Minha crónica no Público de hoje:
Agora que se aproximam as
eleições legislativas e presidenciais, um sinal muito preocupante sobre o
estado da democracia portuguesa acaba de ser publicado no sítio da Presidência
da República. Um estudo sobre as situações e atitudes dos jovens portugueses da
autoria de investigadores do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa apurou que 70% dos jovens nacionais entre os 15 e os 24 anos consideram
a hipótese de emigrar. A razão é compreensível: 38% dos inquiridos nessa faixa
etária estão sem emprego há mais de um ano, enquanto na faixa etária entre os
25 e os 34 anos essa percentagem se eleva para 53%.
Não admira, por isso, que os
jovens estejam descrentes em relação à nossa democracia. Só 17% dos jovens entre
os 15 e os 34 anos consideram que ela funciona bem, cerca de metade dos que
diziam o mesmo num estudo semelhante de 2007. Os números são impressionantes:
57% dos jovens entre os 15 e os 24 não se interessam nada por política, cerca
do dobro do que acontecia em 2007. Se essa tendência se mantiver, em breve serão
100%! Os números respeitantes à participação cívica dos jovens vão também em
triste queda: entre os 15 e os 34 anos, só 4% participam em partidos, 4% em
sindicatos e 6% em associações profissionais (em 2007 esses números eram,
respectivamente, 14%, 12% e 20%, isto é, o seu envolvimento em grupos de
participação cívica caiu para cerca de um terço).
Não são aliás só os jovens que
estão insatisfeitos com a política lusitana. Num inquérito europeu de 2013 só
22% da nossa população se encontrava satisfeita com a democracia, figurando
Portugal nos últimos lugares, entre o Kosovo e a Rússia (no topo da lista estão
a Suíça e a Noruega, com 85% e 84% de cidadãos satisfeitos).
Embora inquéritos deste tipo sejam
elucidativos, os seus resultados estão longe de surpreender. Bastava ir às recentes
festas da Queima das Fitas para verificar que os estudantes viviam os últimos
dias antes da partida para o estrangeiro. No cortejo da Universidade do Minho,
a queima chama-se “enterro da gata” e o tema do enterro deste ano era “a gata
deu à sola”. Lia-se num carro do cortejo: “Deixem-nos ficar”. Os pais de uma
finalista declararam ao Jornal de Notícias:
“Espero que Passos não a mande para fora.”
É sintomático este depoimento. De
facto, foi Passos Coelho quem incitou à emigração juvenil, propalando umas
balelas sobre a universalidade dos portugueses. O primeiro-ministro ainda há
pouco elogiou publicamente Dias Loureiro porque ele “viu muitas coisas por esse
mundo fora”. O mundo que esse ministro e conselheiro de Estado de Cavaco Silva (entre
uma coisa e outra administrador do Banco Português de Negócios) viu é Angola e
Cabo Verde.
Com certeza que, para jovens em
formação, circular é uma óptima opção. Mas já é muito mau se essa opção for a
única. E é pior quando o regresso não tem qualquer hipótese. Nestes tempos
sombrios em que metade da ciência nacional foi purgada pela dupla Passos Coelho
- Crato, os casos que me chegam de fuga de cérebros são inúmeros. Conheço uma
estudante de doutoramento da área da astronomia que não teve bolsa da Fundação
para a Ciência e a Tecnologia, mas foi escolhida pela União Astronómica
Internacional para um lugar no Japão. E recebi há dias esta mensagem de alguém
que não conheço: “Sou um jovem de 30 anos feitos em Março, que, devido à
conjuntura socioeconómica e ao clima de guerra silenciosa em que o Estado se
apodera de tudo quanto pode, tive que abandonar o país. Não aguentava mais viver
onde não me eram dadas quaisquer oportunidades de emprego. O meu Portugal é
governado por pessoas que pensam única e exclusivamente em si. Estou a viver em
Inglaterra e acabo de me candidatar ao doutoramento em Psicologia.”
E que diz a isto tudo o
Presidente Cavaco Silva, que referiu o estudo do Instituto de Estudos Sociais
nos seus últimos Roteiros do Futuro, intitulados Portugal e os Jovens - Novos rumos, Outra esperança? Declarou em bom
politiquês que “é fundamental desenvolver uma estratégia vocacionada para a
criação de emprego qualificado e para a credibilização das instituições e seus
protagonistas”. E sobre a apatia cívica dos jovens: “De uma vez por todas, é
imperioso ter consciência da gravidade deste fenómeno e da necessidade premente
de agir”. Lê-se e não se acredita. Pois não está ele numa instituição e não é
ele protagonista? E não esteve ele em instituições e não foi ele protagonista? Cavaco
Silva está na política há mais de 35 anos (foi ministro das Finanças em 1980 e 1981,
primeiro-ministro de 1985 a
1995 e Presidente da República de 2006 até hoje), mas só agora vê premência de
agir.
O regime caiu no abismo da indiferença, por vezes da aversão, por parte dos cidadãos que nasceram no seu tempo político. Não perceberá que simboliza melhor que ninguém uma democracia em desagregação?
O regime caiu no abismo da indiferença, por vezes da aversão, por parte dos cidadãos que nasceram no seu tempo político. Não perceberá que simboliza melhor que ninguém uma democracia em desagregação?
2 comentários:
Culpem o naturalismo racionalista que sabe o que é o melhor para nós. Esta sociedade está podre, especialmente o seu núcleo. Não há cura para isto, vai ter de ir abaixo e crescer de novo.
Que sentido faz falar da taxa de desemprego entre os 15 e os 24 anos se a escolaridade obrigatória é até aos 18 anos?
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