"Em face de uma notícia que recebi anteontem fiquei escandalizada. A notícia é esta:
«Sabe-se que a FALTA das HUMANIDADES no Ensino é uma das causas da crise actual. Mas a Presidente da Associação de Professores Português acha que os alunos que vão para Ciências não precisam de estudar Literatura. Achará ela que Literatura não é Português? Ou entenderá, como muitos dirigentes políticos, que quanto mais iliteracia houver na população, mais fácil é desgoverná-la? Quanto mais inculto é o povo, melhor, não é? Maria Alzira Seixo»
Não se pode ser mais retrógrado do que esta Presidente da Associação dos Professores de Português, pois os programas tem vindo a diminuir de qualidade, com cada vez menor recurso a textos literários, pois se entendia que o texto literário é um «género» especial de texto, como o anúncio, o slogan, a entrevista, a carta, o requerimento e outros.
Deixou-se de entender o carácter modelar desse texto, a sua aptidão para cativar os alunos para a leitura e para a boa escrita. Ora destas qualidades todos precisam, alunos de letras e de ciências: lembremos apenas os ilustríssimos exemplos de escritores «de ciências»: de Júlio Dinis, a Lobo Antunes (aos vários médicos irmãos), a Fernando Namora, António Gedeão, etc., etc.
Ora, pela primeira vez, com o trabalho solicitado a óptimas professoras do ensino secundário e superior, o Ministério está a estabelecer as METAS CURRICULARES que repõem as coisas nos eixos, e reflectem na prática as boas normas que coincidem com a sensatez da maioria.
Peço-vos assim, por favor, que façam cair uma chuva de protestos, e pareceres para a DGE. É mesmo necessário, porque já sabemos quais os pareceres que vamos receber da Associação de Professores de Português... É preciso apoiar esta nova orientação do Ministério, a bem dos nossos filhos e netos.
Proponho que envio um texto como este Repudio o parecer emitido pela Presidente da Associação dos Professores de Português que entende que os alunos que vão para Ciências não precisam de estudar Literatura. Os estudantes de Ciências necessitam de Literatura e de cultura, como toda a gente!
Assinem e enviem para a Direcção Geral competente do Ministério Educação (...) Não fiquem passivos!
Lembrem-se dos vossos filhos e netos, e da cultura deste país que está dominada pelo futebol. Pouco pão… mas muito circo."
Maria Vitalina Leal de Matos
7 comentários:
Não será por estarem no programa os grandes vultos da literatura que os alunos deixarão de ler, apenas, os resumos.!
Depois, o tempo dos jovens também é finito!
Sempre fiquei triste por os meus filhos não se interessarem muito pelos livros, na nossa casa há uns bons milhares, nem pela música clássica. No entanto, já adultos verifico, com imenso gosto, que a educação que lhes demos afinal "estava lá".
Também eu, no meu tempo odiei Júlio Dinis , entre outros, e ainda hoje , apesar de conhecer de cor muito da lírica de Camões, não consigo separar a leitura dos Lusíadas das aulas, horrorosas, a dividir orações sem perceber para que "raio" era aquilo!
Depois, não esqueçamos : que muitos jovens apenas têm em casa os manuais da Escola , não é por os "encherem" de boa literatura que ele vão gostar e ser leitores. Além disto, a Montanha Mágica, por exemplo, custa 25€ e não se encontra em alfarrabista nenhum.
O programa até pode ser excelente mas se não chegar aos alunos não cumpre a sua função!
Fico contente por ver, de novo, mencionado Fernando Namora
O que me parece é que se o antigo regime considerava que havia matérias que não precisavam (nem mereciam) ser estudadas por quem estava destinado a trabalhos pouco especializados – o que incluía literatura mas também línguas estrangeiras, por exemplo, que não eram estudadas nas antigas escolas industriais – hoje há quem considere que há determinadas matérias que só são acessíveis a alguns.
Com certeza que a presidente dessa associação deu um tiro no pé. Nem sequer os interesses de classe conseguiu defender...
Mais grave do que o conhecimento básico de literatura em quem frequenta ciências no ensino secundário, é o conhecimento nulo de cultura científica em quem frequenta letras no secundário. Amargura, também, ver-se a incapacidade de vislumbrar a "rerum natura" por parte de quem seguiu outras áreas.
A escolha de uma área de estudos não pode significar a desistência das outras áreas. Apenas deveria ser uma porta maior que a outra.
"O que me melindra é a situação em si mesma. Não a aceito."
Fernando Namora, pág. 143, Bertrand Editora
Enquanto cientista considero fundamental (e tendencialmente insuficiente) a formação académica humanista que tive no ensino secundário e superior. O Português, a Filosofia, as línguas estrangeiras são sem dúvida fundamentais. Enquanto cientistas temos que obrigatoriamente saber ler e escrever em várias línguas e num estilo muito específico. Enquanto seres humanos e cidadãos a literatura é muito mais do que uma disciplina ou um tópico de tetes e exames, é um direito, é uma herança que faz parte de nós, independentemente de a apreciarmos ou não...
Há 3 anos, ao dar explicações de Biologia/Geologia a estudantes do secundário apercebi-me que as questões de exame com que tinham mais dificuldade eram precisamente as perguntas de desenvolvimento... (como é que estes estudantes no futuro vão escrever relatórios, teses e artigos?) Por favor, ao longo do todo ensino pré-universitário dêem doses maciças de Português (incluindo literatura, gramática e tudo o mais) a todos os alunos, nomeadamente os de Ciências. Não basta sabermos os conteúdos para sabermos expressarmo-nos, e enquanto cientistas é fundamental termos a capacidade de comunicar entre os nossos pares e o resto da sociedade.
O que eu não compreendo (ou se calhar compreendo mas custa-me aceitar), é que muitos professores de português não encarem a literatura como a melhor forma de domínio da língua, mas também como um património e herança cultural da humanidade que todos têm direito de herdar (usufruir), como aliás deveria suceder com a música, as artes as ciências... Parece-me pois que uma escola além de ser vocacional, profissional ou profissionalizante precisa também de ser cultural.
Curiosamente, os melhores alunos de Português são alunos de Ciências. São, também, quem avança para propostas de leitura mais exigentes.
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