Do mito à realidade
A crise — de
hoje e de todos os tempos
Este velho continente sofreu convulsões várias e
crises, mais ou menos duradouras, ao longo de todas as épocas.
A visão de
alguns escritores — Recordando apenas os mais recentes:
— No final do século XIX, Eça de Queirós, crítico,
mas optimista, acha que tudo mudará, tal como as estações do ano:
“É que a
sociedade assemelha-se à Natureza. E na Europa, como em qualquer espesso
bosque, num fundo de vale, um momento vem em que tudo decai e fenece: — os
ramos secam e racham, os mais altos carvalhos tombam de velhice, mil podridões
fermentam, o solo desaparece sob os destroços, a obscuridade aterra, um longo
soluço passa no vento. E, a quem então o atravesse, o bosque afigura-se na
verdade coisa confusa, arruinada e medonha. E todavia, tudo isso — é
simplesmente Dezembro. É a vida; é a ordem. Das ramagens apodrecidas já se
estão nutrindo as sementes que hão-de ser árvores: e através das decomposições
conserva-se a seiva, que tudo fará reflorir e reverdecer, quando Março chegar.”
Eça de Queirós, “A Europa”, in Notas
Contemporâneas
(texto publicado na Gazeta de Lisboa, em 2 de Abril de 1888)
(texto publicado na Gazeta de Lisboa, em 2 de Abril de 1888)
— Mais tarde, nas primeiras décadas do século XX, Fernando
Pessoa não é tão optimista:
As nossas crises particulares procedem desta crise geral. A nossa crise
política é o sermos governados por uma maioria que não há. A nossa crise moral
é que desde 1580 - fim da Renascença em nós e de nós na Renascença - deixou de
haver indivíduos em Portugal para haver só portugueses. Por isso mesmo acabaram
os portugueses nessa ocasião. Foi então que começou o português à antiga
portuguesa, que é mais moderno que o português, e é o resultado de estarem
interrompidos os portugueses. A nossa crise intelectual é simplesmente o não
termos consciência disto. (13-10-1923)
Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e
organização de Joel Serrão.) Lisboa, Ática, 1980.
— Em época mais recente, é Vergílio Ferreira que deixa escrito:
“Que é que se segue? É a pergunta que todos fazemos, ainda que a não façamos. Porque não se trata de uma “crise” em que se sabe que um valor vai render outro que se “gastou”. Não se trata de uma “crise” mas de uma “mutação” que se funda no imprevisível e não depende de um status quo ante como impulso para um status novo. Assim o pensar de hoje anda desnorteado e a procurar nos restos do que passou alguma coisa que sirva como o faz a farrapeira.”
Vergílio Ferreira, Escrever, Bertrand, 2001.
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