domingo, 9 de novembro de 2014

DOMÍNIOS MORFOSSEDIMENTARES DE TRANSIÇÃO NA INTERFACE TERRA–MAR (2)

A primeira parte do texto encontra-se aqui.
Delta do Mekong, no Vietnam

Entre as várias propostas de classificação dos deltas, merece referência a divulgada por Robert W. Galloway, em 1975. Com base num diagrama triangular, em cujos vértices situa a importância relativa do rio, das ondas e das marés na modelação da frente deltaica em progradação, o autor distingue, assim:

- deltas de dominância fluvial,
- deltas de maré e
- deltas de ondulação, 


um tema que não será aqui desenvolvido, mas que o leitor poderá encontrar em Galloway, R. W. (1975) - «Process framework for describing the morphologic and stratigraphic evolution of deltaic depositional system», Broussard, Ed., bem tratado na obra referenciada.

No delta do Mississipi domina o acarreio fluvial (materializado por uma carga sólida fina, em suspensão) sobre as outras duas componentes do triângulo de Galloway. Trata-se de um delta fortemente construtivo, em que os canais se alongam por construção terminal de tributários estreitos, em bifurcações sucessivas. Este tipo de delta é também conhecido por bird-foot, expressão que equivale ao nosso bem conhecido “pé-de-galo”.

O delta do Nilo mostra que há sobreposição da influência fluvial e da ondulação (vagas). O do Ganges, ao contrário dos do Mississipi e do Nilo, testemunha uma forte influência das marés.

Do ponto de vista morfológico, o delta exibe:

- a planície deltaica superior, a montante, aluvial e emersa relativamente ao nível do mar e às águas fluviais fora dos episódios de cheia:
- a planície deltaica inferior (nem sempre representada), ao nível da zona intertidal [1], sujeita às influências marinhas;
- a frente deltaica correspondente à parte marinha, onde os sedimentos fluviais mergulham no mar; - o prodelta, sob a forma de um leque inclinado 1 a 10º, ligando a frente deltaica aos fundos da plataforma continental.

A frente deltaica prograda para o largo e, assim, as primeiras fases deste avanço ficam recobertas pelos depósitos fluviais da planície deltaica. No seu avanço progradante, a frente do delta vai recobrindo os sedimentos mais finos do prodelta, dispostos numa atitude menos inclinada.

Do ponto de vista sedimentar, no corpo do delta distinguem-se:

- a unidade superior formada por camadas sub-horizontais de sedimentos fluviais depositados na sua parte geralmente emersa, onde os braços do rio (normalmente um principal e outros secundários), divagam em canais distributários, difluentes [2];
- a unidade frontal em estratificação oblíqua, bem marcada e em progradação, que vai crescendo, em sucessivos leques submarinos divergentes, a partir do seu contorno frontal;
- a unidade basal ou de fundo, com estratificação sub-horizontal, que constitui a base do edifício deltaico a montante do seu contorno frontal e corresponde a anteriores e sucessivos prodeltas recobertos pela progradação da frente deltaica.

Os deltas actuais são entidades geológicas jovens, todos eles holocénicos, posteriores, portanto, à última glaciação. O seu estudo permite-nos reconhecer os ambientes deltaicos do passado. A sedimentação deltaica é fundamentalmente detrítica, com predomínio das areias, entre as quais podem ocorrer leitos de cascalho, evidenciando situações de maior energia das águas que espalham os detritos arenosos, concentrando, assim, os mais grosseiros. Pelo contrário, em períodos e em locais de acentuada acalmia podem depositar-se sedimentos finos, responsáveis pela ocorrência de lentículas silto-argilosas no seio das areias.

Nos grandes deltas, podem ocorrer áreas isoladas, maiores ou menores, mais ou menos fechadas às acções do rio e do mar por períodos mais ou menos longos. Tais zonas, de tipo lacustre, palustre ou lagunar, são ambientes propícios à sedimentação biogénica, conducente à formação de carvões ou de hidrocarbonetos, como aconteceu no passado em alguns corpos sedimentares de origem deltaica, identificados no registo geológico.

Na história dos deltas podem verificar-se alternâncias, locais ou generalizadas, de fases ou períodos de progradação (própria do avanço destes corpos sedimentares) com outras de retrogradação, isto é, de recuo, decorrente de avanços ou conquistas do mar sobre a terra (transgressões). Em resultado desta alternância, formam-se sucessões de depósitos deltaicos progradantes, separados por descontinuidades, marcadas, às vezes, por intercalações de sedimentos marinhos.

Os episódios transgressivos (avanços do mar sobre a terra) estão, geralmente, marcados por sequências positivas, em que as camadas arenosas são cada vez menos espessas da base para o topo e, simultaneamente, de granularidade mais fina, no mesmo sentido.

Os episódios regressivos (recuos do mar por abaixamento do seu nível geral) estão, geralmente, marcados por sequências negativas, em que as camadas de areia são cada vez mais espessas e de granularidade mais grosseira da base para o topo.

Os corpos deltaicos do registo geológico podem atingir milhares de metros de espessura, em relação com deformações várias na fronteira terra-mar. Muitos deles encerram jazidas importantes de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), carvões e minérios de urânio, entre outros.

Notas:
[1] Faixa do litoral situada entre a preia-mar e a baixa-mar. O termo radica no inglês, tide, maré. O mesmo que intermareal. 
[2] Que divergem do curso principal. O contrário de confluentes. 
Este texto continua)
 A. Galopim de Carvalho

Sem comentários:

35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"

Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...