quarta-feira, 27 de maio de 2015

AINDA A PSEUDO-AVALIAÇÃO DA CIÊNCIA NACIONAL

Ao contrário do que se passou com José Mariano Gago, para o ministro Nuno Crato a ciência não foi uma prioridade política. Tal como na educação, tratava-se simplesmente de cortar  sem um critério racional. Mandou fazer cortes e mais cortes no sistema científico-tecnológico português, para além dos cortes no ensino superior, esquecendo que a ciência representava o meio por excelência de ganhar o futuro. Mas. na ciência, foi bastante pior do que cortar. Os recursos disponíveis, quaisquer que eles fossem, deviam ter sido atribuídos de um modo aberto e racional. Mas, com uma tenebrosa gestão na Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), passaram a ser atribuídos de um modo secreto e irracional, completamente ao revés do espírito científico. Em vez de uma política participada, aberta aos contributos da comunidade científica, houve uma exercício autocrático de poder..

 A pseudo-avaliação das unidades científicas foi um dos exemplos mais evidentes do descalabro na ciência em Portugal. A FCT, com o apoio do ministro, encomendou à European Science Foundation (ESF) uma avaliação das unidades científicas nacionais que, soube-se depois, continha uma cláusula escondida: Metade das unidades devia ser excluída logo na 1.ª fase do processo. Quando houve a percepção de que os resultados catastróficos dessa “avaliação” provinham dessa regra nunca anunciada e nunca justificada, a FCT tentou iludir a realidade, mentindo a esse respeito. Desmentiu o que estava à vista de todos. Mas não foi apenas uma "poda", não se tratou apenas da eliminação sumária de metade das unidades onde se praticava ciência em Portugal. Acontece que a metade escolhida não era formada pelos melhores centros em várias áreas (bastava consultar índices de produção científica). Os peritos da ESF eram em número insuficiente e, em muitos casos, pouco qualificados. Não existiu, em muitos casos, uma avaliação por especialistas. Muitos pareceres não faziam, em largos excertos, qualquer sentido. Tal resultou em parte do facto de, na 1.ª fase, as unidades nem sequer terem sido visitadas, como manda a lei. O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), reconhecendo a validade de muitas reclamações, afirmou que o processo era um “falhanço pleno”.

 Na 2.ª fase, a arbitrariedade continuou, com atropelo das regras estabelecidas pela FCT e visitas feitas, nalguns casos, por não especialistas. Em suma, a “avaliação” da FCT-ESF não teve nunca a necessária qualidade. Em verdade se diga que os financiamentos também não seguiram a avaliação, tendo sido efectuados para os centros apurados na 2.ª fase com base essencialmente nos pedidos que eles tinham efectuado (a FCT falou de "modulação", mas eram apenas cortes mais ou menos arbitrários). Não admira que os protestos dos investigadores tenham de novo chovido. Das 178 unidades da 2.ª fase (eram 322 à partida) 123 protestaram. Tal como na 1.ª fase, a reclamações da 2.ª fase permaneceram sem resposta atempada e adequada. Só para dar um exemplo do despautério governamental: numa altura de austeridade do Orçamento de Estado, a FCT decidiu atribuir chorudos financiamentos públicos a fundações privadas. Lá fora, as fundações privadas ajudam o Estado, em Portugal é o Estado que ajuda as fundações privadas

 Em 7 de Abril passado, demitiu-se o presidente da FCT, confrontado não só com os continuados protestos perante o desconchavo, mas também com a sua ocupação do cargo a tempo parcial. A manifesta falta de qualidade da gestão da FCT poderia ter a ver com a falta de tempo do seu presidente, que continuava professor no Imperial College de Londres. Foi então nomeada uma presidente interina, que ainda não reconheceu os erros que prejudicaram e prejudicam gravemente o sistema científico português. A pseudo-avaliação da FCT-ESF, caucionada do início ao fim por Nuno Crato, lançou o descrédito sobre a FCT e o Ministério da Educação e Ciência, não podendo ser reparada com remendos. Não há, de facto, nenhuma maneira de endireitar a sombra de uma vara torta.

4 comentários:

Anónimo disse...

Esta é a pouca-vergonha que parece escondida e sem quem queira falar delas.

"a FCT decidiu atribuir chorudos financiamentos públicos a fundações privadas."

Anónimo disse...

P.f. confrontar com o texto recentemente colocado no sítio da FCT sobre o assunto... a FCT orgulhosamente informa que 80% das Unidades serão financiadas nos próximos seis anos.

Anónimo disse...

se fosse só isto ...já era mau, mas há mais: há unidades classificadas com BOM que viram os eus parcos 5000 Eur reduzidos a 0 ("zero"). Porquê? Reclamaram!
Ah é verdade: acabaram de receber o "aviso de recepção" dessa reclamação...lá para Setembro terão o novo painel de avaliação! Não há vergonha!

A FCT nem percebe que mais do que o financiamento, o motivo de maior injustiça é uma ERRADA "pseudo-avaliação"!

A desonestidade chega a mais: essas mesmas unidades a quem foi acenado um montante de 25 000 eur anuais caso capitulassem a uma "dita" reestruturação fantoche...têm no seu site da FCT uma situação VIRTUAL: têm ATRUIBUÍDO um montante de 50 000Eur para os próximos 2 anos (quais...?). Esta FARSA só serve para alimentar as "estatísticas" para enviar falsos números para a comunicação social..!
Já não há vergonha na cara!

Anónimo disse...

Há muito que o sítio da FCT se tornou num instrumento de propaganda política que toma a comunidade científica portuguesa como sendo atrasada mental

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...