segunda-feira, 23 de maio de 2016

Esperemos que se seja uma "útil lição"

Do que tenho lido na imprensa sobre a questão do financiamento público a algumas escolas particulares e cooperativas, destaco um artigo de opinião - Útil lição - da autoria do filósofo João Maria de Freitas-Branco, divulgado no Público de hoje (aqui) e do qual destaco algumas passagens.
"É sabido que uma evidência não é absoluta garantia de extinção da polémica. Disso nos dá prova a ruidosa discussão a que se tem assistido em torno das escolas privadas e dos chamados contratos de associação.
Que o Estado tem a obrigação de formar, manter e assegurar o competente funcionamento de uma rede escolar pública de modo a garantir uma educação base acessível a todos, ou seja, gratuita e universal, é uma evidência em qualquer país moderno, democrático, civilizacionalmente desenvolvido.
Evidente é também a obrigação estatal de garantir o direito de existência do ensino privado, sob variadas formas (cooperativas, colégios particulares, escolas tuteladas por instituições religiosas, etc.). Essa escola privada concorrerá lealmente com o sector público procurando conquistar alunos para os respectivos estabelecimentos de ensino, mediante a oferta de propostas/projectos pedagógicos aliciantes.
Não menos evidente é a ilegitimidade e a injustiça de o Estado financiar uma pequena percentagem de escolas privadas em regiões em que o próprio Estado assegura, com o dinheiro de todos nós, uma oferta que satisfaz por completo as necessidades locais, garantindo o acesso universal e gratuito à educação básica.
Se na ausência de situações de excepção (carência de oferta) o Estado optasse por continuar a financiar, com o nosso dinheiro, um conjunto minoritário de escolas privadas, estaria desde logo a incorrer numa descabelada injustiça relativamente à imensa maioria dos estabelecimentos de ensino privado que não recebem nenhum financiamento público. Teria esta maioria (97%) todas as razões para vir manifestar-se ruidosamente contra o Governo, por indecente favorecimento de uns poucos – sendo talvez instrutivo saber quem são eles, esses menos de 3% de colégios privados.
E também nós, cidadãos contribuintes, deveríamos protestar com igual veemência por utilização abusiva, ilegítima e danosa do nosso dinheiro.
É evidentemente uma boa notícia para os cidadãos contribuintes saber que se reduziu de modo significativo a necessidade de recurso a turmas complementares criadas no sector privado, por efeito da conjugação das alterações demográficas com o efectivo aumento da rede de ensino público.
Perante este conjunto de cristalinas evidências parece dever-se concluir que o alarido em torno da questão não passa de pura inutilidade e perda de tempo. Parece mas não é. Porquê?
Porque esta questão oferece óptima oportunidade de fruirmos esplêndida lição sobre o que é (...) favorecer os interesses privados, pondo o Estado, a riqueza pública criada pelo trabalho da generalidade dos cidadãos, ao serviço dos negócios de entidades privadas. É fazer com que o Estado fique refém dos negócios de minorias constitutivas do poderio (...) É a imoral apropriação dos dinheiros públicos, o nosso dinheiro, para os colocar na mão de uns tantos que pertencem à mesma irmandade desses governantes.
Estes exercem a governação com o essencial propósito de manter um certo poderio. O que parecia inútil é na verdade muito útil para a educação cívica dos portugueses. Fica dada uma boa lição e com ela só não aprenderá quem não quiser."

1 comentário:

regina disse...

Texto muito lúcido e oportuno.
Vou referi-lo no meu blogue.
Obrigada pela partilha
Regina Gouveia

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