sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Devia haver mais uma disciplina... e mais outra... e mais outra...

"Devia haver uma disciplina sobre o mundo digital"
Diz, "empresário na área de produção de conteúdos digitais  
"Violência doméstica vai ser tratada nas escolas"
 Diz secretária de estado da Igualdade (Sol, 07/11/2014, p. 24-25)
Estes são dois títulos da imprensa de hoje, que me chegaram às mãos. Não estranharia que tivessem sido publicados mais deste teor. Explico porquê.

1. A escola passou a ser vista como a tábua de salvação para todos os problemas que afectam a sociedade e que a sociedade não sabe ou não quer resolver:

se as pessoas não vão votar, pede-se à escola para resolver,
se se entende que as pessoas não têm uma alimentação correcta, pede-se à escola para resolver;
se se entende que as práticas sexuais se desviam da cartilha; pede-se à escola para resolver;
se se entende que somos responsáveis pela desgraça económica, pede-se à escola para resolver;
se se entende que existe discriminação de qualquer tipo, pede-se à escola para resolver;
se se entende que se bebe ou fuma demais, pede-se à escola para resolver;
se se entende que os hábitos de higiene não são os melhores, pede-se à escola para resolver;
etc, etc, etc.

Pode-se alegar a importância, a extrema importância, a urgência, até, de cada uma destas "educações para...". Em geral é isto que acontece. "Se não for a escola a..." - é o argumento. Um argumento "mais-que-estafado", que me recuso a aceitar.
Uma razão é que, com tantas solicitações à escola, esvai-se o tempo e a disponibilidade para se ensinar e se aprender o essencial, as matérias que nenhuma outra instituição trabalha com a mesma extensão e profundidade
Outra razão é que as "educações para..." decorrem de opções ideológicas e de outras ainda menos confessáveis. Ora, a escola não serve para doutrinar ou para empurrar, mas para ensinar o que tem sentido que ensine.

2. Instalou-se a ideia de que qualquer pessoa, grupo, conselho, associação, empresa... pode e deve dar opinião sobre o currículo escolar, com destaque para a sua composição. Mais, pode e deve fazer pressão para que nele conste "mais isto", ou que nele conste "isto em vez daquilo".

Pode-se alegar a importância da participação da comunidade na escola, na medida em que a escola a todos diz respeito. Não nego a relevância dos processos de auscultação à comunidade, mas a educação formal (também) tem de ser ponderada por quem entenda do assunto. Em concreto, o currículo não pode ser visto como uma soma de partes desconexas, introduzida uma agora e outra logo, tendo uma o sentido A, outra o sentido B... O currículo tem de ser encarado como um todo consistente, um todo que decorre de decisões amadurecidas por referência ao que é Bem para os alunos, para a Sociedade e para a Humanidade e nunca num horizonte de curto prazo.

Trata-se de decisões as mais da vezes demoradas e sempre difícies que não nada têm a ver com a ligeireza das propostas que cada vez mais pessoas e entidades fazem, em função daquilo que as preocupa ou dos interesses que têm num determinado momento.

6 comentários:

Unknown disse...

Concordo plenamente, parabéns pela observação.

Luís Ferreira disse...

Não se ensina. Formata-se ideologicamente os alunos. As "educações parra" são adições ideológicas, aparentemente inócuas, com as quais se formatam crianças desde a mais tenra idade. Que povo fantástico seremos no futuro. Já o somos...

As pessoas não dão conta, mas o que se está a fazer é a criar um tal de "homem novo" que tem conseguido resistir a ser criado. A escola, com a anuência ignorante das famílias e da sociedade, passou a ser o meio perverso para esse fim.

Experimente-se: https://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=educa%C3%A7%C3%A3o+para+site:.pt e veja-se o número de "educações" que existem. Depois tente-se entender os conteúdos que são ensinados. É ideologicamente assustador.

Pretende-se encerrar escolas, como o Instituto de Odivelas, porque têm uma marca ideológica clara, mas esclarecida, que as famílias conhecem e com a qual concordam, e depois, subrepticiamente, formata-se ideologicamente uma população inteira, sabedo-se qoe os resultados só são visíveis daqui a duas dezenas de anos, pelo menos.

Ninguém se queixe de sermos um povo de cordeiros, sem alma, consentindo tudo, aceitando o que nos põem à frente. Fomos ensinados a isso. Ensinámos isso.

Cisfranco disse...

"O currículo tem de ser encarado como um todo consistente, um todo que decorre de decisões amadurecidas por referência ao que é Bem para os alunos, para a Sociedade e para a Humanidade e nunca num horizonte de curto prazo."
E para se conseguir isto a escola tem que ser estável, com um corpo estável de professores, pôr de parte a táctica do desenrasca e haver planos com um horizonte estável e alargado muito para além dos calendários eleitorais. Eliminar definitivamente a prática de usar alunos como cobaias de programas educativos alguns deles de comprovado demérito.

Anónimo disse...

um exemplo arrepiante disso é a tolerância que os pais têm demonstrado com a implementação do (des)Acordo Ortográfico de 90 na Escola. Nunca os pais tiveram tanto Poder para mudar o futuro dos filhos, nunca os professores o foram menos.

Anónimo disse...

Pena que não tivesse publicado o meu comentário de ontem à noite.
'' O mundo é mudado pelo teu exemplo, não pela tua opinião '' - Anónimo

Helena Damião disse...

Prezado último anónimo
Talvez por engano tenha eliminádo o seu comentário, se assim foi, pelo desculpa.
Maria Helena Damião

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