“Imaginamos o que desejamos, queremos o que imaginamos e, por
fim, acreditamos no que queremos” (Bernard Shaw, Prémio Nobel 1925).
No passado dia 11 de Abril deste ano, em cerimónia de entrega
de diplomas de formatura num estabelecimento de ensino politécnico da margem
esquerda do Mondego, o presidente do Instituto Politécnico de Coimbra, Rui Antunes, voltou a defender a mudança do nome de Ensino
Superior Politécnico para Universidade Técnica.
Desta forma, aproveitou a ocasião para ser novamente porta-voz da sua discordância pessoal e institucional sobre a nomenclatura atribuída a um ensino predestinado a ministrar cursos com a duração de apenas dois
anos lectivos (curiosamente, cursos repescados pelo actual Ministério da Educação).
Cursos do ensino politécnico que passaram a atribuir bacharelatos, depois
licenciaturas e actualmente mestrados com pretensões, insistentemente reiteradas,
de atribuírem doutoramentos.
Ou seja, esta espécie de crisma para universidade técnica em
vez de dignificar este actual subsistema de ensino superior, levaria ao seu descrédito pela
criação de universidades de segundo plano em substituição de um ensino
politécnico de créditos firmados em herança honrosa de antigos e prestigiados
cursos médios, v.g., institutos industriais e comerciais.
Ipso facto, esta pretensão carece de razão
legítima, entre outros motivos, por poder
corporizar o receio de Fernand Brandel: “Tenho
medo das pessoas que acham que podem, da noite para o dia, agarrar a sociedade,
torcer-lhe o pescoço e fazerem uma nova”. Acresce que nem sequer é inédita!
Já em décadas passadas, com o sugestivo
título “A Diplomocracia", escrevia António
José Saraiva (na opinião de Eduardo Lourenço, “uma referência-chave da cultura
portuguesa”) o seguinte:
“Há meses uma cidade do Norte de Portugal reclamava um instituto ‘universitário’. Por amor da ciência e da instrução? Não, porque já possuía um instituto ‘técnico’. O que realmente se reclamava era uma mudança de palavra: que o ‘técnico’ passasse a chamar-se ‘universitário’ com os mesmos cursos, programas e mestres. E assim foi: mudou-se a palavra, e por causa disso houve arraial e foguetório. Parece anedota, mas não é. É só um exemplo da importância que se liga à palavra Universidade. À palavra e não à coisa. Porque a Universidade anda de rastos e em vias de se tornar num asilo de atrasados mentais a julgar por recentes concursos que houve em escolas de ciências humanas. Mas é próprio da superstição o valor mágico das palavras” (“Diário de Notícia”, 31/08/1979).
Aliás, para a verdadeira balbúrdia criada entre os ensinos
superiores universitário e politécnico
muito contribuiu a respectiva legislação. A propósito, escrevi no “Diário de
Coimbra” (13/11/2004):
“De há três décadas para cá, a criação de cursos superiores públicos e privados em Portugal, para além de não ser devidamente planificada em termos quantitativos, estabeleceu uma verdadeira babilónia entre o ensino universitário e o ensino politécnico e suas fronteiras. A própria Lei de Bases do Sistema Educativo (1986), traduz o aspecto nebuloso que presidiu a este statu quo. Nos respetivos formulários, os ensinos universitário e politécnico pouco diferem na forma e no conteúdo consentindo diversas leituras que permitem que o ensino politécnico navegue à bolina dos interesses dos seus diplomados e com terra à vista dos sucessivos graus académicos que vão exigindo. Quase se pode dizer que a respectiva legislação se viu perante aquilo que quis dizer e não disse e aquilo que disse e não quis dizer”.
Escreveu Churchill: “Quanto mais para trás se olhar mais para a
frente se pode ver”. Portanto, nada melhor que fazer o balanço das universidades existentes actualmente , relativamente a tempos chegados
a 25 de Abril com apenas quatro universidades: Coimbra, Lisboa, Porto e Nova de
Lisboa. Sem entrar em linha de conta com
universidades privadas, apelidadas “de
vão de escada”, existem actualmente oito universidades públicas (por ordem
alfabética: Algarve, Coimbra, Lisboa, Madeira, Minho, Nova de Lisboa, Porto,
Trás-os-Montes e Alto Douro). No que
tange a institutos politécnicos, existem seis situados, respectivamente, em
Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Lisboa, Porto e Santarém. De realçar que a
doutrina que presidiu à criação do ensino politécnico apontava para a sua
implantação em regiões carenciadas de ensino superior. Curiosamente, foi este
ensino implantado, ex abrupto, em
Lisboa, Coimbra e Porto cidades de longa e cimentada tradição de ensino universitário.
Este verdadeiro boom
de instituições de ensino superior, por vezes, nascidas como cogumelos em
terreno húmido de interesses regionais (e não só!), deu azo a que a frequência de alunos nas próprias
universidades e mesmo estabelecimentos de ensino politécnico descesse
vertiginosamente a ponto de fazer perigar a respectiva sobrevivência económica.
E como uma asneira traz atrás de si novas asneiras, sendo até
então condição sine qua non de acesso
ao ensino superior o 12.º ano do ensino secundário, logo foram criadas as “Novas
Oportunidades” e o “Exame de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos” que, pelo exagerado
facilitismo de que se revestem, nem de perto nem de longe exigem o estudo e a
aplicação do diploma do ensino secundário e/ou dos extintos e exigentes “Exames
ad-hoc”.
Sagazmente, numa espécie de apelo a votantes, António
Costa apresenta no Programa Eleitoral do Partido Socialista o ressurgimento das
Novas Oportunidades. Eu até poderia concordar com “oportunidades” que melhorassem o conhecimento teórico de práticas
profissionais e nunca como uma forma de oportunismo em dar saltos de canguru
para um diploma do 12.º anos e posteriores estudos superiores de duvidosa
qualidade perdendo-se, com isso, um bom profissional para se “ganhar” um
licenciado de pouca ou nenhuma utilidade para o país. Unicamente como
ornamento de pechisbeque de umas tantas personagens governamentais ou das
bancadas de S. Bento.
E, se como
escreveu Gabriel Garcia Marquez, “tudo o
que sucede sucede por alguma razão”, é Portugal no seu pior para satisfação de uma determinada “diplomocracia” de ensino superior que tem
como objectivo a escandalosa obtenção de
“canudos”!
2 comentários:
Professor Rui Baptista, concordo consigo.
Devo dizer que todas essas iniciativas nefastas tinham necessáriamente a concordancia de Mariano Gago (que foi ministro durante 12 anos). É bom não esquecer isso.
Cumprimentos,
Obrigado engenheiro Ildefonso Dias pela sua chamada de atenção.Claro que não esqueci esqueço ou esquecerei o que se passou nos respectivos bastidores. Brevemente, publicarei um texto (saído no DRN) que o demonstra.
Entretanto, como é o caso deste meu post, é verdadeiramente estranho o mutismo dos responsáveis pelo "statu quo" actual e que corre o risco de antigas e novas exigências do ensino politécnico , algumas delas, com o apoio da Fenprof., em benefício de uns tantos seus associados.
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