terça-feira, 11 de novembro de 2014

E, "salas, quartos, camas de bebés e tudo o que tenha uma câmara"


Imagem copiada do Diário de Notícias
No Diário de Notícias de hoje, o jornalista Bruno Abreu assina um artigo - Site vigia 276 casas portuguesas e exibe imagens sem donos saberem - que toda a gente deveria ler. Melhor, que toda a gente deveria ler (de preferência na versão em papel, por conter mais informação) as vezes que fossem necessárias para compreender perfeitamente as implicações do que se desvenda nesse artigo.

O que lá se conta era de esperar que um dia viesse a público: existe um "sítio" de internet a partir do qual se pode aceder a milhares e milhares de câmaras de vigilância de casas, lojas, cafés.. de todo o mundo. E, "salas, quartos, camas de bebés e tudo o que tenha uma câmara".

Portugal não está excluído (sim, Portugal, o país em que vivemos; nós, no "nosso quintal"). Eis um extracto da notícia:
"Numa loja de óculos de Matosinhos, vazia, uma funcionária vai consultando o computador enquanto conta o tempo que demora a passar. Na janela ao lado, outra pessoa serve vinho aos clientes num restaurante de Lisboa. Mais abaixo, no Funchal, as traseiras de uma casa albergam um conjunto de cadeiras, mesas e guarda-sóis que descansam, inutilizados, face ao mau tempo trazido por novembro (...). 
Em Portugal o site observa 276 localizações de norte a sul e ilhas. O DN viu estas imagens num computador da redação, simplesmente acedendo ao site Insecam que garante ter acesso a 73 mil câmaras de vigilância, com recolha de imagens pela internet em todo o mundo."
É paradoxal a atitude desse "sítio": expõe a privacidade de pessoas particulares para "altruisticamente" denunciar... a falta de privacidade das pessoas, em geral. Explico melhor: mostra ao mundo a realidade vivencial de pessoas concretas para explicar que isso pode ser feito, está a ser feito, mas não deve ser feito!

(Trata-se de uma atitude muito diferente do trabalho de encenação da realidade que a artista Gail Albert Halaban realizou. Isto é legítimo; aquilo não)

O jornalista ouviu um jurista, especialista em protecção de dados, que lhe disse que a prática do "sítio" não é legal, e ouviu também um inspector da polícia judiciária, que lhe disse tratar-se de um crime.

Sim, claro, mas acontece! E vai continuar a acontecer, seguir-se-á a divulgação de mensagens de correio electrónico, de redes sociais, etc, etc, etc. até o mundo se tornar num lugar absolutamente impossível para... vivemos. Apenas para isso: para exercermos o direito de viver a nossa vida.

A menos que as pessoas tomem consciência da destruição do valor inestimável que é a privacidade e se recusem a participar no que a pode perturbar, nada poderá parar o que a destrói.

3 comentários:

Isaltina Martins disse...

É o mundo das tecnologias a atacar por todo o lado. Aquilo que se "inventa" e se "consome" para comodidade pessoal, para defesa, para diversão, acaba por tornar-se, através de usos abusivos, na invasão da privacidade, na "coscuvilhice", que, em tempos remotos, era típica das vizinhas que se sentavam ao sol em tardes primaveris... É o preço a pagar. Já de nada vale o velho conselho: uti non abuti...

Helena Damião disse...

O abuso, é no caso, duplo: por parte de quem "coscuvilha" e por parte de quem denuncia a "coscuvilhice". Além de que é à escala mundial. Por comparação, as vizinhas são inofensivas, além de que têm o sentido de saber com quem coscuvilhar. A coscuvilhice anónima é imensamente, imensamente pior.
Um abraço,
Helena Damião

Anónimo disse...

A tecnologia evolui, e com essa evolução, vai a facilidade de utilizar certos equipamentos. Com os equipamentos vai o manual de instruções e, por vezes, à distância de um click, vai até um guia prático de "como se proteger na internet". Quero com isto dizer que, se a informação está a ser divulgada para a rede pública (internet), quem a publica certamente não está preocupado com a privacidade. Portanto, parte-se do principio que as imagens dessas camaras estão na internet por indiferença do proprietário. Se não lhe fosse indiferente, certamente tomaria medidas para proteger o conteúdo que elas emitem.

Cumprimentos.

NO AUGE DA CRISE

Por A. Galopim de Carvalho Julgo ser evidente que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas...