Ao longo de 2 anos e
meio (contas redondas) fui publicando nestas páginas do De Rerum Natura, com a benevolência dos fundadores, um conjunto de
artigos sobre educação.
Refletem, sobretudo, uma conjuntura pessoal—em particular os do 1.º ano
letivo, 2011-2012, quando travava uma guerra de opinião na minha escola.
Intimamente, divirto-me a designá-los por «o meu ano nas trincheiras», e são,
repito, artigos de opinião. Por conseguinte: valem o que valem opiniões,
conjunturas e conjeturas pessoais, e toda a escrita efémera do género.
Mantenho, entretanto, a curiosidade aberta ao que se passa noutros
sítios, e atenção—na medida dos meus conhecimentos—crítica, quanto ao que se
passa neste sítio que é o meu país.
Há não muito tempo (julho) referi sistemas de ensino muito diferentes
do nosso: o finlandês, o holandês. Elogiei as vantagens de se dispor de um
sistema coerente, e queixei-me da ausência de sistema em Portugal.
As nuvens que se aproximam não trazem coerência: trazem mais chuva,
parece.
A informação na nossa terra faz-se em sintonia com a alfabetização: é
superficial, insuficiente, desfocada. Muitas vezes, simplesmente, errada.
Começa pela maioria dos governantes, passa pela maioria dos jornalistas, anda
na boca da maioria das pessoas e é finamente escrutinada nos cafés, no barbeiro
e nos transportes.
É cada vez mais frequente ver governantes a corresponder a este clima
de pobreza com todo o tipo de improvisos na escolha de caminhos, na decisão; a
uma informação errada juntam a certeza ufana de quem não é feiticeiro—é
aprendiz.
Temos todos uma certeza: o ensino em Portugal pode ser muito melhorado,
e queremos que isso aconteça. Ora, o atual ministério da educação não
conseguiu, que nós víssemos, uma representação convincente da realidade, para,
de seguida, a avaliar, apontar percursos, vislumbrar metas, apresentar uma
prospetiva. Isto apesar de um conjunto de ideias que o seu responsável, Nuno
Crato, parecia evidenciar em vários escritos conhecidos.
As ameaçadoras nuvens que se vislumbram sobre público e privado, entre charter schools e escolas de modelo
tradicional, jogam com dois preconceitos: com o preconceito libertário,
garantido pela deposição do testemunho na mão de organizações com uma ideia, ou
grupos de professores volitivos e empreendedores; e com o preconceito
igualitário, pondo o cheque-ensino ao barulho, a tentar dar o tom—tudo sem um
plano de consenso da República. Ambos são, como resmungava lá atrás, nuvens de
chuva. Boas para a hortaliça.
Tenho—intuição por intuição—alguma simpatia pelo projeto finlandês em
dois pontos: o primeiro, que propõe à população um ensino público geral,
inclusivo e gratuito, de qualidade; o segundo, que vê os resultados
certificados internacionalmente.
Com isto até pode dar-se ao luxo de usar a avaliação externa de
conhecimentos como processo pontual de teste ao funcionamento e resultados do
sistema. E prescindir da avaliação regular dos seus quadros docentes, se o
ensino estiver a funcionar.
Insisto num conjunto de ideias que já expus, e me arrisco a martelar:
temos de garantir a elevada qualificação de professores a partir do ensino
pré-escolar, acompanhada do correspondente prestígio da profissão; temos de
garantir o acompanhamento efetivo dos alunos, através de planos de ensino
diferenciado que apoiem os retardatários; temos de enquadrar miúdos e
professores num currículo nacional pensado em sequência, com uma quantidade
sensata de horas de aulas.
Devemos definir a idade das opções, das vocações, das profissões,
colando-nos ao ensino profissional quando for caso disso—com qualidade
geralmente reconhecida, e suficiente contacto com as empresas para produzir
técnicos efetivos. Sem fechar portas.
E devemos fazer de tudo isto um sistema, de facto, igualitário. Uma das
soluções é obter dos eleitores um consenso quanto à gratuitidade, e dos
beneficiários uma responsabilização quanto ao compromisso com a despesa feita.
Se pusermos de pé um plano deste tipo, temos um plano.
Se alguém quiser ter a sua escolinha privada, fazendo outras coisas,
que tenha. E os pais que paguem. Um ensino público de qualidade é suficiente
para um pequeno país como o nosso, sem recursos por aí além. Não me apetece,
como contribuinte, estar a custear a fiscalização de todas as faces de um
poliedro complicado, tendo como pretexto dar liberdade de escolha a famílias
para quem não sirva a neutralidade da escola pública; e aquilo que intuo dos
meus concidadãos leva-me a crer que não estarei sozinho no meu apetite.
Já me apetece custear um ensino gratuito eficaz, porque o meu país—e o
meu bem estar—só vão beneficiar com isso.
O papel do estado começa por acertar o currículo nacional, e prossegue assegurando
a excelência da formação e seleção de professores logo a partir dos
primeiríssimos anos de escolaridade: só lá devem estar os melhores.
Não devemos preocupar-nos em demasia com os que já estão no sistema: há
magníficos professores no sistema; e muito bons, e bons professores. Chegam para assegurar qualidade que baste, se
forem enquadrados por um currículo nacional nítido, sensato, em extensão e em
compreensão, e tiverem razoáveis condições de trabalho. Com más condições de
trabalho já sabemos que produzem alguns resultados dignos (e refiro-me às más
condições físicas, mas, igualmente, a esquemas de contratação soezes, a
projetos educativos idiotas, a uma legislação cada vez mais intrusiva e
perversa, e a uma guerra institucional em que o ministério é sempre «eles»).
Menos ministério pode—deve!—ser isto: um sistema pequeno, simples,
autorregulador. Não a produção de hortaliça e a venda de sopinhas. A Nação
facilmente reconhecerá os benefícios de gerações capazes, integradas,
preparadas, e os portugueses continuarão a fazer sopinhas em casa, sem o apport do ministério da Educação e
Ciência.
O meu professor de Latim da faculdade de Letras, André Simões, remata
os documentos que nos envia com a seguinte tirada de manifesto uso geral:
«Dizem
que os Cursistas de Artes no primeyro anno são Doutores, no segundo
Licenciados, no terceyro Bachareys, e despoys são nada, porque quãto mais vão
estudando, tanto melhor sabem que não sabem: e quanto era menos a luz, era mais
a presumpção.»
P.e
Manuel Bernardes (1644-1710), «Luz e Calor»
A quem possa interessar…
António Mouzinho
4 comentários:
Na década de setenta tínhamos (nós alunos) uma afamada embora o regime a república presidenciáveis eram militares pois bem nem faltavam-lhe a logística e tudo acontecia de maneira razoável inclusive a merenda nem muito elaborada a dias de hoje e trago desta recordação o diferencial que a diretora servia ora a sopinha, ora feijão ou um achocolatado que fizera a alegria dos alunos e veja bem que para além da diversificada categoria de sabor valerá a máxima: os últimos serão os primeiros.
Muito bacana.
“Temos todos uma certeza: o ensino em Portugal pode ser muito melhorado, “ A sério?
Não me chamo Fernando Azevedo mas gostava. Certo dia, distante no tempo, alguém lhe perguntou se ainda acreditava na obra da educação ao que ele respondeu:
“Oh! Esta nossa gente dá-me, dia a dia, uma desilusão tão serena mas tão grande! Como vê, não melhorei muito do meu pessimismo. Permita que muito suavemente lhe observe que também da sua parte, nada fez em meu benefício. É bom que o Sr. possua uma fé que não conhece impossíveis (como o invejo).”
É difícil dar forma ao voo. Principalmente ao de um albatroz… Difícil provar que se é humanamente um excelente professor/mestre num teste escrito, a pagar; difícil fazer o trabalho do ourives numa mega fábrica; difícil a elevada qualificação se não apostarmos num melhor ensino nas universidades (sem favores ou afins…); difícil educar com tão escassos exemplos…; fácil perceber a inutilidade do latim e do formalismo e da extensão de pensamento onde tudo prima pela função do descartável; difícil o equilíbrio com tantas vozes dissonantes e legislação superficial, desconectada da realidade, redutora; difícil ensinar a liberdade, igualdade, dignidade nestes sítios – escolas – espaços grafitados, degradados, com uma filosofia petrificada do social, esvaziada de real dinamismo (movimento não é amplitude nem visão) e cheia de espaços movediços por onde se esvai toda e qualquer medida do valor humano.
Só como a sopinha porque tenho fome.
Difícil, difícil é aguentar que quem não conhece os garotos nem a realidade das escolas lhes dite leis e normas.
A palavra, que tanto nos distingue, pode também afundar-nos se esvaziou.
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