segunda-feira, 6 de maio de 2019

O Pacto de Regime do Desporto

Texto que nos foi enviado pelo leitor Fernando Tenreiro e que agradecemos.
Todos os povos do mundo gostam de desporto, pelo prazer de o praticar, de o saber praticar, de o saber apreciar, pelo conforto dos benefícios físicos e psíquicos, pelas relações sociais e culturais aumentadas, pelo reconhecimento do outro e dos benefícios plurais desse todo extraordinário que os entranha e irmana. A Nação e as famílias são as ganhadoras últimas dos benefícios da prática desportiva ao longo da vida. 
A proposta do presidente da República de criação de pactos de regime entre os partidos políticos para os sectores da atividade social e económica com crises profundas deveria ter sido aproveitado pelo desporto. Não foi aproveitado nesta legislatura! A crise é grave e os partidos não a caracterizando destroem princípios e as vidas de quem mais necessita dos seus direitos constitucionais desportivos.
Por si, o desporto nunca fará a reforma nem incentivará novas instituições porque actua no seio de instituições caducas. Apesar dos magros subsídios, a possibilidade de os perder gera o receio da transformação das instituições. 
A deliberação de criar um norte desportivo tem de vir de cima, como faz a Europa. 
O desporto europeu por norma decide a política pública após realizar estudos feitos por especialistas e cientistas. Portugal opta pela ocasião mediática e negocial dos seus grandes clubes e partidos.
Nem sempre foi assim. Fizeram-se reformas que apesar de limitadas no seu alcance com o passar dos anos, deveriam ter dado origem a políticas transformadoras do que tinha corrido mal, porque mais urgia fazer. 
Aconteceu com a criação da Lei de Bases do Sistema Desportivo em 1991 e aconteceu à entrada do século XXI com a organização por Portugal do campeonato europeu de futebol de 2004 o qual deixou a política pública desportiva exangue. Neste segundo exemplo, a decisão de política considerou a perspectiva dos bens transacionáveis, de que o turismo é campeão, e o critério do bom investimento no betão dos estádios. Faltou o critério da produtividade desportiva que ainda hoje perdura pela ausência. Pretendeu-se usar os jogadores da Geração de Ouro criada por Carlos Queiroz para a afirmação da imagem europeia do Portugal “bom aluno”. Os jogadores responderam com o máximo das suas capacidades e a população aderiu entusiasticamente. Passada a competição a Europa teceu loas ao país por ter criado as infraestruturas e organizado o megaevento. Verificou-se que alguns estádios pecavam pelo excesso quando no pós-evento as infraestruturas se tornaram buracos negros financeiros para as autarquias e quando as exigências a países mais ricos, a Áustria e a Suíça, foram aligeiradas na criação do mesmo evento com menos estádio e dinheiro. 
Apesar do investimento desproporcionado e da reforma desportiva inconsequente, os governos deveriam ter olhado para a Europa do desporto e ter-se inspirado no que esta fazia. 
Na volta do século o desporto e o futebol europeu procuravam modelos de governança. A UEFA liderada por Lennard Johansson formalizara a sua Visão que definira como “a direcção e desenvolvimento do futebol europeu para a próxima década”. O ministro do desporto britânico Richard Cabourn levou aos outros responsáveis do desporto da União Europeia as suas preocupações acerca dos excessos da actividade desportiva profissional sobre o qual tinha elaborado relatórios. Os grandes escândalos financeiros na Alemanha, França e Itália, levaram a UE a encarregar José Luís Arnaut a relatar o estado do futebol europeu em parceria com a UEFA. O relatório apresentado em 2006 considerou que, apesar de a análise ser feita sobre o futebol, o modelo de governação proposto visava a preservação do Modelo de Desporto Europeu e aplicava-se a todo o desporto. 
As federações europeias dos restantes desportos consideraram que o Relatório Independente tinha sido feito à imagem apenas de uma modalidade. A União Europeia publicou então o Livro Branco do Desporto, que foi aceite pelas federações e cujos princípios estão hoje em vigor, apesar de transformações dos últimos 12 anos.
Portugal não tem a homogeneidade e a acumulação de capital desportivo da Europa nem de muitos dos seus países e o nosso desporto tem adversidades grandes que necessitam de tempo e de saber, para evitar erros como os surgidos na ausência de consensos e de parceiros leoninos. Existem agentes sedentos de selfies com as vitórias ocasionais dos atletas e de rendas do escasso erário público. Acontece também que benefícios são capturados ao associativismo desportivo e ao voluntarismo dos atletas que tudo por “dez réis de mel coado”. 
Infelizmente as duas últimas legislaturas foram austeras de sentido social, de eficiência económica, de princípios, sendo certo que a maior produtividade desportiva não se encontra nestes territórios distópicos.
A criação do Pacto de Regime do Desporto deveria compreender a metodologia europeia promovendo um horizonte desportivo de objectivos, valores e recursos para o século XXI. 
O governo e os partidos não podem argumentar que a austeridade impede a criação do Pacto de Regime do Desporto. Outrossim haverá que cuidar para que o Pacto de Regime não seja capturado pelos parceiros habituais. 
Na perspectiva do “bom aluno”, não é por demais recordar que aproximando-se a Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, em 2021, os factos inovadores do Pacto de Regime do Desporto poderiam ser evidenciados como contributos relevantes para o Modelo de Desporto Europeu. 
Fernando Tenreiro, economista, fjstenreiro@gmail.com

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