domingo, 23 de novembro de 2014

Menos do que uma molécula?

Meu artigo no Público de hoje:

Escreveu-me em carta aberta neste jornal Telma de Gonçalves Pereira, a propósito do meu artigo “Ciência Diluída”. Começa por me informar que a homeopatia é antiga. Bem, a crítica é tão antiga como ela. Camilo Castelo Branco, que estudou medicina, escreveu com ironia: “Não duvidava assegurar-me que dez gotas de nux lançadas das Berlengas ao mar podiam converter o oceano num remédio bom para dores de estômago, de cabeça e outras.”  

Diz que a homeopatia actualmente “é indicada” em vários países, entre os quais Portugal. Não sei o que quer dizer com isso, há sempre quem “indique” as coisas mais absurdas. Se, no caso do nosso país, se está a referir às recentes portarias que regulamentam o exercício de terapias alternativas, concedo que o efeito dos grupos de pressão fora da ciência não é nada diluído. Sobre a cultura científica dos políticos portugueses e sobre a sua permeabilidade a influências já todos nós sabemos. Mas nada disso substitui as provas científicas, e estas mostram que os remédios homeopáticos são belíssimos placebos, nada mais. Claro que há alguns ensaios clínicos enviesados que podem dar a ideia contrária, pois há asneiras em todo o lado, até na ciência. Se esses ensaios fossem credíveis, a homeopatia não era alternativa mas sim mainstream. Ou acha que há milhões de cientistas em todo o mundo que, de modo conspirativo, querem esconder a enorme eficácia da homeopatia? De resto, vender remédios homeopáticos é um óptimo negócio para as farmacêuticas e, se de facto funcionassem, seria ainda melhor. Seria bom não só para elas mas também para todos nós.

Fala-me no efeito de pequenas dose de radiação. O problema da homeopatia é que não tem pequenas doses: não tem dose nenhuma. Como porventura sabe, o efeito de menos do que um fotão é nenhum. O efeito de menos do que uma molécula também é nenhum.

Termina oferecendo-me uma consulta e eu fiquei na dúvida se será consigo. Estou bem, obrigado, mas se tiver algum problema não irei decerto a um “médico homeopata”, que me parece uma contradição nos termos. Aliás, acho muito estranho que a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, onde se formou e onde ensinou (e onde também se formou e ensina o actual Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia), albergue ideias ou práticas homeopáticas. Não foi isso decerto o que aprendeu e ensinou na Faculdade.

Desejo-lhe muita saúde, pelo menos tanto quanto a que vou tendo,


Carlos Fiolhais

13 comentários:

Anónimo disse...

"o efeito de menos do que um fotão é nenhum"

Homeopatia à parte, seria bom não dar pontapés na Física dos Quantas. Não existe o efeito de menos do que um fotão, pois o fotão é o agente mínimo (não existem fracções de fotão).

Anónimo disse...

Penso que era precisamente essa a ideia...

Anónimo disse...

Em primeiro lugar a frase surge como uma afirmação do próprio. Em segundo lugar uma diluição de um para mil (? é mais?) é diferente de menos de um fotão. É comparar duas coisas diferentes. Num caso o efeito prático de tal diluição, noutro a impossibilidade teórica de existir um agente. Por fim, o "efeito de menos de menos de uma molécula é também nenhum" é uma afirmação falsa. Atacar a homeopatia agredindo elementos basilares da física não parece ser grande via de argumentação. É simplesmente entrar no campo do adversário e deitar no lixo o rigor.

Anónimo disse...

Toda a gente sabe que a Doutora Telma Gonçalves Pereira fez o doutoramento na Universidade Lusófona onde foi colega de estudos do Doutor Miguel Relvas.

Rui Baptista disse...

Numa altura em que aparecem profissionais da prática e do próprio ensino da Medicina Académica ou Alopata a defenderem a Homeopatia, seria de interesse pronunciar-se a Ordem dos Médicos sobre esta controversa temática.

Rui Baptista disse...

Adenda: "a defenderem a Homeopata", acrescento: "a defenderem e a praticarem a Homeopatia".

Judite Castro disse...

:) quando eu era criança havia quem usasse azeite morno para tratar as otites...
Claro, não havia dinheiro para médicos e muito menos para os medicamentos...
Era a alternativaà medicina

Anónimo disse...

No entanto ela move-se.
Onde terá sido dito?
Em que condições?
A Homeopatia é.
Logo se existe terá de ser equacionada.
Mas reconheço a dificuldade em ser formulada a equação, de todas as partes envolvidas.
Factos são factos e devem merecer ponderação séria.
Não se entende tanta birra com a Homeopatia.
A questão até pode parecer interessante em provocar dialogo, mas não certamente com as "certezas" que cada parte defende.
Não é por ser "praticada por Médicos que a Homeopatia terá mais ou menos créditos.
Mas sim por ser Bem Praticada.
Como é possivel funcionar?
Sei lá, mas o CERNE também procura respostas.
Se funciona claro que sim e sem ser sugestão de forma alguma.
Não basta afirmar a impossibilidade para se ter a certeza do impossivel.
Att
Fernando Neves

Anónimo disse...

Não se entende tanta birra contra Ptolomeu.

Anónimo disse...

Pois, como diz o outro anónimo tudo tem um grão de verdade de Ptolomeu a Copérnico.

Anónimo disse...

Não há birras com Ptolomeu. Ptolomeu é brilhante, talvez um génio ao nível de Newton.

Anónimo disse...

O problema é que não é nada claro que funcione. O que há são relatos a dizer que funciona, mas isso não é nada. Há relatos do Adamastor e do chupa-cabras...

Foram tentadas várias experiências, a grande maior parte não confirma a hipótese. As poucos que suportam a hipótese da homeopatia funcionar nunca foram replicadas, ou seja têm pouco ou nenhum suporte científico.

Coloca-se sempre a hipótese académica de haver algo que ainda não foi descoberto, mas neste caso não há nada que sugira que haja um mecanismo novo a ser descoberto que permita a homeopatia.


Por fim, é intelectualmente pouco satisfatório o processo de trabalho das pessoas que defendem a homeopatia. Primeiro inventam as regras segundo as quais a homeopatia funciona (like cures like e quanto mais diluído melhor). Estas regras surgiram do nada, e agora tenta-se investigar para arranjar suporte para essas regras inventadas à sorte.

Francisco Domingues disse...

A homeopatia só será credível se e quando apresentar: 1 - a composição das moléculas das suas gotas milagrosas; 2 - o método utilizado para a dosagem aconselhada; 3 - a eficácia comprovada em casos suficientes (mil?) para ser aceite como tal. De outro modo, será um diálogo de surdos ou um "eu digo que sim, tu dizes que não".

35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"

Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...