terça-feira, 25 de novembro de 2014

DOMÍNIOS MORFOSSEDIMENTARES DE TRANSIÇÃO NA INTERFACE TERRA-MAR (4)

Estuário do Tejo (conclusão) 
Fragatas do Tejo (Frederico Ayres, 1887-1963)

O estuário do Tejo, como hoje se nos apresenta, sucedeu a uma situação anterior (no Pliocénico) definida como um sistema múltiplo de canais anastomosados, com uma ampla foz na que é hoje península de Setúbal. Este sistema pode mesmo ter tido uma divergência para sul da cadeia da Arrábida, espraiando-se também na planura que é hoje ocupada pelo estuário do Sado. Nesta eventualidade, muito provável, a Arrábida terá sido como que uma ilha a dividir e a separar a drenagem do pré-Tejo [1] em dois ramos divergentes um, a norte, desta jovem montanha e outro, a sul, para o qual convergia, de sul para norte, a drenagem da região não muito diferente da actual bacia do Sado.

Entre Muge (a 80 km da foz), limite da subida das marés, e Vila Franca de Xira (a 40 km da foz) corre água doce. Entre Vila Franca de Xira e Cacilhas alarga-se o troço o rio penetrado pela água do mar, no chamado Mar da Palha, com água salgada salgada, entre 5 e 25 gramas por litro. Para jusante de Vila Franca de Xira até Alhandra há, actualmente, um único canal activo [2], com largura média de 0,5 km, até Alverca, onde se inicia um delta interior, com vários mouchões, alongados na direcção do rio, separados por esteiros (canais de maré ou calas), dos quais se distinguem, por mais importantes, o da Póvoa, o da Lomba do Tejo, o das Barcas e o de Alhandra.
Estuário do Tejo
A margem esquerda do rio, no troço do Mar da Palha, é caracterizada pelo grande desenvolvimento de sapais [3] com reentrâncias na desembocadura de algumas ribeiras, nomeadamente no Montijo, no Barreiro e no Seixal, onde se verifica intensa sedimentação silto-argilosa (vasosa). A flutuação, por vezes abundante, de fragmentos de plantas herbáceas (palhas) neste alargamento do estuário é a razão do nome popular pela qual é referido.

Uma outra particularidade desta margem é a ocorrência de praias e de restingas de areias, a que se seguem para o interior extensos rasos de maré areno-vasosos. A importância desta unidade interior do estuário, em termos de conservação da Natureza, levou à sua classificação como “Reserva Natural do Estuário do Tejo” (Decreto-Lei nº 280/94, de 5 de Novembro), com uma Zona de Protecção Especial (ZPE) criada em 1995, visando, sobretudo, a conservação de aves selvagens. Finalmente e para jusante, uma terceira unidade, o já citado gargalo do Tejo, também conhecido por corredor, alonga-se entre Cacilhas e a Cova do Vapor, frente a Paço de Arcos, com o comprimento de 11 km.
Visão aérea do  gargalo do Tejo e do Mar da Palha

A largura deste último troço do rio varia entre um mínimo de 1,8 km, frente a Alcântara, e um máximo de cerca de 4 km, na foz. O alargamento na abertura ao mar é acompanhado pela diminuição da profundidade para oeste, em direcção a um leque de dejecção submerso, com cerca de 10 km de raio, constituído por material arenoso trazido pelo rio e, aí, sujeito à ondulação e às correntes de maré.

A margem direita do estuário foi intensamente modificada com aterros e paredões das actividades portuárias. Da fisiografia natural deste lado do rio, restam hoje as praias e alguns troços de arriba para jusante de Algés.

Em 1967, Ricardo de Oliveira, do LNEC, usou pela primeira vez em Portugal o estudo sistemático dos “minerais pesados” [4] no estudo dos sedimentos, confirmando a origem fluvial dos que se depositam no estuário, a partir das formações sedimentares da Bacia Cenozóica, com particular relevância para os depósitos pliocénicos e quaternários da área imediatamente envolvente. Chegados ao estuário, estes sedimentos são retomados pelas correntes de maré em função das características energéticas dos vários sectores do fundo: areias nas directrizes com maiores intensidades das correntes e lodos nos sectores mais calmos. Estas vasas lodosas são ricas em matéria orgânica dos seres que ali têm o seu habitat, em restos de vegetais e, ainda, em produtos dos efluentes urbanos e industriais.

Em situações de maiores caudais (por ocasião de cheias), há ejecção de sedimentos fluviais directamente no mar. Parte destes materiais (areias médias a grosseiras) ficam depositados na plataforma continental, ao largo da foz, e outra parte (areias mais finas) dirige-se para os fundos oceânicos através dos canhões submarinos de Cascais e de Lisboa.

A componente essencialmente argilosa afasta-se para o largo, em suspensão, sob a forma de plumas túrbidas. No que se refere aos sedimentos de origem marinha, estes têm penetração apenas no gargalo, não indo além de Cacilhas. A instalação local de equipamentos portuários, centros de actividade piscatória, salinas (marinhas de sal), moinhos de maré, extracção de areias, urbanizações, aterros e outros, à distância, como barragens, têm vindo a influenciar a dinâmica do estuário.

Notas 
[1] Com uma grande bacia para nordeste. A designação pré-Tejo foi introduzida, em 1935, por Orlando Ribeiro. 
[2] Existiram outros no período histórico.
[3] Áreas muito planas, sujeitas à penetração das marés – rasos de maré – funcionando como vaseiros, isto é, com sedimentação vasosa (lodosa), e vegetação herbácea tolerante ao sal e, daí, a designação de salgados, também usada localmente. Brejos é, aqui, outro termo usado para referir este tipo de terrenos alagadiços ou pantanosos. Sapal do Alfeite, Salgado de Corroios e Brejos de Azeitão são exemplos da toponímia local influenciada por estes aspectos da fisiografia do rio. Com o mesmo sentido conhecem-se, ainda, os termos sapa, sapeira e tremedal.
[4] Minerais com densidades superiores a 2,85 e constituintes da fracção arenosa que, embora ocorram em percentagens mínimas, são particularmente úteis na pesquisa das proveniências das areias. 
A. Galopim de Carvalho

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