sexta-feira, 10 de maio de 2019

O Benfica e o Porto são superclubes europeus

Texto que nos foi enviado pelo leitor Fernando Tenreiro e que agradecemos.
Estarão os governos a proteger o feito extraordinário da existência de superclubes portugueses ou com a sua ineficácia política estarão a contribuir para a degradação e possíveis fracassos destes expoentes nacionais? A resposta é: Os governos desconhecem a realidade desportiva por estarem despojados de boas instituições desportivas e resta-lhes a vacuidade dos discursos, a nulidade dos actos e a cobertura do imediatismo futebolístico na comunicação social durante legislaturas inteiras. 
Wladimir Andreff e Paul Staudohar, em 2000, constataram a transformação de clubes sem finalidade lucrativa em empresas lucrativas como um racional irreversível. De facto alguns clubes transformam-se em empresas mas o sucesso do futebol profissional não tem de ser feito a partir da captura da riqueza associativa dos clubes que é pertença dos seus associados. O Barcelona é o exemplo da excelência de um clube sem finalidade lucrativa e pertencente exclusivamente aos seus associados para obter vitórias do futebol profissional graças à excelência da gestão de sucessivos dirigentes. Neste movimento europeu de privatização e esbulho dos activos sociais das populações locais, as SAD’s criadas em Portugal são actualmente a forma de todas as aventuras e marginalidades que já levaram à ruína muitos clubes nacionais que eram bandeiras das suas cidades, concelhos e regiões. Tornou-se criminoso que se passem legislaturas sem que nenhum governo mexa nestas matérias cruciais para as populações autarquias e empreendedores locais. 
Mais tarde, em 2015, o investigador de Harvard Matt Andrews procurou compreender a realidade dos maiores clubes europeus que podem ser superiores às maiores empresas de desporto profissionais americanas. Discorreu sobre a relevância dos mecanismos económicos, mais do que os desportivos, para explicar o surgimento dos superclubes à imagem das maiores multinacionais. Apontou duas fases. Na primeira, os clubes tornam-se complexos, altamente criadores de valor de produtos consumidos globalmente. Na segunda, os clubes acumulam novos conhecimentos catalisadores de mecanismos de envolvimento como capital, infraestruturas e liderança adaptativa. A actual filosofia do desporto português sugere que o futebol é um mercado de concorrência perfeita onde o Estado não se deve imiscuir por ser um grande negócio global. 
O futebol necessita que os governos actuem em 3 áreas: Primeiro, Portugal necessita de uma estratégia nacional de promoção do seu futebol para além do que tem feito, nomeadamente na consensualização do que pretende ser e estar no século XXI na produção de futebol nacional e do seu lugar europeu e mundial. No respeitante aos superclubes as políticas deveriam estabelecer objectivos e estratégias nacionais face a parceiros globais que actuam nos maiores países. Segundo, há que desenvolver regulação aplicada a todos os clubes e SAD’s assegurando o cumprimento dos princípios do Fair-Play Financeiro criado pela UEFA e aplicado pela FPF com desenvolvimentos nacionais como os relacionados com a qualificação das unidades locais de produção do futebol. Terceiro, olhar para o todo nacional exige medidas visando o aumento da competitividade dos campeonatos nacionais promovendo condições económicas que permitam aos clubes e aos campeonatos de menor dimensão crescerem desportivamente e aproximar-se dos primeiros. Nas condições actuais o Sporting e o Braga terão uma distância cada vez maior para alcançarem o topo. 
O presidente da UEFA Aleksander Ceferin tem combatido a tendência rentista reafirmando a sua determinação no aprofundamento do Modelo de Desporto Europeu. A defesa dos princípios europeus deveria ser explorada pelos nossos governos. 
Para potenciar os resultados do futebol há que cuidar do todo desportivo. Em primeiro lugar, os governos portugueses deveriam nomear pessoas conhecedoras de desporto e, principalmente, que tivessem “mundo”, o que inexiste! Apenas o político “com mundo” tem a capacidade de liderar a complexidade do desporto. Os nomeados públicos são desconhecidos e estão a destruir a administração pública do desporto. Em segundo lugar, reconceber a totalidade das instituições do desporto foi um fracasso da modernização do Estado e que o desporto mais sofreu às mãos das medidas que sonham com a privatização dos bens públicos e de mérito do desporto. Em terceiro lugar, os governos deveriam promover a competitividade de todos os clubes e federações nacionais e não privilegiar os do costume que oferecem almoços-grátis, dado que a sua posição e a boa política pública vai permitir-lhes beneficiar do investimento feito no associativismo desportivo.
Referências:
• Andreff, W., & Staudohar, P. 2000. The evolving European model of professional sports finance. Journal of Sports Economics, 1, 257–276.
• Andrews, M., 2015, Being Special: The Rise of Super Clubs in European Football, CID Working Paper No. 299, Center for International Development, Harvard University.

Fernando Tenreiro, economista, 02mai2019, fjstenreiro@gmail.com

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