segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Uma lufada de ar fresco, ou os rankings das escolas


Uma das caraterísticas mais interessantes da avaliação anual dos resultados das escolas—incidindo sobretudo na comparação das notas dos exames nacionais entre diferentes casas (embora, ocasionalmente, também na comparação dos exames nacionais com a classificação interna de frequência, escola a escola)—, é o facto de os jornais, invariavelmente, fazerem afirmações únicas com caixa alta.
Ah!—a melhor escola do país continua a ser uma escola privada! Oh!—a primeira escola pública apresenta-se no lugar tal. Uh!—a dependência do estatuto socioeconómico dos progenitores é clara.
Depois, seguem-se artigos, muitas vezes, bastante bem feitos. Que não mereciam a subtileza dos títulos, a despontar sobre aquelas descobertas bombásticas.
Nenhuma destas sínteses originais deve apoquentar-nos. O que deve apoquentar-nos é o facto de haver quem tire daqui conclusões que desafiam a inteligência. Por exemplo: se as melhores escolas do país são privadas, isso significa que o ensino privado é melhor que o público. Ou seja, se alguns dos melhores resultados estatísticos saem de escolas particulares, resulta daí que o ser particular é que é a solução para a chamada «crise do ensino».
Sabe-se—a julgar por conclusões demasiado comuns—que os bons artigos acabam por ser mal lidos. E a ninguém ainda passou pela cabeça fazer determinados exercícios de contraprova.
Tome-se uma escola corrente de mais de 700 exames—a Infanta D. Maria, de Coimbra—e compare-se com o colégio S. João de Brito, com cerca de 250 exames. Ganha o colégio. Então, e se só escolhermos os melhores 250 da escola de Coimbra? É que o S. João de Brito matricula quem entende matricular, e a Infanta D. Maria matricula quem se apresenta à porta e vai cabendo…
Tome-se um corpo docente de uma boa privada; compare-se com o corpo docente de uma (ligeiramente menos) boa pública: qual é o mais estável? Qual foi a escola que mais sofreu com reformas antecipadas? Onde foi que os professores foram menos expostos ao aumento das turmas para efetivos de mais pesada gestão—e digestão?
E depois tomem-se certos casos de sucesso—a escola do Conservatório de Música de Calouste Gulbenkian, de Braga, ou a Academia de Santa Cecília, de Lisboa—, e desses picos de estudo simultâneo de música, contemple-se a paisagem à volta… Diz a diretora da escola de Braga: «O ensino da música cria um ambiente diferente, desde pequenos os alunos trabalham muito a memória, desenvolvem a capacidade de concentração, têm de estar em silêncio num ambiente musical». E, segundo acrescenta a jornalista Andreia Sanches, do Público, «tudo isso é transportado para as outras disciplinas, diz a professora, que admite que teve receio de que este ano os resultados baixassem porque a escola foi obrigada pelo MEC a aumentar o tamanho das turmas. Não aconteceu—e o conservatório continua a ser "uma pública com as características de um colégio"» (suplemento Ranking de sábado 9 de novembro—p.3).
Memória, capacidade de concentração, silêncio? Hmmm!
No mesmo caderno (p.6), o professor Joaquim Azevedo conta uma história com 2 anos, de uma entrevista ao diretor de uma secundária, que resumo: se se faz um trabalho mais cuidado de acompanhamento de todos os alunos (os piores ficam incluídos), perdem-se lugares nos rankings. Se se deixam cair os que têm mais dificuldades de aprendizagem, sobe-se logo nos rankings. A maioria da comunidade envolvente penaliza menos a instituição quando é mais seletiva.
O que é que nos atuais planos de estudos prevê diferentes velocidades e acompanhamento a partir do zero? A partir das primeiras letras? A suprir o que estiver em falta? Ou, bem longe do zero, a turmas quase inteiras que as facilidades educativas que todos conhecemos (excepto os melhores colégios) foram propulsando para diante, e que se vêem inaptas, desmotivadas, destreinadas—encalhadas—num qualquer 10.º ano que tudo exige, nada lhes diz e lhes solicita conhecimentos ausentes?
Ora quem é que consegue convencer estas meninas e estes meninos a atirarem-se a sério, pela primeira vez na vida, à profissão de estudantes?
Começo a ficar enjoado com tanto ponto de interrogação, e vou afirmar para concluir: ninguém ficou a perder com este trabalho de classificação que vai já em 13 anos. Ao contrário do que se dizia, a divulgação (ainda insuficiente) de dados para tratamento, por parte do Ministério, esclarece, suscita o debate e permite o progresso.
De fora, está ainda um Ensino Técnico Profissional que julgo que é o próximo mistério a desvendar: a diferença entre a exigência teórica e prática do ensino dual da AutoEuropa e alguns cursos técnicos profissionais que por aí se vêem, é abismal, e há alunos ludibriados por expectativas fumosas. Mas faltam-nos dados, faltam-nos lupas, faltam os rankings. Mesmo com títulos parvos.
Agora—livrem-se os apressados do costume a tirar deste panorama a conclusão mais inane: que é na privatização do que quer que seja que reside o segredo do sucesso.
É que não é—nem deixa de ser!
António Mouzinho

4 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Just me disse...

Uma lufada mesmo muito fresca, como bem ilustra a foto.

Os colégios. Nada tenho a opor. Onde fui ensinada. E leccionei. A quem devo - mesmo de dever, estar em dívida - muito. Não tudo. Bastante. Onde tive e tenho amigos para sempre que é além da morte, se isso exista.

E a escola pública. Que me move até ao fim de eu ser mim (rimou! Uppsss). Por quem atravesso o corpo nas portas e me magoo sempre - entalam-me logo. Alunos bons, maus e assim-assim; ou não catalogados. E só neles e por eles os professores são profissionalmente alguma coisa.

Como as equaciono?

Dois mundos. Não os mesmos, como aliás o texto indica - e é um bom texto. Parabéns.

Os colégios escolhem tudo: os professores, os alunos, o número de alunos por turma. E têm normas bem mais rígidas de trabalho e de estudo. Apostam nos trabalhos de casa, nas horas de estudo acompanhado, nos apoios individuais. Exigem dos professores um a um. Envolvem-nos. Criam escolas de música, de ballet, grupos de teatro. E outros. Que acompanham e dinamizam. Dão-lhes nome no exterior. São chamariz

Se, mau grado estas prerrogativas, os alunos não são quem se deseja?

hum...chamam-se os encarregados de educação e são convidados a sair. Ou apenas expulsos - depende da sua condição social. E onde vai parar o garoto que se arma em energúmeno - pequeno energúmeno, que os colégios não permitem mais. Pois...vai para a escola pública.

A Escola Pública

Recebe todos. Integra alunos que não poderiam pagar o colégio, logo, as crianças de extractos sociais mais baixos com os corolários que as caracterizam. E, facto curioso, os filhos dos professores frequentam, em geral, o colégio, se ele exista no lugar. Ou próximo. Infelizmente, há todo um status que o "andar no colégio x" veicula. Os professores, como o texto indica, não são escolhidos - a escolha dos colégios é criteriosa e despede-se quem não convém; ou nem se contrata. Mas os professores da escola pública são desgastados por reformas sucessivas e todas contra eles; por uma má imagem que o governo, a despropósito - deveria defender o que é seu, a prata da casa - pretende e consegue criar - as pessoas aceitam melhor a maledicência que o trabalho meritório, se é para bater estamos prontos, se para reconhecer, não existimos; por uma legislação que os vem zurzindo e enchendo de trabalhos completamente desnecessários e até estúpidos, que as direcções das escolas também elas desprevenidas, não sabem gerir e aumentam ainda mais. Mas nada se contradiz frontalmente. Porque a avaliação; porque o poder local e as escolas a depender dele; porque o cansaço é demais e não apetece brigar por mais uma coisa e deixa ir que é só mais uma; porque as turmas cresceram tanto que mantê-los na sala já é um trabalho insano e ensinar individualizando dificuldades e aprendizagens é um sonho bonito de recém licenciados que, aliás, não chegarão talvez a exercer. E assim lhes vai faltando o espaço de sonho que os moveu a eles. Outrora. Esses professores a quem o seu ministério não respeita, mas exige em dobro. Oh! É verdade, o ordenado mingua a cada suspiro do governo. Porque - toda a gente sabe - os funcionalismo público é que deu cabo disto tudo. (Cont)

Just me disse...

(continuação)
E contudo. A escola pública é o espaço por excelência da educação para e pela diferença. O espaço dessa coisa tão maltratada a que chamam democracia e que virou caricatura. Nem sequer uma má cópia. É pela diversidade que atrai e conquista. Mas a diversidade deixou de interessar a quem de modo pragmático diz que o professor tem que ensinar sem se lembrar que o ensino de nada vale se não exista aprendizagem. Mas este será talvez outro assunto.

Os colégios são uma elite, representam-na. E a escola pública é o mundo democrático da diferença. Do todos juntos que nos moveu em tanto sonho. Das oportunidades iguais para todos. Que nos possibilitou pelo menos a crença de que o filho do cavador pode também chegar a juíz do supremo ou a outra profissão da mesma natureza.

Espero neles. Nos Professores da escola pública. Que só as pessoas são diferença.

Por Favor, não lhes retirem o sonho. Ou comprometem a realidade. Já a estão comprometendo.


PS: dos rankings? São a imagem do que o governo está fazendo ao país. Porque há uma verdade neles: aprende-se menos.
Será porque tanto se ensina?

Anónimo disse...

Aplique-se às escolas públicas as mesmas regras das privadas. Ou ao contrário. Tanto faz. Depois vamos lá a ver o rankings ...
Haverá coragem?

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...