Texto que nos foi enviado pelo leitor Fernando Tenreiro e que agradecemos.
Estarão os governos a proteger o feito extraordinário da existência de superclubes portugueses ou com a sua ineficácia política estarão a contribuir para a degradação e possíveis fracassos destes expoentes nacionais? A resposta é: Os governos desconhecem a realidade desportiva por estarem despojados de boas instituições desportivas e resta-lhes a vacuidade dos discursos, a nulidade dos actos e a cobertura do imediatismo futebolístico na comunicação social durante legislaturas inteiras.
Wladimir Andreff e Paul Staudohar, em 2000, constataram a transformação de clubes sem finalidade lucrativa em empresas lucrativas como um racional irreversível. De facto alguns clubes transformam-se em empresas mas o sucesso do futebol profissional não tem de ser feito a partir da captura da riqueza associativa dos clubes que é pertença dos seus associados. O Barcelona é o exemplo da excelência de um clube sem finalidade lucrativa e pertencente exclusivamente aos seus associados para obter vitórias do futebol profissional graças à excelência da gestão de sucessivos dirigentes. Neste movimento europeu de privatização e esbulho dos activos sociais das populações locais, as SAD’s criadas em Portugal são actualmente a forma de todas as aventuras e marginalidades que já levaram à ruína muitos clubes nacionais que eram bandeiras das suas cidades, concelhos e regiões. Tornou-se criminoso que se passem legislaturas sem que nenhum governo mexa nestas matérias cruciais para as populações autarquias e empreendedores locais.
Mais tarde, em 2015, o investigador de Harvard Matt Andrews procurou compreender a realidade dos maiores clubes europeus que podem ser superiores às maiores empresas de desporto profissionais americanas. Discorreu sobre a relevância dos mecanismos económicos, mais do que os desportivos, para explicar o surgimento dos superclubes à imagem das maiores multinacionais. Apontou duas fases. Na primeira, os clubes tornam-se complexos, altamente criadores de valor de produtos consumidos globalmente. Na segunda, os clubes acumulam novos conhecimentos catalisadores de mecanismos de envolvimento como capital, infraestruturas e liderança adaptativa. A actual filosofia do desporto português sugere que o futebol é um mercado de concorrência perfeita onde o Estado não se deve imiscuir por ser um grande negócio global.
O futebol necessita que os governos actuem em 3 áreas: Primeiro, Portugal necessita de uma estratégia nacional de promoção do seu futebol para além do que tem feito, nomeadamente na consensualização do que pretende ser e estar no século XXI na produção de futebol nacional e do seu lugar europeu e mundial. No respeitante aos superclubes as políticas deveriam estabelecer objectivos e estratégias nacionais face a parceiros globais que actuam nos maiores países. Segundo, há que desenvolver regulação aplicada a todos os clubes e SAD’s assegurando o cumprimento dos princípios do Fair-Play Financeiro criado pela UEFA e aplicado pela FPF com desenvolvimentos nacionais como os relacionados com a qualificação das unidades locais de produção do futebol. Terceiro, olhar para o todo nacional exige medidas visando o aumento da competitividade dos campeonatos nacionais promovendo condições económicas que permitam aos clubes e aos campeonatos de menor dimensão crescerem desportivamente e aproximar-se dos primeiros. Nas condições actuais o Sporting e o Braga terão uma distância cada vez maior para alcançarem o topo.
O presidente da UEFA Aleksander Ceferin tem combatido a tendência rentista reafirmando a sua determinação no aprofundamento do Modelo de Desporto Europeu. A defesa dos princípios europeus deveria ser explorada pelos nossos governos.
Referências:Para potenciar os resultados do futebol há que cuidar do todo desportivo. Em primeiro lugar, os governos portugueses deveriam nomear pessoas conhecedoras de desporto e, principalmente, que tivessem “mundo”, o que inexiste! Apenas o político “com mundo” tem a capacidade de liderar a complexidade do desporto. Os nomeados públicos são desconhecidos e estão a destruir a administração pública do desporto. Em segundo lugar, reconceber a totalidade das instituições do desporto foi um fracasso da modernização do Estado e que o desporto mais sofreu às mãos das medidas que sonham com a privatização dos bens públicos e de mérito do desporto. Em terceiro lugar, os governos deveriam promover a competitividade de todos os clubes e federações nacionais e não privilegiar os do costume que oferecem almoços-grátis, dado que a sua posição e a boa política pública vai permitir-lhes beneficiar do investimento feito no associativismo desportivo.
• Andreff, W., & Staudohar, P. 2000. The evolving European model of professional sports finance. Journal of Sports Economics, 1, 257–276.
• Andrews, M., 2015, Being Special: The Rise of Super Clubs in European Football, CID Working Paper No. 299, Center for International Development, Harvard University.
Fernando Tenreiro, economista, 02mai2019, fjstenreiro@gmail.com
Sem comentários:
Enviar um comentário