Uma das caraterísticas mais interessantes da avaliação anual dos
resultados das escolas—incidindo sobretudo na comparação das notas dos exames
nacionais entre diferentes casas (embora, ocasionalmente, também na comparação
dos exames nacionais com a classificação interna de frequência, escola a
escola)—, é o facto de os jornais, invariavelmente, fazerem afirmações únicas
com caixa alta.
Ah!—a melhor escola do país continua a ser uma escola privada! Oh!—a primeira
escola pública apresenta-se no lugar tal. Uh!—a dependência do estatuto
socioeconómico dos progenitores é clara.
Depois, seguem-se artigos, muitas vezes, bastante bem feitos. Que não
mereciam a subtileza dos títulos, a despontar sobre aquelas descobertas
bombásticas.
Nenhuma destas sínteses originais deve apoquentar-nos. O que deve
apoquentar-nos é o facto de haver quem tire daqui conclusões que desafiam a
inteligência. Por exemplo: se as melhores escolas do país são privadas, isso
significa que o ensino privado é melhor que o público. Ou seja, se alguns dos
melhores resultados estatísticos saem de escolas particulares, resulta daí que
o ser particular é que é a solução para a chamada «crise do ensino».
Sabe-se—a julgar por conclusões demasiado comuns—que os bons artigos
acabam por ser mal lidos. E a ninguém ainda passou pela cabeça fazer determinados
exercícios de contraprova.
Tome-se uma escola corrente de mais de 700 exames—a Infanta D. Maria,
de Coimbra—e compare-se com o colégio S. João de Brito, com cerca de 250
exames. Ganha o colégio. Então, e se só escolhermos os melhores 250 da escola
de Coimbra? É que o S. João de Brito matricula quem entende matricular, e a
Infanta D. Maria matricula quem se apresenta à porta e vai cabendo…
Tome-se um corpo docente de uma boa privada; compare-se com o corpo
docente de uma (ligeiramente menos) boa pública: qual é o mais estável? Qual
foi a escola que mais sofreu com reformas antecipadas? Onde foi que os
professores foram menos expostos ao aumento das turmas para efetivos de mais
pesada gestão—e digestão?
E depois tomem-se certos casos de sucesso—a escola do Conservatório de
Música de Calouste Gulbenkian, de Braga, ou a Academia de Santa Cecília, de
Lisboa—, e desses picos de estudo simultâneo de música, contemple-se a paisagem
à volta… Diz a diretora da escola de Braga: «O
ensino da música cria um ambiente diferente, desde pequenos os alunos trabalham
muito a memória, desenvolvem a capacidade de concentração, têm de estar em
silêncio num ambiente musical». E, segundo acrescenta a jornalista Andreia
Sanches, do Público, «tudo isso é transportado para as outras
disciplinas, diz a professora, que admite que teve receio de que este ano os
resultados baixassem porque a escola foi obrigada pelo MEC a aumentar o tamanho
das turmas. Não aconteceu—e o conservatório continua a ser "uma pública
com as características de um colégio"» (suplemento Ranking de sábado 9 de novembro—p.3).
Memória, capacidade de concentração, silêncio? Hmmm!
No mesmo caderno (p.6), o professor Joaquim Azevedo conta uma história
com 2 anos, de uma entrevista ao diretor de uma secundária, que resumo: se se
faz um trabalho mais cuidado de acompanhamento de todos os alunos (os piores
ficam incluídos), perdem-se lugares nos rankings.
Se se deixam cair os que têm mais dificuldades de aprendizagem, sobe-se logo
nos rankings. A maioria da comunidade
envolvente penaliza menos a instituição quando é mais seletiva.
O que é que nos atuais planos de estudos prevê diferentes velocidades e
acompanhamento a partir do zero? A partir das primeiras letras? A suprir o que
estiver em falta? Ou, bem longe do zero, a turmas quase inteiras que as
facilidades educativas que todos conhecemos
(excepto os melhores colégios) foram propulsando para diante, e que se vêem
inaptas, desmotivadas, destreinadas—encalhadas—num qualquer 10.º ano que tudo
exige, nada lhes diz e lhes solicita conhecimentos ausentes?
Ora quem é que consegue convencer estas meninas e estes meninos a
atirarem-se a sério, pela primeira vez na vida, à profissão de estudantes?
Começo a ficar enjoado com tanto ponto de interrogação, e vou afirmar
para concluir: ninguém ficou a perder com este trabalho de classificação que
vai já em 13 anos. Ao contrário do que se dizia, a divulgação (ainda
insuficiente) de dados para tratamento, por parte do Ministério, esclarece, suscita
o debate e permite o progresso.
De fora, está ainda um Ensino Técnico Profissional que julgo que é o
próximo mistério a desvendar: a diferença entre a exigência teórica e prática do
ensino dual da AutoEuropa e alguns cursos técnicos profissionais que por aí se
vêem, é abismal, e há alunos ludibriados por expectativas fumosas. Mas faltam-nos
dados, faltam-nos lupas, faltam os rankings.
Mesmo com títulos parvos.
Agora—livrem-se os apressados do costume a tirar deste panorama a
conclusão mais inane: que é na privatização do que quer que seja que reside o
segredo do sucesso.
É que não é—nem deixa de ser!
António
Mouzinho
4 comentários:
Uma lufada mesmo muito fresca, como bem ilustra a foto.
Os colégios. Nada tenho a opor. Onde fui ensinada. E leccionei. A quem devo - mesmo de dever, estar em dívida - muito. Não tudo. Bastante. Onde tive e tenho amigos para sempre que é além da morte, se isso exista.
E a escola pública. Que me move até ao fim de eu ser mim (rimou! Uppsss). Por quem atravesso o corpo nas portas e me magoo sempre - entalam-me logo. Alunos bons, maus e assim-assim; ou não catalogados. E só neles e por eles os professores são profissionalmente alguma coisa.
Como as equaciono?
Dois mundos. Não os mesmos, como aliás o texto indica - e é um bom texto. Parabéns.
Os colégios escolhem tudo: os professores, os alunos, o número de alunos por turma. E têm normas bem mais rígidas de trabalho e de estudo. Apostam nos trabalhos de casa, nas horas de estudo acompanhado, nos apoios individuais. Exigem dos professores um a um. Envolvem-nos. Criam escolas de música, de ballet, grupos de teatro. E outros. Que acompanham e dinamizam. Dão-lhes nome no exterior. São chamariz
Se, mau grado estas prerrogativas, os alunos não são quem se deseja?
hum...chamam-se os encarregados de educação e são convidados a sair. Ou apenas expulsos - depende da sua condição social. E onde vai parar o garoto que se arma em energúmeno - pequeno energúmeno, que os colégios não permitem mais. Pois...vai para a escola pública.
A Escola Pública
Recebe todos. Integra alunos que não poderiam pagar o colégio, logo, as crianças de extractos sociais mais baixos com os corolários que as caracterizam. E, facto curioso, os filhos dos professores frequentam, em geral, o colégio, se ele exista no lugar. Ou próximo. Infelizmente, há todo um status que o "andar no colégio x" veicula. Os professores, como o texto indica, não são escolhidos - a escolha dos colégios é criteriosa e despede-se quem não convém; ou nem se contrata. Mas os professores da escola pública são desgastados por reformas sucessivas e todas contra eles; por uma má imagem que o governo, a despropósito - deveria defender o que é seu, a prata da casa - pretende e consegue criar - as pessoas aceitam melhor a maledicência que o trabalho meritório, se é para bater estamos prontos, se para reconhecer, não existimos; por uma legislação que os vem zurzindo e enchendo de trabalhos completamente desnecessários e até estúpidos, que as direcções das escolas também elas desprevenidas, não sabem gerir e aumentam ainda mais. Mas nada se contradiz frontalmente. Porque a avaliação; porque o poder local e as escolas a depender dele; porque o cansaço é demais e não apetece brigar por mais uma coisa e deixa ir que é só mais uma; porque as turmas cresceram tanto que mantê-los na sala já é um trabalho insano e ensinar individualizando dificuldades e aprendizagens é um sonho bonito de recém licenciados que, aliás, não chegarão talvez a exercer. E assim lhes vai faltando o espaço de sonho que os moveu a eles. Outrora. Esses professores a quem o seu ministério não respeita, mas exige em dobro. Oh! É verdade, o ordenado mingua a cada suspiro do governo. Porque - toda a gente sabe - os funcionalismo público é que deu cabo disto tudo. (Cont)
(continuação)
E contudo. A escola pública é o espaço por excelência da educação para e pela diferença. O espaço dessa coisa tão maltratada a que chamam democracia e que virou caricatura. Nem sequer uma má cópia. É pela diversidade que atrai e conquista. Mas a diversidade deixou de interessar a quem de modo pragmático diz que o professor tem que ensinar sem se lembrar que o ensino de nada vale se não exista aprendizagem. Mas este será talvez outro assunto.
Os colégios são uma elite, representam-na. E a escola pública é o mundo democrático da diferença. Do todos juntos que nos moveu em tanto sonho. Das oportunidades iguais para todos. Que nos possibilitou pelo menos a crença de que o filho do cavador pode também chegar a juíz do supremo ou a outra profissão da mesma natureza.
Espero neles. Nos Professores da escola pública. Que só as pessoas são diferença.
Por Favor, não lhes retirem o sonho. Ou comprometem a realidade. Já a estão comprometendo.
PS: dos rankings? São a imagem do que o governo está fazendo ao país. Porque há uma verdade neles: aprende-se menos.
Será porque tanto se ensina?
Aplique-se às escolas públicas as mesmas regras das privadas. Ou ao contrário. Tanto faz. Depois vamos lá a ver o rankings ...
Haverá coragem?
Enviar um comentário