Mausoléu, livro publicado em 1975 por Hans Magnus Enzensberger, é
composto por 37 baladas que correspondem a 37 revolucionários, alguns apóstolos e/ou técnicos, como diria Roger Martin du Gard, e outros cientistas.
Por exemplo, na astronomia,
encontramos o cosmopolita de nariz decepado Tycho Brahe e a sua supernova 1572; Charles Messier, o descobridor da galáxia M31, que chegava ao ponto de chorar
a perca de um cometa. Na fisiologia, Étienne Marey, o fisiologista com a íris
cega e cor de brometo de prata, inventor do cronógrafo e do cronofotógrafo (filmara
o voo de uma gaivota, ou de um pelicano?!, e a pedalada de um ciclista.) Na
realização cinematográfica, o pai do guião, do estúdio, enfim, do cinema,
George Méliès com o seu ar de proprietário de circo de pulgas. E, na
matemática, a escolha do poeta alemão recaiu no solteirão exasperado Charles
Babbage, o inventor da máquina analítica, e em Alan Turing, o projetor da
máquina universal de Turing, a MTU.
É sabido que nunca leu um jornal;
que ele próprio tricotava as suas luvas; que perdia constantemente malas,
livros, casacos; e que, quando quebrava à mesa o seu silêncio pertinaz, ou gaguejava estridentemente ou desatava a rir como uma gralha. Os olhos eram de um
azul brilhante anorgânico, como um vidro pintado.
Bem, imaginemos então uma máquina
automática A capaz de simular toda e qualquer outra máquina automática An.
A é uma caixa negra alimentada por uma tira de papel sem fim; esta fita é o
mundo exterior da máquina. Está dividida em campos, estando cada um deles, ou
vazio ou marcado com um sinal. Imaginemos agora que A lê pacientemente um campo
atrás do outro, faz andar a fita para o campo seguinte ou anterior e\ou apaga
um sinal e\ou acrescenta um sinal; e chamamos a este aparelho, do nome do seu
inventor, uma máquina de Turing.
Sabemos também que ele se
isolava, tomando as suas precauções; que usava roupa andrajosa, viajava na
entrecoberta, dormia em espeluncas. Estava claramente empenhado em se apagar.
Uma noite, na sua casa de campo, uma barraca decrépita, envenenou-se, talvez
por engano, com cianeto de potássio, como num romance de Agatha C.. Qualquer
semelhança com pessoas vivas ou mortas é pura coincidência.
É também geralmente aceite que
toda a máquina automática especial, que calcule órbitas de satélites, escreva
mazurcas ou gere outras máquinas, é apenas um caso particular de An de
A. Isto aplica-se também aos casos em que An é duas vezes maior ou
x-vezes mais complexa do que A.Ele próprio fazia as suas rodas
dentadas, num torno que tinha na cave. Cansado
dos meios de transporte públicos, andava por vezes milhas e milhas a pé pelos
campos. Costumava reparar rádios e outros aparelhos com arames. Os serviços
secretos admiravam-no, porque era capaz de furar qualquer código. Mas perdia
facilmente os sentidos, mesmo sem razão aparente.
Temos perfeita consciência de que
é impossível antecipar, sem falhas, as soluções que a máquina é capaz de dar e
as que não é. Qualquer sistema fechado suficientemente complexo contém
postulados indecidíveis. Poderá parecer ridículo, mas é um facto que a prova só
pode ser fornecida pela prova. De resto, estamos convencidos de que a máquina
automática universal será infinitamente lenta, e nunca foi construída.
Seja como for, costumava andar de
bicicleta à chuva; e achava prático atar um despertador de cozinha ao cinto e
pôr uma máscara de gás; o primeiro para ser pontual, a segunda, por medo de
apanhar febre dos fenos, pois sofria de asma. Seja como for, é um aspeto humano
que nos tranquiliza. Por que razão evitava sempre tocar na pele de outras
pessoas, sem distinções de sexo, é coisa que não podemos saber.
Mas quanto à máquina de Turing,
sugerimos uma experiência. Um de nós – vamos chamar-lhe B – entra em contato
com ela (por meio de um dispositivo de visualização de dados ou do telégrafo).
C, um censor, tem por missão vigiar o diálogo. A simula um indivíduo, e o mesmo
acontece com B; e C tem de decidir qual deles é o indivíduo e qual a máquina.
Vamos chamar a este esquema experimental, usando o nome do inventor, um teste
de Turing.
Na arte dos autómatos é possível produzir obras de arte sem que se construa ou manipule qualquer máquina, do mesmo modo que se podem conceber métodos de calcular a órbita de uma astro que nunca vimos (Condorcet).
De cada vez que a máquina se deixa apanhar (ou porque cometeu um erro, ou porque não cometeu erro nenhum), ela aperfeiçoa o seu programa. Está sempre a aprender. A questão é saber quando é que o jogo vai acabar. Não respondemos a esta pergunta, mas constatamos que o jogo pode durar muito tempo, e que nunca foi jogado.
De qualquer modo, mantém-se o boato segundo o qual era possível, especialmente em certos dias de Outubro, vê-lo nos arredores de Cambridge, atravessando campos de restolho, num ziguezague imprevisível através do nevoeiro.
Editora: Cotovia
Tradução: João Barrento
Sem comentários:
Enviar um comentário