A FCT, continuando o seu processo de destruição do sistema científico português a que dá pelo nome de "avaliação", que tem sido amplamente criticado (e que é até alvo de numerosas reclamações e até de uma denúncia ao Ministério Público), confirmou a existência de quotas. Já toda a gente sabia das quotas para os chumbos logo na primeira fase: cerca de 50% são simplesmente mandadas encerrar pois o seu financiamento será nenhum ou ridículo. Está à vista de todos o que se pode chamar uma grande "poda" da ciência nacional, que trará uma enorme baixa da produção científica e o fim por um largo período da convergência com a Europa que estava em curso nesta área. Metade do sistema científico-tecnológico nacional está a ser simplesmente eliminado, por determinação arbitrária e irresponsável dos actuais dirigentes, com a complacência do ministro Nuno Crato, que desde a sua tomada de posse se afastou pura e simplesmente da ciência.
Agora a FCT anunciou quotas de 10% e 20-35% das unidades que passaram à 2.ª fase. Estes números, que não fazem qualquer sentido (nem são aliás minimamente explicados), não estão nem no contrato inicial da FCT com a ESF, nem curiosamente na adenda recentemente revelada, constituindo portanto mais uma alteração das regras a meio do processo. Como é evidente, a ESF está a sofrer uma interferência inadmissível no seu trabalho. E a FCT está a faltar à verdade quando diz que não interfere na "avaliação" dita externa. Uma de duas: Ou a avaliação da ciência se rege por critérios de qualidade, que deviam aliás ter sido previamente definidos, e a ESF faria.o seu trabalho independente. Ou a avaliação é apenas uma farsa que se destina a encaixar nas quotas pré-definidas pela FCT os centros portugueses independentemente da qualidade destes. A indicação de uma quota de 10% significa que, numa dada área ou conjunto de áreas, não pode haver mais que 10% centros (isto é, cerca de 5% do total) acima daquela classificação. E se houver? Se houver baixa-se arbitrariamente a nota para tudo encaixar na quota. Isso foi feito na 1.ª fase e vai continuar a ser feito na 2.ª fase, se os cientistas portugueses permitirem que a sua humilhação prossiga. Já está provado que avaliadores desceram a nota justa que queriam dar para darem a nota injusta que a FCT queria dar mediante o sistema de quotas. A falta de lógica salta aos olhos: quer-se saber o resultado de uma avaliação séria e honesta feita por sábios independentes ou quer-se antes encaixar a realidade de acordo com certos preconceitos de alguns potenciais interessados, que de sábios têm muito pouco?
A FCT, tentando justificar o injustificável que é a imposição de quotas, diz que elas são baseadas nas pontuações dadas pelos painéis tanto na 1,ª fase como nas visitas só a algumas (contrariando o decreto-lei que rege o processo avaliativo), Obviamente que há aqui um problema: nunca seria necessário sequer
indicá-los se eles aparecessem naturalmente. Não faria sentido. Porquê então estar a dar
uma preview das classificações num documento sobre o processo antes de ele estar completo? A resposta só pode ser: Estas percentagens já
existiam antes e foram até agora escondidas, Está agora a acontecer o que já aconteceu antes: a imposição a priori de quotas, que poderá impedir apreciações justas, tal como já impediu na 1.ª fase.
O actual governo é autocrático e não ouve nada nem ninguém. O ministro Nuno Crato, o responsável maior deste processo sumário e arbitrário de "avaliação", "finge-se de morto" e não deu até agora nenhuma resposta a uma carta muito bem fundamentada dos reitores portugueses que lhe foi dirigida. Que poderia ele de resto dizer, uma vez que não lhe restam argumentos? O ministro, ao ignorar as vozes da razão e da decência, está a dar um sinal muito claro aos reitores: o que eles dizem não conta absolutamente para nada, pois só conta o que ele, ministro, diz. Espera-se agora que os reitores sejam coerentes. Se a avaliação, como eles afirmam, não serve para praticamente nada, o melhor seria que não servisse mesmo para nada. Esta "avaliação" muito frágil (tem sido atacada nacional e internacionalmente) deve ser substituída por uma avaliação robusta, uma avaliação que seja legal, transparente e aceite institucionalmente. De resto esta "avaliação" é muito barata: o custo por centro e por investigador é extremamente diminuto, pelo que monetariamente pouco se perdeu. Os investigadores querem obviamente ser avaliados. mas não aceitam avaliações feitas, para além do atropelo da lógica (o esquema montado nem parece de cientistas), ao arrepio da lei (não houve avaliação presencial, como manda o decreto-lei de 1998, para cerca de metade dos centros) e em violação dos regulamentos (na 2.ª fase houve visitas só de 2 ou 3 "avaliadores" por vezes nenhum deles especialista quando os regulamentos da própria FCT exigem 4 ou 5 especialistas). A FCT e o ministro Nuno Crato, ao brincarem às avaliações como estão a fazer, tornaram-se os maiores inimigos da avaliação. Como sem avaliação não há ciência digna de crédito eles tornaram-se entre nós os maiores inimigos da ciência.
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1 comentário:
Volto a perguntar se não seria possível usar uma providência cautelar ou outro instrumento judicial para parar esta "avaliação". Apenas o poder da palavra não chega para arrepiar caminho.
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