sábado, 8 de novembro de 2014

O currículo a saque - 2

"Um novo ano lectivo se aproxima! Quem apoiaria o "eu sou feliz" na iniciativa de levar a prática de yoga junto das escolas, gratuitamente? Apelo a autarquias, empresas e outras instituições! (...) Encontrar parceiros que apoiem a iniciativa como associações, IPSS, empresas e autarquias, que tenham interesse em contribuir com dinâmicas de impacto social."
                                                           Sónia, 2013 (aqui).

A imagem, ao lado, que usei no texto O currículo a saquetem a ver com um dos muitíssimos exemplos que o poderia ilustrar: o yoga como componente curricular.

Enquadrando: na notícia que ouvi acerca do reforço e ampliação das competências das autarquias e das tais "forças vivas das comunidade" no currículo escolar, constava uma diversificada lista de componentes que, por sua iniciativa, as direcções dos agrupamentos de escolas já acolheram e tencionam manter.

Devo dizer que cada uma dessas componentes se me afigurou mais "radical" do que a anterior e todas elas, para o que se entende ser o gosto geral, muito apelativas. Isto percebe-se se nos lembrarmos que os agrupamentos de escolas não são bem escolas (isto é, sítios para se ensinar e se aprender) são uma espécie de empresas que, nessa medida, têm de agradar aos mais variados "públicos" (é mesmo assim que se chamam os alunos e os seus encarregados de educação, bem como outros grupos que se aproximam deles) até para serem bem avaliados e não fecharem portas.

Então, nessa lista constava o yoga.

Esclareço que não tenho nada contra ou a favor do yoga, mas como toda e qualquer componente que se pense introduzir no currículo deve ser cuidadosamente ponderada, esta e outras como esta não podem ser excepção. Assim há que perguntar:

a) Faz sentido que o yoga conste no currículo escolar? Não faz sentido nenhum. Uma pessoa que se interesse por yoga pode colocar os seus filhos nas múltiplas "academias" onde conste essa modalidade. O mesmo não se pode dizer da História ou da Química (e já nem falo da Cultura Clássica), que, não se aprendendo na escola, dificilmente se aprendem noutro lado.

b) Para incluir o yoga no currículo o que tem de sair? Alguma componente tem de sair, pois as crianças e os jovens não podem estar vinte e quatro horas na escola em actividades (no tempo da "Escola a tempo inteiro", podiam estar até doze horas. Doze!). O tempo não estica e é, por isso, que o currículo tem de se restringir ao fundamental, que, nessa medida, não se pode delegar em mais nenhuma instituição.

c) O yoga é ideologicamente neutro, como toda e qualquer componente curricular deve ser? Não é, e não faço esta afirmação sem ter analisado várias "iniciativas" implantadas em escolas. Tal como outras componentes que as "forças vivas da comunidade" propõem ou impõem às escolas há sempre escolhas muito próprias que fazem pelos sujeitos a quem a educação se destina, substituindo-os. Na frase que serve de entrada a este texto, e que dá conta de um projecto de yoga para as escolas, a sua autora quer (ela, Sónia, quer) que os alunos se sintam felizes, como se a felicidade não fosse um sentimento dos mais íntimos que cada um pode ou não ter.

Não tenho dúvida nenhuma de que, nos próximos anos, o obscurantismo (que não se parecerá nada com isso, mas como abertura, dinamismo, criatividade...) aumentará no currículo escolar, talvez até tome conta dele, não sei o que se poderá fazer para o superar. Pensar nisto e inquietarmo-nos talvez seja um começo.


2 comentários:

Anónimo disse...

O problema não está no Yoga para ser feliz, e concordo que não é uma escolha neutra, ainda que as pessoas que a promovam ignorem as consequências mais profundas e pensem apenas no seu ganha-pão. Na cultura ocidental há igualmente versões úteis e mais adequadas culturalmente para os jovens ganharem maior consciência do corpo, relaxarem, por sinal algo bem necessário, como por exemplo a Eutonia de Gerda Alexander. O problema é que as pessoas que lideram as instituições/escolas e as forças vivas da comunidade são competentes ignorantes movidos pelo espírito de evitar o 'desconhecido', como muita desta gente tirou o seu cursinho e logo partiram para a carreira profissional, é óbvio que irão perpetuar uma visão estreita da realidade e da liderança de manada. Esta espiral anti-progresso e anti-curiosidade só adere ao modismo e ao exotismo, tudo num movimento de popularidade sem consistência e que sim, esse espírito terá a tendência de contagiar todo o currículo.

Anónimo disse...

O problema do tipo de cidadãos e de pais que temos é bem descrito por Medina Carreira em ''Se os pais virem os filhos a serem bem sucedidos na Escola...''
http://www.youtube.com/watch?v=A6zuObK25Go
Isto explica muita coisa do que vemos, pais que poderiam mudar a Escola para melhor, deixam-se usar na sua destruição. Este pais são claramente um fruto maduro do sistema escolar e um espírito que os preparou para ''comerem e calarem''.

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