quarta-feira, 6 de novembro de 2013
O FALECIDO GOVERNO
Minha crónica no Público de hoje:
Com a aprovação da generalidade do Orçamento que foi feita, na véspera do Dia de Finados, sem direito a palmas, pela maioria do PSD e CDS na Assembleia da República, o governo passou a ter morte anunciada. Não se sabe se o último suspiro será amanhã ou depois, mas não parece distante. As tensões sociais, que já estavam visíveis, vão a partir de agora agravar-se, em especial na classe média, alvo maior deste Orçamento. É muito dificil compreender como é que um governo dito liberal pôs em prática um programa de proletarização geral, que transforma largos sectores da classe média em pobres, enquanto deixa os pobres sem qualquer esperança de ascensão social. A situação pode ser descrita como fez o australiano Jeff Sparrow: “Tudo o que temíamos do comunismo – que perderíamos as nossas casas e as nossas poupanças e nos obrigariam a trabalhar eternamente por escassos salários e sem ter voz no sistema – converteu-se em realidade sob o capitalismo”.
Anunciado o passamento do governo, fica a questão de saber como se vai passar. O certificado de óbito poderá ser emitido pelo Tribunal Constitucional, que para ser coerente não deixará de intervir. Ou, com evidente economia de tempo, poderá ser emitido pelo Presidente da República, que, apesar de ser co-responsável pela situação actual, tem ainda uma oportunidade de se redimir. E há ainda uma terceira hipótese. A coligação governamental, colada a cuspo, poder-se-á desmanchar por si própria. Foi patético ver o vice primeiro-ministro Paulo Portas defender entusiasmado, em alocução televisiva, uma versão português-suave do “TSU das viúvas” para só depois a ministra de Estado e das Finanças, Maria Luís Albuquerque, anunciar apaticamente uma versão português-brutal do Orçamento de Estado. É bom lembrar que o primeiro se demitiu, com estrondo, por não gostar da segunda, e agora espera que nós nos esqueçamos desse incidente. Depois, já estava o Orçamento na Assembleia, Portas veio, em nova charla televisiva, anunciar o guião da reforma do Estado, tentando desviar as atenções das agruras dos cortes. Mas já tudo tinha sido dito sobre a reforma do Estado: faltava apenas fazê-la. A um governo com maioria absoluta que, após meia legislatura, ainda não fez a reforma que reclama fica-lhe mal falar dela. Aliás, por alguma razão, o PSD guardou de Conrado um prudente silêncio. Aquela não era uma reforma do Estado levada pelo primeiro-ministro ao Parlamento, era um manifesto eleitoral levado pelo líder do CDS à comunicação social.
O novo orçamento do governo de Pedro Passos Coelho porfia no empobrecimento. Continua o rolo compressor a apertar os contribuintes, na porfiada busca da igualdade social num nível abaixo de cão. Enquanto houver um cêntimo por extrair, seja por se andar de carro ou por se comer fora, seja por se ter casa ou por se ter conta bancária, seja por se ter cão ou por se ter gato, o governo supostamente liberal não descansa enquanto não o for buscar. Gosta tanto de pobres que quer que todos nós o sejamos. O governo poderá dizer que temos uma dívida para pagar, mas o certo é que, apesar dos enormes esforços ao longo dos últimos anos, não vemos a dívida desaparecer: nós é que estamos a desaparecer. Poderá também dizer que não há dinheiro nos cofres do Estado, mas é precisamente quando não há dinheiro que é preciso discernir o essencial do acessório. Não são só os cofres que estão vazios, são também algumas cabeças. Veja-se, num exemplo entre outros, o caso das escolas de ensino superior, cuja missão é vital para o país, que continuam a sofrer por parte das Finanças tratos de polé.
Haverá solução quando o governo cair? Com a actual Assembleia está visto que não. Porém, no quadro democrático, há sempre uma solução. Se o Tribunal Constitucional chumbar o Orçamento, ou se antes disso o Presidente deixar de ser um espectador passivo ou ainda se Paulo Portas voltar a não gostar de Maria Luís Albuquerque não haverá melhor remédio do que eleições antecipadas. Será a maneira de os cidadãos recuperarem a voz. Isto no caso de aqui ficarem, pois uma outra solução, individual e não colectiva, consiste em emigrar, como estão a fazer dez mil pessoas todos os meses, muitas delas com formação superior. O governo não é sensível a essa debandada. Mas ele é que poderia emigrar, indo morrer longe.
Há, contudo, um problema com as eleições. O PS não parece preparado para governar e é por isso que muitos eleitores receiam votar nele. Tal como o chefe do governo, também o líder da oposição, além de não conseguir unir o seu partido, já se mostrou incapaz de propor um rumo para o país. Que ideias concretas tem? Que maioria tem, ou vai ter, para dirigir o nosso destino comum? Será pedir muito querer eleições com outros lideres? Até pode ser que, como aconteceu na Alemanha, os dois novos líderes se entendam.
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5 comentários:
Muito oportuno.
Abraço
Augusto
E dramático este tempo sem soluções e só com problemas.
Sem gente capaz.
Muito me admira esta sentença de morte anunciada neste blog que, ainda há uns meses, para admiração de muitos que o frequentavam, saia decididamente em defesa das políticas de um governo, visivelmente sem rumo, que há dois anos navega à vista.
Não gosto de Sócrates. Quem mente como mentiu não merece confiança . Não gostava do seu governo, tirando um ou dois ministros, mas via-se que ali havia uma vontade, um rumo , o único que nos poderia fazer ombrear com os melhores e mais ricos, o investimento na educação, na ciência e na tecnologia que vinha de finais dos anos 90.
Tudo o que de bom se fez está ao abandono, corta-se cerce sem olhar quê, mestrandos , doutorandos , investigadores, portugueses em geral que emigrem se quiserem um futuro. Português bom é o português emigrante ou morto!
Esta canalhice que nos governa, educada em época de vacas , ligeiramente, mais gordas, desconhece o princípio que meus pais me incutiram. Para a educação e para a saúde não podia haver poupanças. Podia não haver dinheiro para sapatos novos mas para livros , estudo de música ou arte, sempre!O meu pai podia não ter dinheiro para ir ao café ( e muitas vezes não teve) , mas nunca o jornal ( bem mais instrutivos que os actuais) faltou lá em casa.
Nos últimos tempos desinveste-se, assustadoramente, na investigação e na educação. Pior do que isso ainda, está a gerar-se uma sociedade bipolarizada : os que estudam em escolas privadas e os da públicas e já nem o serviço militar obrigatório existe para atenuar esta polarização. Isto paga-se muito caro a seu tempo.
Frequentei a escola da ditadura até aos meus 15 anos e nunca vi nada assim. Nas escolas que frequentei havia desde o mais pobre a filhos- família, até de ministros, e isto atenuava muito o impacto da, enorme, diferenciação social que existia. Era assim como as vitórias do FCP e dos clubes do Norte ,que fazem de almofada ao descontentamento dos nortenhos contra a canalização dos investimentos para Lisboa.
Custa-me, como professora e cidadã , ver desbaratar, com contas de merceeiro ( dos muito maus, aqueles que vão à falência), o capital cultural e científico acumulado no último decénio.
Quanto aos líderes , sobre isso Cavaco Silva disse a única coisa acertada da sua vida, a má moeda ( ele os seus semelhantes) expulsa a boa.
Ivone Melo
Muito surpreendida estou com este texto mas agradada. Oportuno, sem dúvida.
Sílvia Correia
O que feito daquele (ex-?) colaborador deste Blog, que ainda há pouco bramava que não havia doutorados a emigrar e que Portugal está a viver o seu melhor momento económico desde 1974?
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