sábado, 1 de novembro de 2014

A privacidade nas cidades

Talvez não possamos voltar atrás, talvez não queiramos voltar atrás, talvez não nos interesse voltar atrás... Quem diz voltar atrás, pode dizer dar um passo em frente, pôr em causa, discutir, aceitar ou recusar, (re)ver limites...

Falo de privacidade, de reserva da vida privada e íntima, do direito de estar só... essa invenção que decorre de uma necessidade humana básica: se enveredarmos por uma abordagem histórica, e antropológica e etnográfica, percebemos que a privacidade, não obstante assumir diversas manifestações, tem marcado presença ao longo do tempo e em todas as culturas.

É certo que também tem sido uma constante a tentativa de a superar, de conhecer o "outro" (entendido como uma pessoa ou um grupo mais restrito ou mais alargado) no que lhe é mais reservado, de saber o que faz, diz ou pensa. E isto, sobretudo, como curisiosidade (quem é o outro, o que pode esconder...) e de controlo (prever os comportamentos do outro, conseguir informações que podem jogar a seu desfavor...).

Estas forças de sentido contrário obrigararam a regulação, social e legal, das fronteiras entre o público e o privado. Porém, na contemporaneidade, num quadro do pensamento pós-moderno que, qual capacete, usamos em todas as circunstâncias, qualquer regra é tornada subjectiva e relativa, passando a não valer nada. Acresce que, com os meios técnicos que conseguimos construir e que temos disponíveis, ao acesso de qualquer um, podemos observar tudo e todos a todo o momento. As únicas fronteiras são éticas e, essas, quem as reconhece "passa fome", palavras muitíssimo verdadeiras de uma famosa apresentadora de televisão portuguesa.

Nesta matéria, a técnica é mesmo muito rentável é, portanto, aplaudida: quem inventa artimanhas de captação do rasto, da identificação, da expressão de alguém é reconhecido, ganha prémios.

Fotografia (manipulada) de Gail Albert Halaba
É (só) a técnica, não a ética que interessa! (E, longe de mim, condenar a técnica, no seu sentido mais geral, mas a técnica sem a ética é cega!)

Isoldamente, uma ou outra voz desafia este princípio. Talvez não seja o suficiente, mas é sinal de que ele é interrogado.

Tive, agora, conhecimento da voz, em forma de arte, de Gail Albert Halaban (aqui). Para fazer notar a "falta de privacidade nas cidades", fotografou janelas de prédios de Nova Iorque e Paris e compôs imagens com pessoas do lado de dentro. O resultado, que o leitor pode apreciar aqui, não nos deveria deixar indiferentes.

1 comentário:

Anónimo disse...

Prof.Helena Damião:
Penso que tem razão nas considerações que faz sobre a questão da privacidade. Contudo quanto ás janelas não tapadas não sei se a causa será a mesma. Na minha experiência pessoal de vida em países como a inglaterra, a Suécia,a Dinamarca verifiquei que as janelas, regra geral, não têm cortinados e pode observar-se o que se passa dentro de casa das pessoas. O que para nós portugueses é, de início, muito estranho e até desconfortável.Tendo questionado amigos desses países sobre esse facto responderam que tinha a ver com questões ligadas à religião protestante: quem não tem nada a esconder, não esconde; partem também do princípio de que não se olha para dentro decasa dos outros.
Lembrei-me agora do filme «Janela Indiscreta», de Hitchock...

Cumprimentos,

Luísa Almeida, Lisboa

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