quarta-feira, 29 de maio de 2019

De pequenino se torce o pepino

Texto de Mário Frota, especialista em Direito do Consumo, publicado no jornal As Beiras de 29 de Maio de 2019.

A LDC – Lei de Defesa do Consumidor – estabelece imperativamente que “incumbe ao Estado a promoção de uma política educativa para os consumidores”.

E di-lo de que modo:
  • Mediante a promoção de uma política nacional de formação de formadores. 
  • E a inserção nos curricula escolares de matérias relacionadas com o consumo e os direitos dos consumidores. 
  • A concretização, no sistema educativo, em particular nos ensinos básico e secundário, de programas e actividades de educação para o consumo; 
  • E a promoção de acções de formação permanente, contínua, duradoura.
  • Cabe ainda às Regiões Autónomas e aos Municípios a programação de acções de educação permanente, de formação e de sensibilização dos consumidores em geral. O facto é que, de modo institucional, o preceito é autêntica letra morta. 
Na educação para o consumo cabe, entre outros segmentos, o da educação para a comunicação comercial (e a publicidade) de molde a infundir-se nos mais novos uma consciência crítica perante os modos de aliciamento dos consumidores destarte veiculados.

O facto é que, a despeito de manifestações episódicas, não há de modo institucional – e transversal –, nos curricula escolares, algo que se assemelhe à educação para o consumo, nas suas múltiplas vertentes.

A publicidade dirigida às crianças conhece, no plano legal, restrições que não são, por regra, acauteladas.

Eis o que estabelece o Código da Publicidade:
"A publicidade especialmente dirigida a menores deve ter sempre em conta a sua vulnerabilidade psicológica, abstendo-se, nomeadamente, de os incitar directamente, tirando partido da sua inexperiência ou credulidade, a 
  • adquirir determinado produto ou serviço;
  • persuadir seus pais ou terceiros a comprarem produtos ou serviços quaisquer que sejam; 
  • explorar a confiança especial que depositam nos seus pais, tutores ou professores.
  • Conter elementos susceptíveis de fazerem perigar a sua integridade física ou moral, bem como a sua saúde ou segurança, nomeadamente através de cenas de pornografia ou do incitamento à violência."
Por outro lado, o Código estabelece imperativamente que
“os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado.” 
Problema que de há muito se suscita é o de a própria escola se haver transformado em plataforma de comércio.

Algo que ora se agrava particularmente quando nos curricula escolares, por directrizes emanadas de instituições internacionais, devam interferir as empresas, numa promiscuidade que se afigura de proscrever.

Aliás, em 2003, já a Modelo-Continente, com o beneplácito dos ministros do Ambiente e Educação de Portugal, se acercava das escolas, a fim de fazer passar a sua mensagem e influenciar obviamente as decisões dos mais novos.

Repare-se na notícia que segue, extraída dos jornais da época:
“A Modelo Continente… implementou o programa Compra, Peso e Medida dirigido a 2.500 escolas que implica investimentos anuais de 500 mil euros, com objectivo de formar consumidores mais atentos e conscientes.
Este programa criado desde 1996 é desenvolvido junto de 2.500 escolas espalhadas por todo o país, onde estão instaladas lojas Modelo e hipermercados Continente, abrangendo 34 mil professores e 370 mil crianças, dos 6 aos 12 anos de idade, disse José Fortunato, director de marketing da Modelo Continente, em conferência de imprensa.
Apoiado pelos ministérios do Ambiente e Educação, este programa distribui gratuitamente pelas escolas 500 mil documentos por ano, subordinados a diferentes temas…” 
Ora, como se afirma em determinados areópagos, não são inocentes programas do jaez destes, ao jeito de uma pseudo-filantropia que visa arregimentar os mais novos às marcas, sabendo-se como se sabe que 2/3 dos adultos são fiéis a produtos e marcas que se habituaram a usar em crianças.

O problema está longe de se achar equacionado, mas importa debatê-lo, a todos os níveis, porque há que evitar:
  • 1. expor as crianças à exploração das marcas; 
  • 2. permitir que as empresas se passeiem pelas escolas como cão sobre “vinha vindimada” (passe a expressão por menos elegante);
  • 3. a educação para o consumo seja destarte dinamitada e protraída para as calendas. 
O Estado tem uma palavra a dizer. E não pode demitir-se do seu papel fundamental neste domínio.

Mário Frota apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

1 comentário:

Anónimo disse...

Como povo a votar em cães e gatos, e na Catarina Martins, o paradigma já não é: "De pequenino se torce o pepino". Agora regressamos à era mitológica, bem ataviada com novas roupagens urbanas. O novo paradigma é:
“O homem nasce bom, a sociedade corrompe-o”, à maneira de Jean-Jacques Rousseau.
Atualmente, nas escolas, onde já mal se ensina a escrever , ler e contar, não se pode entrar a matar com a Educação para o Consumo, como pretende o Doutor Mário Frota, pois isso implicaria aumentar a extensão de alguns programas letivos, acarretando mais trabalho de estudo para os alunos que, com a flexibilidade curricular, se veem assoberbados de fichas, questões de aula e testes sumativos para fazer!
Para ganhar a batalha do pleno sucesso educativo, o caminho apontado pelos flexíveis é reduzir a quantidade e a qualidade das matérias lecionadas. Neste contexto, introduzir no currículo "Educação para a Consumo" seria contraproducente!

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...