sexta-feira, 29 de maio de 2015

LUZ E SOM


Texto meu no último As Artes entre as Letras:

Em francês diz-se de alguns espectáculos que são son et lumière. Som e luz têm em comum a capacidade de inebriarem os nossos sentidos, mas do ponto de vista físico, têm também em comum o facto de se deverem a ondas. Em ambos os casos falamos de velocidade de onda, de comprimento de onda (a distância entre dois pontos consecutivos equivalentes) e de frequência (o inverso do período, sendo o período o tempo que uma onda demora a percorrer um comprimento de onda). Como a velocidade num dado meio é sempre a mesma e como qualquer onda avança de um comprimento de onda num período, comprimento de onda e frequência são grandezas relacionadas uma com a outra.

Existe ainda um paralelo que diz respeito às nossas limitações de percepção. Não conseguimos ouvir sons com frequências menores do que 20 hertz e maiores do que 20.000 hertz (o hertz, a unidade de frequência, é o inverso do segundo), o que significa com comprimentos de onda maiores do que 17 metros e comprimentos de onda menores do que 1,7 centímetros). E temos também uma espécie de “palas” na vista: não conseguimos ver luz com frequência menores do que 750 terahertz e maiores do que 400 terahertz (um terahertz é um bilião de hertz), o que significa com comprimentos de onda maiores do que 400 nanómetros e menores do que 700 nanómetros (um nanómetro é um milionésimo do milímetro). A explicação tem a ver com a nossa contingência da vida na Terra. Os nossos ouvidos desenvolveram-se, no longo e lento percurso da evolução darwiniana, de modo a ouvir melhor os sons que são comuns na Terra, incluindo o som da nossa voz (produzida pelas nossas cordas vocais). Por seu lado, os nossos olhos desenvolveram-se, no decorrer do mesmo percurso, para captarem ao máximo a luz que a nossa estrela – o Sol – emite com maior intensidade. Na nossa retina existem receptores, os cones, que optimizam a captação de três cores fundamentais do espectro visível - o verde, o azul e o vermelho - enviando sinais eléctricos ao cérebro, através do nervo óptico. São bem conhecidos os casos de animais que ouvem de uma maneira mais ampla do que nós: por exemplo os cães captam sons entre os 15 e os 50.000 hertz, ao passo que os morcegos conseguem captar sons entre os 10 e os 120.000 hertz. Os cães conseguem captar infrassons, sons com menos de 20 hertz, associados a terramotos. E os morcegos conseguem orientar-se no escuro utilizando a sua maravilhosa possibilidade de ecolocalização: emitem ultrassons, sons com mais de 20.000 hertz, que regressam aos seus ouvidos depois da reflexão em obstáculos. Por sua vez, no que concerne à visão, as abelhas conseguem ver luz ultravioleta, guiando-se por essa luz em campos de flores na sua incansável tarefa de polinização.

Existem, todavia, importantes diferenças. As ondas de som exigem um meio material para se propagarem: pode ser o ar, mas pode ser também a água ou o metal. O som é bastante mais rápido na água ou num metal porque as partículas que constituem o meio estão mais próximas umas das outras. Em contraste, as ondas de luz, embora podendo atravessar o ar ou a água (são paradas por um meio metálico), conseguem também propagar-se no vazio. A luz é mais lenta na água do que no ar, ao contrário do que acontece com o som. Uma outra diferença é que as ondas de som são, em geral, longitudinais, isto é, as oscilações do meio dão-se na direcção da propagação, ao passo que as oscilações responsáveis pela luz (oscilações de grandezas abstractas: campos eléctricos e magnéticos) são transversais, isto é, perpendiculares à direcção de propagação. E uma outra diferença substancial, de resto muito conhecida, entre som e luz consiste no facto de o som ser muito mais lento do que a luz: no ar, em condições de temperatura normal, o som propaga-se a 343 metros por segundo, ao passo que a luz no vazio se propaga a uns estonteantes 300.000 quilómetros por segundo (no ar é praticamente a mesma coisa). A velocidade da luz é, de resto, a maior possível para a transmissão de informação no Universo. Nada no mundo pode ir mais rápido do que a luz!

As ondas de som e de luz, apesar de muito diferentes, podem ter o mesmo comprimento de onda. A forma de luz invisível conhecida por microondas, que usamos nas comunicações entre telemóveis, têm comprimentos de onda entre um milímetro e um metro, portanto com alguma sobreposição com os comprimentos das ondas sonoras audíveis. As ondas de luz com comprimentos de onda superiores a um metro chamam-se ondas de rádio (a separação entre microondas e ondas de rádio é apenas convencional, não tendo a ver com qualquer diferente percepção para os humanos) têm também comprimentos de onda que se sobrepõem com os de sons audíveis. As ondas sonoras com mais de 17 metros são os tais infrassons, sons muito mais graves do que aqueles que conseguimos ouvir.

Através do nosso conhecimento do som e da luz, conseguimos usar a luz para enviar sons. Num estúdio de rádio o locutor fala para um microfone. Toda uma electrónica converte esse som num sinal eléctrico, que é emitido através de uma antena. Os sinais sonoros são codificados em ondas de luz (ondas de rádio) e logo temos o som a propagar-se à velocidade da luz. Um prodígio tecnológico que se realiza desde que há telefonia sem fios.

Algo parecido se passa numa simples sala onde alguém faz um discurso. Num microfone sem fios: o som captado pelo microfone é convertido primeiro num impulso eléctrico e depois numa forma de luz invisível que, atravessando o ar, é captada por uma antena, que o transforma em corrente eléctrica. Um circuito adequado muda a corrente de novo em som, emitido por altifalantes. O som natural de um orador a falar numa sala com um microfone sem fios é completamente abafado pelo som intenso que sai das colunas, um som que viajou entre microfone e colunas sob a forma de luz.

Som e luz, parecem tão distantes e afinal ficaram tão próximos após o nosso conhecimento se ter apoderado deles e a nossa técnica os ter entrelaçado.


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