Texto meu no último As Artes entre as Letras:
Em francês diz-se de alguns
espectáculos que são son et lumière. Som
e luz têm em comum a capacidade de inebriarem os nossos sentidos, mas do ponto
de vista físico, têm também em comum o facto de se deverem a ondas. Em ambos os
casos falamos de velocidade de onda, de comprimento de onda (a distância entre
dois pontos consecutivos equivalentes) e de frequência (o inverso do período,
sendo o período o tempo que uma onda demora a percorrer um comprimento de
onda). Como a velocidade num dado meio é sempre a mesma e como qualquer onda
avança de um comprimento de onda num período, comprimento de onda e frequência
são grandezas relacionadas uma com a outra.
Existe ainda um paralelo que diz
respeito às nossas limitações de percepção. Não conseguimos ouvir sons com
frequências menores do que 20 hertz e maiores do que 20.000 hertz (o hertz, a
unidade de frequência, é o inverso do segundo), o que significa com
comprimentos de onda maiores do que 17 metros e comprimentos de onda menores do
que 1,7 centímetros). E temos também uma espécie de “palas” na vista: não
conseguimos ver luz com frequência menores do que 750 terahertz e maiores do
que 400 terahertz (um terahertz é um bilião de hertz), o que significa com
comprimentos de onda maiores do que 400 nanómetros e menores do que 700
nanómetros (um nanómetro é um milionésimo do milímetro). A explicação tem a ver
com a nossa contingência da vida na Terra. Os nossos ouvidos desenvolveram-se,
no longo e lento percurso da evolução darwiniana, de modo a ouvir melhor os
sons que são comuns na Terra, incluindo o som da nossa voz (produzida pelas
nossas cordas vocais). Por seu lado, os nossos olhos desenvolveram-se, no
decorrer do mesmo percurso, para captarem ao máximo a luz que a nossa estrela –
o Sol – emite com maior intensidade. Na nossa retina existem receptores, os
cones, que optimizam a captação de três cores fundamentais do espectro visível
- o verde, o azul e o vermelho - enviando sinais eléctricos ao cérebro, através
do nervo óptico. São bem conhecidos os casos de animais que ouvem de uma
maneira mais ampla do que nós: por exemplo os cães captam sons entre os 15 e os
50.000 hertz, ao passo que os morcegos conseguem captar sons entre os 10 e os
120.000 hertz. Os cães conseguem captar infrassons, sons com menos de 20 hertz,
associados a terramotos. E os morcegos conseguem orientar-se no escuro
utilizando a sua maravilhosa possibilidade de ecolocalização: emitem
ultrassons, sons com mais de 20.000 hertz, que regressam aos seus ouvidos
depois da reflexão em obstáculos. Por sua vez, no que concerne à visão, as
abelhas conseguem ver luz ultravioleta, guiando-se por essa luz em campos de
flores na sua incansável tarefa de polinização.
Existem, todavia, importantes
diferenças. As ondas de som exigem um meio material para se propagarem: pode
ser o ar, mas pode ser também a água ou o metal. O som é bastante mais rápido
na água ou num metal porque as partículas que constituem o meio estão mais
próximas umas das outras. Em contraste, as ondas de luz, embora podendo
atravessar o ar ou a água (são paradas por um meio metálico), conseguem também
propagar-se no vazio. A luz é mais lenta na água do que no ar, ao contrário do
que acontece com o som. Uma outra diferença é que as ondas de som são, em
geral, longitudinais, isto é, as oscilações do meio dão-se na direcção da
propagação, ao passo que as oscilações responsáveis pela luz (oscilações de
grandezas abstractas: campos eléctricos e magnéticos) são transversais, isto é,
perpendiculares à direcção de propagação. E uma outra diferença substancial, de
resto muito conhecida, entre som e luz consiste no facto de o som ser muito
mais lento do que a luz: no ar, em condições de temperatura normal, o som
propaga-se a 343 metros por segundo, ao passo que a luz no vazio se propaga a
uns estonteantes 300.000 quilómetros por segundo (no ar é praticamente a mesma
coisa). A velocidade da luz é, de resto, a maior possível para a transmissão de
informação no Universo. Nada no mundo pode ir mais rápido do que a luz!
As ondas de som e de luz, apesar
de muito diferentes, podem ter o mesmo comprimento de onda. A forma de luz
invisível conhecida por microondas, que usamos nas comunicações entre
telemóveis, têm comprimentos de onda entre um milímetro e um metro, portanto
com alguma sobreposição com os comprimentos das ondas sonoras audíveis. As
ondas de luz com comprimentos de onda superiores a um metro chamam-se ondas de
rádio (a separação entre microondas e ondas de rádio é apenas convencional, não
tendo a ver com qualquer diferente percepção para os humanos) têm também
comprimentos de onda que se sobrepõem com os de sons audíveis. As ondas sonoras
com mais de 17 metros são os tais infrassons, sons muito mais graves do que
aqueles que conseguimos ouvir.
Através do nosso conhecimento do som
e da luz, conseguimos usar a luz para enviar sons. Num estúdio de rádio o
locutor fala para um microfone. Toda uma electrónica converte esse som num
sinal eléctrico, que é emitido através de uma antena. Os sinais sonoros são
codificados em ondas de luz (ondas de rádio) e logo temos o som a propagar-se à
velocidade da luz. Um prodígio tecnológico que se realiza desde que há
telefonia sem fios.
Algo parecido se passa numa
simples sala onde alguém faz um discurso. Num microfone sem fios: o som captado
pelo microfone é convertido primeiro num impulso eléctrico e depois numa forma
de luz invisível que, atravessando o ar, é captada por uma antena, que o
transforma em corrente eléctrica. Um circuito adequado muda a corrente de novo
em som, emitido por altifalantes. O som natural de um orador a falar numa sala
com um microfone sem fios é completamente abafado pelo som intenso que sai das
colunas, um som que viajou entre microfone e colunas sob a forma de luz.
Som e luz, parecem tão distantes
e afinal ficaram tão próximos após o nosso conhecimento se ter apoderado deles
e a nossa técnica os ter entrelaçado.
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