia de anos volvidos e os cientistas começaram a estudar o ADN de pessoas que viveram há muito tempo. Um dos projectos mais marcantes foi o do genoma do Neandertal — uma espécie humana arcaica —, liderado pelo biólogo sueco Svante Pääbo. Com ele discutiremos, na conferência “Como a genética conta a nossa grande história humana”, como nos tornámos no que somos hoje. Contaremos também com a investigadora em genética Luísa Pereira e com o arqueólogo João Zilhão, numa sessão moderada pela antropóloga Eugénia Cunha (22 de Outubro, Coimbra). O conhecimento evolui porque o cérebro é capaz de aprender. E a educação é o processo de que dispomos para transmitir conhecimento de geração em geração. A educação é fundamental para a ciência, mas o conhecimento científico, através das ciências cognitivas e das neurociências, também ajuda a educação. É esse o mote da conferência “Como o cérebro aprende? O papel das ciências cognitivas na educação”, que contará com Johannes Ziegler, psicólogo francês e um dos mais destacados investigadores da aprendizagem da leitura e da dislexia, com Alexandre Castro Caldas, médico e investigador em neurociências, e com Célia Oliveira, investigadora na área da aprendizagem e da memória. A moderação estará a cargo de Teresa Firmino, jornalista e editora de ciência do jornal Público (30 de Outubro, Lisboa). O já referido problema da confusão entre ciência e pseudociência reside no desconhecimento das características da ciência, tema que iremos tratar na conferência “A atitude científica: o que é ciência e o que não é?”, com o filósofo norte-americano Lee McIntyre e os filósofos portugueses Olga Pombo e Desidério Murcho. No mesmo dia, haverá também um debate sobre o estado da ciência no nosso país, com o lançamento do estudo “A evolução da ciência feita em Portugal (1987-2016)”. Dedicado ao sistema nacional de criação de ciência e tecnologia e financiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e pela Fundação Oceano Azul, este estudo foi coordenado por Nuno Ferrand. Para o debate contaremos também com Nuno Maulide — químico português premiado na Áustria, onde trabalha. (7 de Novembro, Aveiro).
A nossa evolução enquanto espécie permitiu-nos conhecer e olhar para o cosmos. Será esse olhar, que é também um olhar sobre nós próprios, que discutiremos no grande encontro sobre o Universo (16 de Novembro, Lisboa), na sequência de quatro outros grandes encontros de celebração do décimo aniversário da Fundação Francisco Manuel dos Santos. A enriquecer estes encontros, estarão em Portugal grandes nomes da ciência em áreas de ponta como a biologia e a astrofísica.
À medida que o conhecimento evolui, surgem novas esperanças e novos desafios que importa trazer para o debate público. Esperamos que o Mês da Ciência e da Educação possa contribuir para esse debate.
Os comissários do Mês da Ciência e da Educação,
David Marçal
Carlos Fiolhais
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