Meu artigo no jornal I de ontem, que fez dez anos:
O jornal I (muitos parabéns pelo aniversário!) pede-me para antecipar os próximos dez anos. É, genericamente, simples, embora, nos particulares, possa ser complicado. A parte simples consiste em dizer, como Garcia da Orta disse em 1563, que “o que não sabemos hoje, amanhã saberemos.” (no Colóquio dos Simples, recentemente publicado pelo Círculo de Leitores). Esta é uma fórmula feliz de confiança na ciência. Os cientistas são optimistas – e com eles a humanidade bem o pode ser – porque sabem que, amanhã, vão saber mais do que hoje e, sabendo mais, vamos poder viver melhor. Mas, por outro lado, o futuro é uma caixinha de surpresas pelo que não podemos antecipar o que vamos amanhã saber. Toda a história da ciência e da tecnologia ensina que as descobertas são muito caprichosas, surgindo por vezes da maneira mais inesperada.
Do ponto de vista da ciência, este início de século, apesar
de alguns marcos importantes – como, na física, as descobertas da partícula de
Higgs em 2012 e das ondas gravitacionais
em 2015
e, na biomedicina, o da publicação da sequenciação completa do genoma
humano em 2003 e a descoberta da técnica da edição genómica CRISPR/Cas9 em 2012 - não está a ser tão fértil como o
início do século XX, que viu na física nascer duas teorias radicalmente
novas, a teoria quântica em 1900 e a
teoria da relatividade em 1905 e 1915 e, na biologia, a redescoberta em 1900
das leis da hereditariedade de Mendel e a identificação em 1903 dos cromossomas
como os portadores da hereditariedade. A minha esperança é que o
nosso século acelere na produção de conhecimento nos próximos dez anos, de modo
a tornar a primeira metade do século XXI tão cheio de novidades como a
correspondente parte do século anterior.
O que é que não sabemos hoje que amanhã saberemos? Na física
existem dois grandes enigmas por resolver, que dizem respeito ao universo todo:
a matéria negra, matéria não luminosa que preenche as galáxias, e a energia
negra, a manifestação de uma força em larga escala que se opõe à gravidade,
acelerando a expansão do universo. Talvez uma teoria unificada – Einstein
sonhava com uma só força! – que reúna de forma consistente a teoria quântica e
a teoria da relatividade geral (que é a teoria da gravidade corrente), possa
desfazer este enorme enigma, com duas faces. No domínio da biomedicina novos
desenvolvimentos científicos-tecnológicos (por exemplo, a sequenciação do
genoma a cem dólares) e a sua aplicação criteriosa, isto é, obedecendo a
princípios éticos consensualizados, deverão permitir a continuação do aumento da longevidade humana, com suficiente
qualidade de vida. Claro que há outras grandes questões na ciência, por exemplo
na fronteira entre a biologia e a astronomia: haverá vida fora da Terra? E qual
é a origem da vida? Ou, no domínio das neurociências: Será possível imitar o
cérebro humano? O que é a consciência? Poderemos curar doenças
neurodegenerativas como o Alzheimer? Quem me estiver a ler daqui a dez anos,
deve-se considerar feliz se souber as respostas a algumas destas questões.
E como será a ciência em Portugal daqui a dez anos?
Acompanhará decerto a ciência no mundo, num cenário que será dominado pelos
Estados Unidos e pela China, apesar de todos os esforços de seguimento por
parte da União Europeia. Mas o meu desejo é que acompanhasse mais do que tem
acompanhado. A actual parcela de 1,3% do PIB que é investida em investigação e
desenvolvimento é muito “poucochinho”. Se a Europa quer até 2030 investir, em
média, 3% do PIB nessa área, a nossa ambição deve ser passar pelo menos para o
dobro nessa data e, mesmo assim, ficaríamos abaixo da média. Mas, para isso,
era preciso começar já hoje. Infelizmente não se vê maneira, uma vez que o
governo da “geringonça” falhou a sua apregoada aposta na ciência.
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