quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Os Cratos

Texto recebido da professora de Física e Química Regina Gouveia, que já aqui tem publicado outros textos:

Recebi há dias um e-mail dizendo que havia um Crato, prior, e há um Crato, pior.

Não vou falar de Crato, o Prior, nem tanto de Crato, o Pior,  mas mais de um outro Crato que eu conheci, não pessoalmente, mas através de algumas das suas publicações. Nuno Crato investigador e professor de matemática, autor de uma vasta obra de divulgação científica, referindo-se a Rómulo de Carvalho, seu professor, escreveu:
"As lições eram convenientemente preparadas, como sublinharam vários dos que com ele trabalharam. As experiências funcionavam bem porque eram treinadas."
In Crato. N (org), 2006, Ser Professor. Antologia de textos de Pedagogia e Didática, Gradiva .

Ora a política do actual Crato nada tem a ver com o que o texto acima defende. Os professores hoje não podem preparar cuidadosamente as aulas nem treinar as experiências. Seguindo as pegadas de Maria de Lurdes Rodrigues (MLR), que até há bem pouco tempo considerava como o(a ) pior ministro(a) da Educação que conheci na minha longa carreira de professora, Crato não está preocupado com a qualidade das lições nem com o bom funcionamento das experiências; grande parte do tempo dos professores é empregue em reuniões genericamente estéreis, no preenchimento de relatórios e fichas na sua esmagadora maioria totalmente inúteis.

Para que os professores mais velhos, os únicos ainda com memória, não dêem conta destas falsificações, inventaram relatório atrás de relatório, ficha atrás de ficha, reunião atrás de reunião, impedindo-os assim de exercer o que supostamente seria o seu objectivo: ensinar. E quando nos intervalos de relatórios, fichas, reuniões conseguem o tempo para ensinar, o cansaço e desânimo são tão grandes que até se convencem que os seus conhecimentos estão errados e o livro que têm em frente está correcto e completo.

Não contente com esta competição com a sua antecessora, Crato (se ainda não destronou MLR, há pelo menos um empate) resolveu criar uma prova para avaliação de professores.

A prova modelo foi aplicada a adolescentes que responderam à escolha múltipla da prova e passaram.

 Eu, como aposentada, estou expectante porque se tal prova é condição necessária (e porventura suficiente) para se ser professor, então não se gaste mais dinheiro na formação de professores. Contratem-se já todos os adolescentes que mostraram um bom desempenho e, se necessário, aplique-se de imediato a toda a população adolescente de modo a poder selecionar os melhores...

Com toda esta economia na formação de professores, talvez os aposentados deixem de ser espoliados pelo governo.

Oh Senhor Ministro, o que pode revelar esta prova sobre o estar em sala de aula?

Faço minhas as palavras de Leonor Santos:
 "Mascarar um teste que pretende avaliar conhecimentos e capacidades considerados essenciais para a docência nos diferentes níveis de ensino com um teste psicométrico é no mínimo enganador. Mas mais importante ainda, o que se fica a saber sobre a qualidade do desempenho da função docente de um candidato que obtenha a pontuação máxima nesta prova? Se uma das características essenciais da docência hoje é também ser capaz de antecipar situações de sala de aula e agir no momento face ao inesperado, o que uma prova deste tipo nos revela sobre isso?"
Eis uma carta aberta de um professor ao primeiro-ministro:

MANUEL MARIA MAGALHÃES (22/11/2013)

Não temo como nunca temi qualquer forma de avaliação, mas não me sujeito ou humilho perante este cenário a que Vossa Excelência nos quer forçar. O meu nome é Manuel Maria de Magalhães e sou professor profissionalizado do grupo 410 (Filosofia), desde 2002. Desde então fui contratado por 13 escolas, em cinco distritos diferentes (Viana do Castelo, Braga, Porto, Guarda e Viseu). Em todas excedi sempre aquilo que me era pedido, como prova o reconhecimento, em alguns casos público e formal, que alunos, colegas, órgãos das escolas e encarregados de educação prestaram ao meu trabalho. Em termos de formação contínua de professores desprezei sempre as acções de formação promovidas pelo ministério através das suas direcções regionais, que conjugam o verbo "encher" na perfeição, para procurar na academia a continuação dos meus estudos sob a forma de congressos ou mesmo na execução de duas pós-graduações nas áreas em que o meu grupo disciplinar se move. Em todas as escolas o meu trabalho foi avaliado, de acordo com o estipulado, tendo inclusivamente sido dos primeiros a submeter-se voluntariamente às "aulas assistidas". Em consequência das suas políticas educativas encontro-me no corrente ano desempregado e sem perspectivas de encontrar colocação nesta área, tal como dezenas de milhares de colegas meus, muitos deles com uma história profissional bem mais dura do que a minha e muitos mais anos de serviço. É neste quadro que Vossa Excelência, através do seu ministro da Educação, nos quer obrigar a fazer um exame para poder continuar a concorrer ao ensino. Era a humilhação que faltava e a maior de todas.

Ao enveredar por este caminho, Vossa Excelência está a descredibilizar todos os docentes com provas dadas nesta causa que é tomada como uma missão em prol do desenvolvimento do país. Está a descredibilizar as universidades que nos formaram e as escolas que nos avaliaram. Está a destruir a credibilidade do próprio ensino, através de uma avaliação retroactiva, sem fundamento, obscura nos seus contornos, pois até esta data pouco se sabe sobre o processo, que é mais próprio de regimes ditatoriais revolucionários do que de democracias maduras, onde todas as partes devem ser ouvidas.
Estou de acordo consigo num ponto: a Educação não está bem , apesar dos esforços de tantos, mas residirá apenas na classe docente a causa desse mal? Já reparou que todos os governos eleitos impuseram uma política de Educação diametralmente diferente dos anteriores? Já se deu conta que a Educação foi verdadeiramente uma área em que se "atirou dinheiro" para cima dos problemas na esperança que passassem? No ensino, como em muitas outras áreas, também existiu o privilégio do betão face à formação. Quantas escolas não têm psicólogos, sobretudo clínicos, que tanta falta fariam aos inúmeros casos dramáticos que assolam milhares de alunos? Que vínculos tem o Estado, através da Segurança Social, para ajudar a estabelecer pontes entre as famílias e a Escola? O que se (não) tem feito em termos de prevenção da indisciplina em ambiente escolar, seja na sala de aula ou fora dela? O que fez o Estado para promover a autoridade (não autoritarismo) do professor e do auxiliar de acção educativa que ainda é tratado, à maneira do Estado Novo, como um mero contínuo, desprezando o seu vital papel nas escolas? Construir ou renovar escolas não chega… Se quer introduzir alterações em atitudes e comportamentos dos docentes, este não é seguramente o melhor caminho. Se analisar a formação que o ministério nos disponibiliza, constatará que não tem, na maioria dos casos, qualquer interesse em termos pedagógicos. Já pensou em fomentar a ligação entre as universidades e as escolas neste sentido? Ao persistir neste caminho, Vossa Excelência encerra em si o pior modelo de docência: o do professor que obriga os alunos a uma avaliação para a qual não os preparou. 

Não temo como nunca temi qualquer forma de avaliação, mas não me sujeito ou humilho perante este cenário a que Vossa Excelência nos quer forçar. Não farei qualquer exame retroactivo, imposto de forma ditatorial. Se o preço a pagar for a exclusão definitiva do ensino, assumo-o. Mais importante do que as palavras que proferimos é o exemplo que perdura. A dignidade não está à venda e não posso ser incoerente com tudo o que tenho passado aos alunos que o Estado me entregou. Ainda assim tenho a esperança que Vossa Excelência tenha a humildade (uma das maiores, se não a maior, virtude humana) de reconhecer o erro que esta medida encerra e procurar novas soluções.

MMM, Professor de Filosofia

Já  me tenho referido várias vezes à avaliação de professores. Sou do tempo em que no fim do estágio se fazia exame de estado, perante uns seis metodólogos e em que os inspetores entravam pela sala de aula sem disso sermos avisados. Nunca temi qualquer avaliação e sempre defendi que a observação de aulas por equipas competentes (logo isentas), sem aviso prévio, será a forma mais fidedigna de avaliar professores. Durante 22 anos fui orientadora de estágio e durante noveanos lecionei a cadeira de Didática da Física no Mestrado em Física para o Ensino da FCUP. Avaliei para cima de uma centena de professores e candidatos a professores.

Sei que há maus e bons professores embora estes últimos sejam a maioria, por mais que se tente denegrir o trabalho docente.

Senhor Ministro: deixe os professores ensinar porque ensinar e aprender são atividades humanas, das mais nobres.

Regina Gouveia

2 comentários:

Ildefonso Dias disse...

Caríssima Regina Gouveia;

Quem quer que tenha lido alguns dos "post's" aqui publicados pelo Professor Rui Baptista, percebe facilmente quais as razões que nos levaram a esta situação!!
Por isso eu penso que é um erro do Professor de Filosofia a sua recusa a fazer o exame de avaliação.
Talvez o Professor Rui Baptista, se por ventura ler este meu comentário, possa dizer alguma coisa a este Professor, por forma a que ele vá fazer o exame, sim, porque a situação era inevitável, tal foram as politicas as longo do anos na Educação.

Cumprimentos,

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Minha irmã e eu estávamos com o mesmo professor a estudar a matéria de Ciências e as aulas eram sempre muito interessantes (para mim) sendo que ela nem prestara atenção (devida atenção) para tirar a média e concluir o ginásio. Conclusão fora repetente. Lembro com carinho do professor que esforçado-se a ensinar-nos a maneira correta e acontece uns aprenderam mais a outros.

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