As novas notas de 10 euros,
que nos chegam às mãos para logo voarem, retomam o mito de Europa, através da
figura de um vaso grego existente no Museu do Louvre. Trata-se de um kratêr do
século IV a.C. onde se vê uma jovem reclinada, rodeada de outras donzelas, e
um touro de um branco brilhante que se ajoelha perante ela.
EUROPA, assim se chamava a bela filha de Agenor, que
reinava na Síria (Agenor era filho de Líbia, aquela que deu o nome a essa
região da terra), por quem o rei dos deuses se apaixonou. Segundo o poeta
alexandrino do século II, Mosco, que ao mito dedica um longo poema, Europa teve
um sonho muito perturbador e intrigante. Sonhou que dois continentes, ambos com
forma de mulher, a disputavam e afirmavam ter direitos sobre ela. Um deles, a
Ásia, dizia que ela era sua filha, mas o outro continente, ainda sem nome,
afirmava que ela lhe tinha sido dada por Zeus. Ao acordar, a princesa, para
esquecer aquela visão estranha, decidiu chamar as amigas e ir dar um passeio
pelos bosques junto ao mar. Enquanto corriam e apanhavam flores,
descuidadamente, correndo pela praia, um lindo touro branco, saindo das
marítimas águas, aproximou-se, ajoelhou perante ela e, suavemente, deixou-se
acariciar. Sem suspeitar do engano, a jovem sobe-lhe para o dorso e eis que o
touro se precipita nas águas e a leva consigo, mar fora, para longe da sua
terra natal. A viagem terminou em Creta, onde Zeus consuma o seu amor pela jovem
e com ela gera três filhos: Minos, Sarpédon e Radamante.
Destes três filhos,
Minos é aquele que se vai tornar mais conhecido. A ele está ligada a lenda do
Minotauro e do Labirinto de Creta.
— O poeta latino Ovídio (século I a.C.), na sua obra
“Metamorfoses”, conta assim a história:
A filha de Agenor olha
maravilhada,
pois ele é tão belo, ele nada tem de ameaçador ou
agressivo.
Mas embora tão dócil, a princípio tem receio de lhe tocar;
depois, aproxima-se e estende flores para a alva boca.
O apaixonado fica feliz, e até chegar o ansiado prazer
beija-lhe as mãos. ........
A princesa aventura-se até
a sentar-se no dorso do touro, sem saber a quem ela
montava.
Então, o deus afasta-se lentamente da terra e da areia
seca,
e começa a pisar com os falsos cascos a borda das ondas.
Depois , avança ainda mais e leva a sua presa pelas águas
no meio do mar.
Ovídio, Metamorfoses, II, 858-873. (tradução de
Paulo Farmhouse Alberto, Livros Cotovia, 2007).
É, pois, de uma história de amor que deriva o nome
deste velho continente, é duma paixão do rei dos deuses que desse modo quer
homenagear a sua amada.
— Embora com versões diversas, todos concordam que é
da jovem filha de Agenor que vem o nome do continente europeu, como nos conta
Paulo Festo, escritor do século VIII, que resume as lendas que corriam:
“Tem-se como
certo que se chama Europa à terceira parte do mundo a partir de Europa, filha
de Agenor. Mas uns falam do amor de Júpiter transformado em touro; outros são
de opinião que ela foi raptada por ladrões... alguns , porém, dizem que, por
causa da beleza daquela região, aquela terra foi ocupada por Agenor e pelos
Fenícios mediante a simulação do rapto da filha.”
— Numa perspectiva mais pragmática, a beleza e a
riqueza do continente europeu é referida pelo geógrafo Estrabão (séc. I a.C. -
séc. I d.C.), que frisa igualmente a natureza dos homens que o habitam,
louvando ainda o clima, as culturas, a justiça dos homens e todas as maravilhas
naturais:
“... tem formas variadas e é dotada de uma admirável
natureza pelo que toca à excelência dos homens e da administração pública. ...
Mas em toda a parte da Europa que é plana e de clima
temperado, a própria natureza colabora neste sentido, pois que, numa região
feliz, tudo tende para a paz..."
(trad. de M.H. da Rocha
Pereira, in Hélade — Antologia da Cultura
Grega)
O futuro sempre por cumprir
Quantos caminhos e sendas já corridos
E ainda em ovo o futuro por cumprir:
Europa
Nas espaldas do sonho vai montada,
E persegue as rotas do futuro a ser
Sempre renovado e nunca envelhecido.
Para trás deixara o oriente fremente e quente.
Que futuro e caminhos ocultam suas ancas?
Fecundo sonho germina-lhe nos olhos
E um traço de luz assinala a sua rota.
Refulge a manhã e inunda o rosto feliz do touro.
Quantos trilhos e caminhos já andados
E no seu destino o futuro sempre por cumprir.
E que tem Europa a ver com o touro e com o mito?
O tudo e o nada,
Que o mito é a voz do sonho a ser futuro.
José Ribeiro Ferreira, A Outra Face do Labirinto, Coimbra, Minerva, 2002.
Isaltina Martins — 13.11.2014
1 comentário:
Boa notícia a saber que o vaso está bem guardado e o euro será bem aplicado!
Arte dona Isaltina, arte.
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