quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Ano Propedêutico (1977-1981)

Modesto embrião da Universidade Aberta, o Ano Propedêutico constituiu uma importante e frutuosa experiência pedagógica na qual tive o privilégio de colaborar.

Completam-se, no próximo dia 23, trinta e seis anos sobre a criação do que foi designado Ano Propedêutico. Viviam-se anos felizes de renovação de um país, em liberdade, depois de quatro décadas de mordaça política e religiosa. Era ministro da Educação e Investigação Científica o jovem Dr. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia (1941-2006), no Governo do Dr. Mário Soares, sendo presidente da República o General António Ramalho Eanes. Foi um tempo em que a cultura, a integridade e a política andaram de mãos dadas. Foi um tempo de esperança que, depois, uma certa classe de políticos impreparados, bem intencionados uns, arranjistas outros, a coberto dos respectivos aparelhos aparelhos partidários, se encarregou de destruir.

O Decreto-Lei n.º 491/77, de 23 de Novembro reconhecia, no respectivo preâmbulo, ser Portugal um dos poucos países da Europa ainda com escolaridade pré-universitária de apenas onze anos. Este documento considerava a necessidade de facultar aos nossos técnicos uma preparação de nível cada vez mais desenvolvido, capaz de acompanhar a evolução crescente da ciência e da técnica. Por último, afirmava ser imprescindível alargar a formação dos nossos alunos em matérias que suportassem novos conhecimentos, cada vez mais complexos e para os quais se tornava necessária uma sólida preparação básica. 

Reconhecendo como difícil a criação imediata de um 12.º ano de escolaridade, inserido no então sistema de ensino português, o governo considerou a urgência de avançar com a institucionalização de cursos propedêuticos do ensino superior. Na óptica do legislador, tal permitiria não só uma reciclagem da preparação adquirida no ensino secundário, como, sobretudo, a leccionação de matérias básicas comuns a várias áreas do saber, correspondentes aos diversos cursos superiores.

Foi assim instituído, a nível nacional e em substituição do Serviço Cívico Estudantil, o Ano Propedêutico, a funcionar na dependência da Direcção-Geral do Ensino Superior, tendo como Presidente da Comissão Científico-Pedagógica o Prof. Armando da Rocha Trindade (1937-2009), cargo que exerceu até 1980, ano da institucionalização do 12.º ano de escolaridade, pelo Decreto-Lei n.º 240/80, de 19 de Julho.

Outros méritos não tivesse, o Ano Propedêutico deu lugar, de um fôlego, à maior produção de textos de apoio, em língua portuguesa, até então produzida em praticamente todas as áreas do pré-universitário, ao serviço de gerações de professores do ensino básico e secundário e de estudantes universitários (e não só). Uma praxis que fez história, que deu frutos e que está patente na vultuosa e diversificada produção editorial da Universidade Aberta que lhe sucedeu.

Prof. Armando da Rocha Trindade
O Ano Propedêutico foi a primeira iniciativa de ensino superior à distância, dirigido a uma grande audiência, dispersa por todo o território nacional, com lições ministradas a partir de emissões televisivas. Sem salas de aula nem turmas, os alunos, em suas casas, complementavam os respectivos estudos com base em textos produzidos especialmente para o efeito. Esta experiência pedagógica levou à criação do Instituto Português de Ensino à Distância (1980-1988), a que se seguiu, em 1988, a Universidade Aberta, tendo como fundador e primeiro reitor o citado Prof. Rocha Trindade, Catedrático de Física do Instituto Superior Técnico.

A convite deste colega, participei na Comissão Científico-Pedagógica, como responsável do programa de Geologia, cabendo-me a elaboração dos respectivos textos de apoio, tendo escolhido para elaborar e ministrar as lições televisionadas o meu ex-aluno José Manuel Vale Brandão.

A Nota Introdutória do 1.º dos três volumes do divulgadíssimo “ap – Geologia” (1977-78) acentuava a minha esperança de que esta experiência, em si mesma, ou como alternativa resultante de dificuldades estruturais do ensino, em geral, e do pós-vestibular, em particular, pudesse ser de grande utilidade. Foi esta esperança que ditou a anuência que, reticente, dei a um convite daqueles que deixam pouca margem a outra resposta que não seja a afirmativa.

A convicção de que algo teria de ser feito e a garantia dada de que os textos solicitados teriam carácter experimental e, como tal, seriam necessariamente revistos e melhorados, a partir dos ensinamentos obtidos no decurso da sua utilização. Necessários por não haver outros e imediatos por serem urgentes, estes textos justificaram o entusiasmo que me mereceram.

Mas o entusiasmo e o empenhamento não suplantam todas as carências. As minhas e as que me eram estranhas. Nestas, não eram menores a falta de tempo para elaboração de um plano global e a urgência de conceber, lição após lição, um rosário de textos, com sacrifício da unidade e coerência globais, a impossibilidade de recolha e organização de documentação gráfica adequada e, ainda, a inexistência daquela revisão morosa e reflexiva, sem a qual a obra pedagógica e científica desmerece.

Mas as circunstâncias foram estas e não outras. O entusiasmo frutificou e a satisfação do êxito constituiu a recompensa.

A. M. Galopim de Carvalho

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