Cerâmica do Neolítico Ibérico |
Barro (do latim hispânico, barrum) é a forma mais popular de dizer argila, nome mais usado por geólogos, pedólogos e agrónomos, que fomos buscar ao latim argilla que, por seu turno, o retirou do grego argilós. Os romanos dispunham do seu próprio termo, creta [1], para referir a mesma substância e que passou ao português antigo na forma greda.
Entre nós, o conceito de argila difere consoante as áreas do conhecimento. Assim, em mineralogia, argila refere um grupo bem definido de minerais (silicatos hidratados de alumínio e/ou magnésio) cujos cristais são, naturalmente, de dimensões micrométricas. Incluídos na subclasse dos filossilicatos, são o que habitualmente se designa por minerais argilosos ou argilominerais. Na grande maioria, as argilas resultam da alteração dos silicatos das rochas (como granitos, gnaisses, sienitos, dioritos e outras), em particular, dos feldspatos. Entre as espécies mais comuns, destacam-se a caulinite, a ilite, as esmectites, a clorite e a palygorskite. Um parêntesis para aludir, ainda que de forma muito abreviada, a cada um destes argilominerais.
caulinite – silicato hidratado de alumínio, abundante nas regiões quentes e húmidas. Resulta, normalmente, de meteorização de rochas ricas em feldspatos e feldspatóides. Ocorre ainda, por alteração deutérica, em filões hidrotermais.Face ao que se conhece sobre a génese destes minerais nos diferentes sistemas bioclimáticos, eles permitem, como nenhum outro componente mineral dos sedimentos, inferir reconstituições paleoambientais do maior interesse em geologia. Entre geólogos, a palavra argila é também usada para referir os argilitos, isto é, os depósitos sedimentares essencialmente argilosos, e as capas de alteração meteórica (saprólito, alterito ou rególito) ou deutérica [2], essencialmente argilosas.
esmectite – (do grego smektikós, que quer dizer o que limpa, detergente) é um grupo de argilas com propriedades desengordurantes. Deste grupo fazem parte bentonite, beidelite, hectorite, montmorilonite, nontronite, saponite e stevensite.
ilite – aluminossilicato potássico, afim da moscovite. O nome evoca o estado americano do Illinois.
clorite – grupo de filossilicatos com ferro e magnésio, de coloração verde.
palygorskite – espécie rica em magnésio, descrito em 1862, proveniente da região de Palygorski, nos Urais, Rússia, também conhecido por attapulgite, cartão-da-montanha e couro-da-montanha.
Em geologia de engenharia, domínio no qual o principal interesse incide no comportamento mecânico dos terrenos, a argila é entendida como um material do solo e do subsolo, composto por partículas (argilosas ou não) de granulometria inferior a 0,004mm. A argila, quando seca, é um material coerente, friável e facilmente riscado pela unha. É moldável quando humedecida e desagrega-se em excesso de água, formando suspensões algo viscosas (barbotinas) cuja estabilidade depende da natureza e da dimensão das partículas e das características físico-químicas do meio líquido. Endurece pela secagem e consolida por aquecimento acima de 900 oC, com a criação de novas fases (cristobalite, mulite, cordierite, espinela, etc.) tornando-se dura e frágil.
A argila é branca quando não contaminada por óxidos de ferro (responsáveis pelas colorações entre os vários tons de vermelho, de amarelo e de castanho a negro), por matéria orgânica incarbonizada (na base do tons de cinzento), ou por outras “impurezas”.
A plasticidade da argila, quando humedecida, e o endurecimento pelo calor, estão na base da sua utilização em cerâmica (do grego kéramos, terra ou argila queimada) desde a Pré-história à actualidade. A natureza dos respectivos minerais, o grau de finura e a maior ou menor plasticidade, face à adição de água, permitem distinguir argilas gordas e argilas magras. As “gordas” são demasiado “untuosas”, colocando dificuldades à moldagem. As “magras”, ao contrário daquelas, são muito pouco plásticas, colocando igualmente dificuldades ao trabalho do oleiro. Uma boa pasta consegue-se misturando, em proporções adequadas, estes dois tipos de argila.
Na classificação do alquimista persa Avicena (980-1037), a argila foi considerada entre as terras, ao lado de outras classes (pedras, sais, metais, minerais fusíveis). Este critério manteve-se até começos do século XIX, estando bem exemplificado na sistemática do químico e mineralogista sueco, Torbern Bergman (1749-1817). É esta a razão do uso das expressões terra rossa [3] e terra cota [4], que explica que os ingleses designem a argila por earth, os franceses por terre e que nós ainda usemos o termo terra com o mesmo significado em expressões como terra de greda [5] e a sinónima terra de pisoeiro.
Por razões dinâmicas, decorrentes dos diâmetros das respectivas partículas, a argila dos depósitos sedimentares está quase sempre associada ao silte [6] ou limo [7], dado que reagem de modo semelhante aos agentes de transporte (em suspensão na água ou no ar) e têm por destino os mesmos ambientes de sedimentação: os mais distantes das fontes, os mais profundos, os mais tranquilos ou menos energéticos.
Neste termos, os siltitos [8] são quase sempre argilosos e os argilitos quase sempre siltosos. Por exemplo, os xistos argilosos são formados por uma mistura de partículas realmente argilosas (argilominerais) com detritos essencialmente quartzosos (mas também feldspáticos e micáceos, entre outros) pertencentes à classe dimensional do silte. É, pois, mais correcto falar de rochas e de depósitos silto-argilosos.
Em 1873, o alemão Carl Friedrich Naumann (1797-1873) introduziu o termo Pelit (do grego pelos, lama), pelito, na versão portuguesa, para designar indistintamente estes materiais (argilitos, siltitos e xistos argilosos).
Em suspensão nas águas correntes, as argilas decantam ou sedimentam por imobilização destas, fazendo-o, muitas vezes, depois de flocularem, isto é, de se aglutinarem entre si, constituindo agregados de partículas, mais rapidamente atraídos para o fundo.
Muita da poeira atmosférica é constituída por finíssimas partículas argilosas e siliciclásticas [9], de dimensão equivalente, levantadas do chão pelo vento, em tempo seco. É frequente em Lisboa, na sequência de “borrifos” de chuva estival, com vento suão, essa precipitação ser algo lamacenta, uma vez que incorpora as referidas poeiras vindas do Alentejo e, até, do norte de África. Nestas ocasiões, o fenómeno é particularmente bem visível nos pingos de lama sobre a pintura brilhante dos automóveis estacionados na cidade e dá-nos a confirmação do transporte destes materiais em suspensão na atmosfera.
Na grande maioria, as argilas citadas na nossa bibliografia geológica são, como se disse atrás, misturas silto-argilosas. Representam cerca de 80% das rochas sedimentares conhecidas. Correspondem, no conjunto, aos mudstones [10] (de mud, lama) dos geólogos de língua inglesa, termo que os brasileiros traduziram como lamito, um nome que ainda não entrou no nosso vocabulário da especialidade.
Em 1913, quando os alemães ainda faziam uso da palavra Pelit, o americano Amadeus William Grabau (1870–1946) introduziu o termo lutite (do latim lutu, lama, lodo, vasa), lutito, na versão portuguesa, para designar os sedimentos silto-argilosos Estava-se ainda longe de separar as duas classes dimensionais (siltes e argilas) nele reunidas e só mais tarde definidas na escala, internacionalmente aceite, de Wentworth (1922).
Já se dispunha, contudo, de um conceito afim, representado pelo loess, cujo vocábulo foi introduzido na literatura geológica, em 1834, pelo inglês Charles Lyell (1797-1875), por adaptação do termo vulgar germânico Löss (do alemão lose, friável, não coeso).
O loess era então definido como um depósito sedimentar detrítico, não estratificado, mais fino do que as areias finas, friável, não coeso, de origem eólica (em ambiente periglaciário), contendo uma fracção terrígena (essencialmente silte + argila) e, por vezes, uma outra, calcária. Por dissolução do carbonato de cálcio, nos níveis mais superficiais, o loess dá origem ao limon (dos franceses) ou Loehm (dos alemães), constituindo boas terras aráveis e, por vezes, usado como barro no fabrico de tijolos. Nos depósitos de loess, o carbonato dissolvido precipita nos níveis mais baixos, formando concreções, conhecidas por Löss Kindchen (bonecas do loess).
Quando impregnados de água e, por vezes, misturados com matéria orgânica, como acontece nos solos, os sedimentos silto-argilosos constituem o que vulgarmente de designa por lama (do latim, com a mesma grafia, que significa atoleiro, charco), que corresponde à boue dos autores franceses, ao mud e ao loam dos ingleses, ao Loehm dos alemães, ao fango dos nossos irmãos ibéricos e ao tijuco, no Brasil. Quando submersos e embebidos de água, é habitual falar-se de lodo (do latim luto, lama) e também de vasa, nome que importámos do holandês wase (lama) através do francês vase.
Geralmente silto-argilosas, as varvas [12] foram inicialmente definidas como depósitos lacustres subactuais, finamente laminados (à escala milimétrica ou inferior), com alternância de materiais argilosos, escuros (matéria orgânica) e claros (silte e argila), indicadores da variação dos processos físicos, químicos e biológicos decorrentes da alternância, a montante, gelo-degelo nos glaciares. Cada par de lâminas (clara e escura) equivale, pois, a um ano e, assim, as varvas têm sido utilizadas em geocronologia do Quaternário. Este termo está na base de um outro, varvito, aplicado a depósitos sedimentares igualmente finos, laminados e consolidados, semelhantes no aspecto rítmico, mas mais antigos e de outras origens.
Em 1957, Nikolai Mikhailovich Strakhov (1900–1978) introduziu o termo aleurito (na versão portuguesa), com o qual designou a classe dimensional compreendida entre 0,1 e 0,01 mm, intervalo parcialmente coincidente com o de silte e que compreende, ainda, a areia fina. Radicado no grego aleurós, que significa farinha, o termo teve muito pouca penetração a nível internacional.
As propriedades dos argilitos estão intimamente relacionadas com as propriedades dos respectivos minerais, com destaque para a forma lamelar das partículas. Entre essas propriedades sobressai a de adquirirem fissilidade ou xistosidade (do grego, xystós, fender) quando sujeitos a compressão. Esta característica que se revela pela aparência folheada da rocha, pela facilidade com que se deixa abrir segundo esses planos e pelo paralelismo e regularidade dos mesmos, está na base do termo brasileiro, folhelho, sinónimo do nosso xisto argiloso.
Na maior parte dos casos, os argilitos resultam de uma sedimentação detrítica de minerais das argilas gerados noutros locais e posteriormente transportados até ao local de sedimentação. São considerados argilitos terrígenos ou herdados que, eventualmente, podem sofrer transformações. Todavia, existem outras acumulações de argilominerais, cuja génese tem lugar no próprio local, por síntese, a partir de substâncias em solução nas águas. São os argilitos de neoformação, com muito pouca expressão geológica, mas com grande expressão nos solos actuais.
Entre as múltiplas indústrias e artes que utilizam esta importante matéria-prima sobressaem, além das diversas cerâmicas (porcelana, faiança, refractários, barro vermelho), o cimento, a fundição (nos moldes), o papel, a borracha, os plásticos, as tintas, os medicamentos e os cosméticos.
Na indústria cerâmica de porcelanas utiliza-se uma argila muito pura, com a propriedade de se manter branca depois de cozida. Esta argila merece o nome industrial de caulino [13], termo tecnológico e oficialmente bem definido pelas propriedades da referida matéria-prima. Do ponto de vista mineralógico, os caulinos são formados essencialmente pelo mineral argiloso caulinite. Uma grande parte da indústria cerâmica não exige tais requisitos e utiliza outros tipos de argilitos, menos puros (geralmente com óxidos de ferro) e que, uma vez submetidos às elevadas temperaturas da cozedura, mantêm ou adquirem cor vermelha ou avermelhada. Estes argilitos são referidos a nível industrial por argilas comuns ou barros vermelhos, existentes em grande quantidade por todo o país, alimentando a volumosa indústria de tijolos, telhas e afins, bem como toda a série de artesanato de loiças de barro espalhadas do Minho ao Algarve.
Nas regiões pobres de rochas susceptíveis de serem usadas em alvenaria, recorria-se ao barro (muito antes da utilização do tijolo e do cimento) na preparação de adobe e taipa com que se erguiam muros, casas e até castelos, como acontece nalgumas zonas do Baixo Alentejo. Como produtos de alteração, no âmbito das chamadas rochas residuais, recordam-se os barros vermelhos de Ral (Ferreira do Zêzere), de Santa Catarina (Tomar), de Menoita (Guarda) e no Alentejo (por alteração quer dos xistos, quer de plutonitos básicos, quer do grande filão dolerítico que percorre esta província de NE para SW). Com conhecido interesse na agricultura cerealífera, também os chamados “barros de Beja”, negros, resultaram da alteração dos gabrodioritos locais. Igualmente residuais são os caulinos associados aos granitos e gnaisses da faixa litoral a norte de Aveiro, com destaque para o da Senhora da Hora (Porto). Neste capítulo, merecem ainda destaque as esmectites resultantes da alteração dos gabrodioritos de Benavila (Avis, no Alentejo).
Muitos argilitos explorados como barros vermelhos correspondem a camadas sedimentares, abundantes entre nós nas Orlas Mesocenozóicas (em especial no Triásico, no Jurássico superior e no Cretácico inferior e final) e nas Bacias Cenozóicas. Em Aguada (Águeda), Barracão (Leiria) e Pombal exploram-se argilas refractárias, utilizadas no fabrico de tijolos refractários e outras peças de cerâmica resistentes ao calor.
A argila esméctica, principal constituinte da greda, corresponde a uma argila de granularidade muito fina, de aspecto saponáceo, com grande poder absorvente das gorduras, sendo, por isso, utilizada, desde há muito, na indústria de tecelagem artesanal de preparação da lã, para a lavar e desengordurar. Como tal, é conhecida por argila ou terra de pisoeiro [14] (terre à foullon, em francês e fuller’s earth, em inglês). Outras propriedades deste tipo de argilas, tais como, expansibilidade, tixotropia , tornam-nas utilizáveis, por exemplo, como lamas de sondagem, pois lubrificam a coroa da sonda durante e perfuração e suportam as paredes do furo, uma vez retirada esta. Também as tintas tixotrópicas utilizam esta propriedade na pintura de paredes e tectos.
São várias as ocorrências de argilas esmécticas em Portugal, quer residuais, resultantes da alteração de rochas básicas (plutonitos e filões), quer sedimentares. Do primeiro tipo destaca-se a referenciada sob o nome de “bentonite”, associada à rocha gabro-diorítica de Benavila (Avis). Como esmectites sedimentares merecem destaque as argilas intercaladas nas Arcoses de Coja e na Formação do Bom Sucesso, ambas na Bacia do Mondego, nas Formações de Silveirinha dos Figos e de Cabeço do Infante, na Beira Baixa e as do Complexo Montmorilonítico, incluindo as Argilas de Tomar, na Bacia do Tejo-Sado.
Por último, uma breve referência às argilas fibrosas. São várias as ocorrências de palygorskite em território nacional, umas de alteração, em veios (fendas) no interior do basalto do Complexo Vulcânico de Lisboa, outras de natureza sedimentar, de idade paleogénica, intercaladas no Complexo de Benfica (Lisboa) e seus equivalentes nas Bacias Cenozóicas do interior do País.
A. Galopim de Carvalho
Notas:
[1] O mesmo étimo está na origem do termo cré, usado para designar o calcário friável que deu o nome ao Cretácico e a Creta, a ilha mediterrânea.
[2] alteração deutérica - alteração ocorrente no interior da crosta, exercida sobre os minerais das rochas, por acção de: 1) águas magmáticas residuais muito quentes (hidrotermais), dos vapores e dos voláteis associados; 2) águas residuais do metamorfismo regional; 3) águas meteóricas penetradas na crosta e, aí, aquecidas por efeito do grau geotérmico. O qualificativo deutérico, do grego deuterós, ulterior, secundário, alude à posterioridade dos minerais resultantes desse tipo de alteração, secundários relativamente aos minerais da rocha magmática, entendidos como primários. São exemplos deste tipo de alteração, a caulinização e a serpentinização O mesmo que alteração hipogénica.
[3] terra rossa - expressão italiana internacionalizada alusiva a um solo ferralítico, residual, de cor vermelha, composto essencialmente por argila e óxido de ferro. Resulta do processo de dissolução das rochas carbonatadas pelas águas pluviais carregadas de dióxido de carbono
[4] terra cota - é uma cerâmica cozida no forno, sem ser vidrada.
[5] terra de greda - nome vulgar referente a certas argilas desengordurantes (esmectites). O mesmo que terra ou argila de pisoeiro.
[6] silte . aportuguesamento do termo inglês silt, alusivo a uma fracção detrítica, predominantemente de quartzo, de granulometria compreendida entre 0,063 e 0,004 mm.
[7] limo - termo português equivalente ao silt dos autores ingleses
[8] siltito - rocha sedimentar detrítica coesa, essencialmente formada por silte.
[9] siliciclásticas - diz-se das partículas detríticas de minerais siliciosos (quartzo, feldspatos, micas, etc.).
[10] Termo introduzido na terminologia geológica, em 1839, pelo geólogo inglês R. Murchinson, para referir uma rocha xistenta, muito friável, do Silúrico do País de Gales.
[11] Relacionada com este termo, temos, em português, a palavra fangoterapia, o tratamento clínico com lamas.
[12] Termo introduzido pelo sueco Gerard De Geer, em 1912, a partir do varv, termo local que alude à disposição em camadas.
[13] caulino - conhecido e utilizado desde a Antiguidade, no Extremo Oriente. O nome provém de Kao Ling, expressão que significa montanha alta e que refere uma localidade na província de Jiangxi, na China. Os ingleses chamam-lhe China clay, numa alusão nítida à importância desta matéria-prima no país do Sol Nascente.
[14] pisoeiro - o artífice que lavava e desengordurava a lã, usando o pisão.
[15] tixotropia - Em linhas gerais, consiste na possibilidade de uma suspensão argilosa em água adquirir grande viscosidade, em repouso, e fluidez quando agitada.
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