O primeiro-ministro queria que as eleições se lixassem, mas
já começou a lixá-las. À falta de pensamento político, usa a astúcia. Como as
sondagens não o colocavam no poleiro, resolveu coligar-se ao CDS para as
próximas legislativas. Antes já enchera os bolsos, graças à emissão
desenfreada de dívida pública, para que, na expiração do seu mandato, reduza em
algumas migalhas a dívida. Por outro lado, a sua política de privatizações não
pára, como não param os casos de tuberculose nas escolas, a atomização caótica
do SNS e o aumento de desempregados. Ao elogiar Dias Loureiro, não me apanhou
de surpresa (nem ao residente de Belém), porque ainda me lembro das declarações
que Passos Coelho fizera a respeito da licenciatura do seu amigo Miguel Relvas.
Quando chegarem as eleições, a porta vai estar polida e os portugueses vão
levar o lixo nos passos.
Não sei se Passos Coelho leu o romance de Margaret Mitchell
(E Tudo O Vento Levou) e se se inspirou na governação do estado da Geórgia, por
Rufus Bullock, após a guerra civil americana. Eu só espero que o fascismo ou o
neoliberalismo (os fascistas passaram a adorar o dinheiro e a espezinhar a moral!)
não se solidifique e que a noite escureça a porta. Também Scarlett O’Hara
regressa sozinha a Tara, após três casamentos.
Este excerto do romance é histórico:
«O Estado sufocava sob o peso das contribuições, pagas de má
vontade, pois os cidadãos sabiam que, na maior parte, as somas destinadas ao
interesse geral eram embolsadas por certos números de indivíduos.
Em torno do parlamento estadual apertava-se um círculo de
oportunistas, de especuladores, de criaturas sem moral e vindas na esperança de
tirar proveito da orgia louca das despesas, que a muitos enriquecia. Não tinham
dificuldade em obter subvenções do Estado para construir, para comparar
carruagens e locomotivas que jamais seriam compradas, para construir edifícios
públicos que só se construíam na imaginação desses aventureiros.
Emitiam-se títulos de dívida pública, aos milhões, sempre de
modo ilegal e fraudulento. O funcionário responsável do Tesouro, homem sério
embora republicano, protestava contra essas emissões e negava-lhes a
assinatura; mas, como acontecia a todos que procuravam opor-se àquela onda de
abusos, os seus esforços eram inúteis.
A rede de caminho-de-ferro, que outrora proporcionara
recursos permanentes ao Estado, vivia em regime deficitário, e a dívida atingia
a linda soma de um milhão de dólares. Já não era uma rede de caminho-de-ferro,
mas uma enorme cavalariça de Augias, onde os parasitas chafurdavam à vontade.
Havia inúmeros funcionários nomeados por motivos de ordem política, sem que
ninguém quisesse saber da sua competência.
(…)
O sistema que reinava na administração do caminho-de-ferro
exasperava deveras os contribuintes, tanto mais que, em princípio, os lucros da
exploração deviam ser aplicados no estabelecimento de escolas gratuitas. Mas,
como só havia dívidas e nenhuns lucros, nenhuma escola se abria. Eram poucas as
pessoas ricas que pudessem mandar os filhos às instituições pagas, de modo que
essa geração em idade escolar crescia na ignorância, preparando um futuro de
homens e mulheres sem qualquer instrução.
Mais ainda que a desordem nas finanças públicas, enfureciam
os georgianos contra as autoridades do Norte o desperdício e a corrupção de que
dava provas o governador.»
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